Amiga ou predadora? - Pequim está desafiando o Ocidente ao aumentar a sua influência no mais pobre dos continentes, embora alguns africanos questionem o valor dessas relações
Dos correspondentes do FT
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Alguns enxergam nisso um relacionamento temporão, outros acreditam tratar-se de uma nova forma de colonialismo. De qualquer maneira, a China está ampliando de forma rápida e resoluta a sua influência em todo o continente africano, à medida que as suas companhias se adentram em um terreno no qual as empresas ocidentais hesitam em ingressar.
O avanço chinês --apoiado pelo governo, liderado por corporações estatais e impulsionado pela ânsia de assegurar os suprimentos de petróleo-- modificou, em um período de poucos anos, o padrão de investimentos e comércio na África.
Até pouco tempo atrás um ator secundário na África, a China está consolidando a sua posição como um dos principais parceiros comerciais do continente, atrás dos Estados Unidos, e da França, já tendo superado o Reino Unido.
Para a China, a África oferece uma dimensão extra: é um continente três vezes maior do que o território chinês, com uma população menor que a chinesa, sendo rica em várias das matérias-primas das quais Pequim necessita. Petróleo de Angola, platina do Zimbábue, cobre de Zâmbia, madeiras tropicais do Congo, ferro da África do Sul: todos estes produtos estão na lista de compras da China.
Em troca, os chineses oferecem vantagens aos governos africanos. Eles trazem experiência de primeira mão em desenvolvimento rápido, estão familiarizados com as condições nos países pobres, e não manifestam preocupações ou escrúpulos quanto aos padrões de governança ou aos direitos humanos.
De uma forma diferente da competição ideológica que ocorreu na África durante a Guerra Fria, a China está emergindo vigorosamente como uma opção alternativa a governos mais acostumados a lidar com as ex-potências coloniais européias e os Estados Unidos.
Em um determinado nível, a China está envolvida com a captação direta de recursos, investindo bilhões de dólares nas zonas petrolíferas promissoras. Mas o país está também engajado em uma mistura de construção de influência e de oportunismo.
Assim como os ex-colonizadores da África, a China consolida as suas relações políticas e comerciais com auxílios, concessões especiais, reduções de dívidas, bolsas de estudos, treinamento e fornecimento de especialistas. Recentemente, Pequim enviou à África tropas mantenedoras da paz e, talvez o mais surpreendente, observadores eleitorais.
Ao mesmo tempo e, novamente, como os principais parceiros ocidentais da África, os chineses têm se mostrado dispostos a reforçar os seus compromissos com assistência militar e armamentos, fornecendo equipamentos a países como o Zimbábue e o Sudão, nos quais outros fornecedores estão impedidos de atuar devido a embargos.
Na Angola da era pós-guerra civil, empreiteiras chinesas estão reconstruindo a lendária estrada-de-ferro Benguela, obra originalmente concluída por uma companhia britânica na década de 1920, entre o coração da África, rico em minerais, e a costa do Atlântico.
Em Uganda uma companhia chinesa está transformando decrépitos prédios estatais em Entebe em um complexo de cerimoniais para a reunião do Commonwealth no ano que vem.
O comércio entre a China e a África quase quadruplicou desde o início desta década, crescendo 36% no ano passado, e chegando ao patamar de US$ 39,7 bilhões, segundo estatísticas oficiais chinesas. Cerca de metade das exportações chinesas é composta de maquinários, equipamentos eletrônicos e produtos de alta tecnologia.
Dezenas de milhares de chineses se mudaram para a África, incluindo operários em países como Etiópia e Botsuana, assim como engenheiros, comerciantes e pequenos empresários. Um estudo revelou que o número de chineses registrados no Sudão triplicou desde o final da década de 1990, chegando a quase 24 mil em 2004.
O turismo chinês na África também passa por forte expansão e, segundo os números oficiais, a quantidade de turistas chineses que visitaram o continente dobrou no ano passado, chegando a 110 mil.
Segundo o governo de Pequim, mais de 600 companhias de capital chinês se estabeleceram na África nos últimos dez anos. Entre elas estão indústrias manufatureiras que produzem para os mercados regionais, ou que, possivelmente, exportam para a União Européia (UE) ou os Estados Unidos, beneficiando-se do acesso isento de tarifas a produtos dos países africanos mais pobres.
A busca da China por aliados políticos africanos remonta às décadas de 1960 e 1970, quando o país tentava obter favores tanto do Ocidente quanto da União Soviética --construindo estádios, ministérios e, o mais espetacular, uma ferrovia de 1.850 quilômetros ligando a região central de Zâmbia ao porto de Dar-es-Salaam, na Tanzânia, um projeto que foi recusado pelos governos e empresas ocidentais.
Alguns países africanos transferiram a sua lealdade para Taiwan durante a década de 1990, quando Pequim e Taipei disputavam apoio no continente.
Mas, atualmente, apenas seis das 53 nações africanas --Burkina Faso, Chade, Gâmbia, Malawi, São Tomé e Príncipe e Suazilândia-- não mantém relações com Pequim. O Senegal foi o mais recente país africano a se aproximar da China, no ano passado.
Li Zhaozing, o ministro chinês das Relações Exteriores, fez uma visita bastante divulgada a seis países africanos no mês passado. A viagem, que incluiu passagens pela Nigéria e pela Líbia, dois grandes produtores de petróleo, também enviou um sinal aos países menores a respeito do auxílio técnico e financeiro que eles podem esperar em troca de cooperação.
Hoje em dia, a política da China está subordinada a objetivos econômicos, com interesses focados não apenas no petróleo e nos metais estratégicos, mas também nos recursos alimentares.
Como atores que ingressaram com atraso na África, as companhias chinesas têm demonstrado disposição para assumir riscos que outros investidores repeliram, e para ingressar em países desprezados pelas potências ocidentais.
Em Serra Leoa, eles preencheram discretamente um vácuo em diversos setores, desde o hoteleiro até o manufatureiro, enquanto o governo chinês fortaleceu a marinha do país, ao doar a esta um veículo para patrulha dos recursos pesqueiros leoneses.
Um documento sobre políticas do governo chinês divulgado no mês passado atesta o compromisso por parte de Pequim de facilitar o acesso de produtos africanos ao mercado chinês, de isentar alguns desses produtos de tarifas e de encorajar os investimentos chineses na região, apoiados por empréstimos preferenciais e créditos aos compradores. Ele estabelece uma frente ampla de cooperação, que inclui os setores agrícola, de transporte, de turismo e de defesa, assim como o de recursos naturais.
Embora um estudo do Departamento de Energia dos Estados Unidos, divulgado neste mês, tenha concluído que as aquisições chinesas de patrimônios no estrangeiro são economicamente neutras para o governo norte-americano, ele chama atenção para problemas potenciais oriundos da disposição da China em negociar com regimes despóticos.
O exemplo mais nítido de como a busca de energia por parte da China conflita com as políticas ocidentais é o caso do Sudão, um produtor emergente de petróleo no qual a China é o principal investidor e o cliente dominante. A China tem lançado mão consistentemente do seu poder de veto no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para bloquear as tentativas lideradas pelos Estados Unidos no sentido de impor sanções contra o Sudão devido às atrocidades cometidas em Darfur.
Uma autoridade sudanesa descreve a presença da China como importante, "não só sob o aspecto econômico, mas também no plano político". Desde que entrou no setor petrolífero do Sudão, a China tem aumentado as suas vendas de armas ao país, incluindo aviões de caça. A fabricação de armas e munições chinesas no Sudão complica os esforços para cumprir um embargo da ONU para impedir as remessas de armas às milícias em Darfur.
Armas e rádios de fabricação chinesa estariam sendo usados na fronteira do Chade --onde a França mantém uma guarnição militar-- por rebeldes que atuam com o apoio sudanês.
Em Angola, país arruinado pela guerra, os chineses ingressaram em um dos ambientes mais inóspitos do mundo para os investimentos, oferecendo um crédito de US$ 2 bilhões, lastreado no petróleo, em um momento no qual os bancos ocidentais e as instituições internacionais se mostram cautelosas na hora de emprestar dinheiro ao país.
Um acordo entre Angola e o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi postergado, principalmente devido às dúvidas do FMI quanto à forma como o governo angolano gerencia o dinheiro arrecadado com o petróleo. Desconfianças similares impediram a realização de uma conferência de doadores internacionais.
"Os chineses estão oferecendo o empréstimo como uma alternativa a trabalhar com o FMI", diz Princetonn Lyman, diretor de estudos de políticas para a África do Conselho de Relações Exteriores em Washington.
Até o momento, a visão africana com relação ao acelerado envolvimento da China com o continente tem sido amplamente positiva. A China é tida no continente como um modelo de modernização, mais sensível às necessidades africanas do que os parceiros ocidentais, capaz de construir represas, estradas e pontes mais rapidamente e de forma mais barata, além de fornecer produtos de consumo mais condizentes com o poder aquisitivo africano.
Embora os países da África que não produzem petróleo tenham sofrido com os altos custos das importações, o continente também se beneficia com a elevação dos preços dos seus produtos, provocada pela demanda chinesa.
Mas as críticas também crescem. Comerciantes de Cabo Verde à Namíbia reclamam da invasão chinesa. Em Lagos, o principal canal comercial do oeste da África, as autoridades nigerianas têm expulsado os comerciantes chineses que não possuem licença para atuar no país.
As companhias da China são criticadas por preferirem os trabalhadores chineses ou, quando empregam nativos, por proporcionarem más condições de trabalho.
Os produtos baratos de consumo da China prejudicam a produção local. Fábricas de vestuários têm fechado as portas em toda a África, com efeitos devastadores para países como Lesoto, onde algumas destas fábricas eram de propriedade chinesa.
Há um clamor por medidas protecionistas. Quando a Federação de Trabalho Cosatu, da África do Sul, comemorou o seu aniversário em dezembro, os participantes tiraram as suas camisas vermelhas do sindicato, manifestando repulsa, ao descobrirem que as roupas foram fabricadas na China.
"Não existe nenhuma relação altruísta entre a China e a África", diz Lyal White, do Instituto Sul-Africano de Relações Internacionais. "O interesse da China não está nos produtos manufaturados de alto valor que a África do Sul deseja promover. Para Pequim, a África é uma arca do tesouro repleta de matérias-primas, e é isso o que a China quer".
Chris Alden, um especialista da Escola de Economia de Londres, diz a respeito dessa relação: "Os africanos estão começando a encarar isto como uma faca de dois gumes".
Enquanto em alguns países o envolvimento da China parece ser benigno, em outros a abordagem chinesa mina os esforços por parte da União Africana e dos parceiros ocidentais no sentido de tornar os governos e as empresas mais transparentes e responsáveis.
A cooperação chinesa se constitui em um salva-vidas para governos de países como Togo, cujos auxílios financeiros europeus foram praticamente extintos, além de proporcionar conforto a regimes tirânicos.
Uma visita a Pequim em novembro por Jendayi Frazer, secretário assistente de Estado dos Estados Unidos para questões africanas, marcou apenas um primeiro passo quanto à interação de Washington com a China com relação à África.
A China não fornece dados relativos a auxílios para desenvolvimento, e não declara desde 1996 as suas vendas de armas ao departamento da ONU responsável por contabilizar estas transações. Além do mais, os motivos por trás da assistência tecnológica prestada aos africanos vêm sendo questionados.
Para o lançamento de um satélite no ano que vem, a Nigéria recorreu à Corporação Industrial Grande Muralha, uma companhia chinesa que é alvo de sanções econômicas dos Estados Unidos por ter, supostamente, fornecido ao Irã tecnologia que poderia ser útil para um programa de armas nucleares.
Uma autoridade nigeriana graduada da área de relações internacionais vê as coisas da seguinte forma: "A impressão é que a China está atingindo o patamar de envolvimento na África dos países ocidentais. Sendo um país em desenvolvimento, a China nos entende melhor. Eles estão também dispostos a colocar mais ofertas sobre a mesa. Por exemplo, o mundo ocidental nunca está preparado para transferir tecnologia pra nós --mas os chineses estão. Segundo a nossa ótica, embora a tecnologia chinesa possa não ser tão sofisticada quanto aquela de alguns governos ocidentais, é melhor contar com tecnologia chinesa do que não possuir nenhuma tecnologia".
Tradução: Danilo Fonseca