Luanda - À terceira foi de vez: médicas do Hospital Psiquiátrico de Luanda deitam por terra a hipótese de Nerika Loureiro padecer de problemas mentais e sugerem, mesmo, que recorreu ao uso de medicamentos para tentar fazer crer o contrario.
*MARIANO BRÁS
Fonte: Jornal A Capital Club-K.k.net
De louca, não tem nada. Foi tudo a fingir
A resposta está dada. Nerika Loureiro que confessou ter morto o seu esposo, Lopo Loureiro, não está louca. Essa é, pelo menos, a conclusão a que chegaram as especialistas do Hospital Psiquiátrico de Luanda depois de analisarem a ré, de 32 anos de idade, conforme orientou, há duas semanas, o juiz do Tribunal Provincial de Luanda que julga o caso também conhecido como “Crime do Nova Vida”.
Depois de suspenso, no passado dia 18 de Fevereiro, o caso voltou, na terça-feira, 01, a julgamento, já com as conclusões da equipa de psiquiatras indicados, pela direcção do hospital, para analisar a acusada Nerika Loureiro, conforme orientação do juiz de causa, Manuel Morais.
Pressupõe-se, então, na base dessa conclusão que a ré tenha agido em pleno gozo das suas faculdades mentais e não o contrário como, entretanto, sugeriram as declarações do advogado de Nerika, Sérgio Raimundo, e que levaram à primeira suspensão do julgamento. Muito mais do que isso, entretanto, as médicas que a analisaram não apenas concluíram sobre “perfeição” da sua sanidade mental como, ainda, levantaram a hipótese de ela ter tomado drogas para induzir tal estado com o claro objectivo de iludir a justiça.
Ana Paula Godinho, a advogada da família da vítima, fez este comentário quando, a dado passo da sessão da última terça-feira, lia parte do relatório apresentado, ao tribunal, pela dupla de médicas. Segundo se notou, o documento falou da ingestão de um fármaco de nome “risperidona”, habitualmente receitado para os doentes de esquizofrenia. Para que, entretanto, não padeça deste mal, a ingestão desse medicamento pode trazer efeitos colaterais tais como a “rigidez muscular nos membros superiores”, sintoma manifestado pela vítima e que foi, a certo ponto, apontado pela defesa como uma evidência da sua então alegada insanidade mental todavia agora desmascarada.
Mas esse resultado, decorrentes dos exames do último dia 18, mais não fez senão confirmar o diagnóstico de outras duas análises já submetidas à Nerika Loureiro e que confirmaram o seu estado psicológico como sendo normal.
Quem não gostou de toda essa estratégia a dado passo do julgamento chamada de “dilatória” foi o juiz Manuel Morais que não se cansou de chamar a atenção dos advogados de defesa, rotulando a atitude que tomaram de “estratégia perigosa”. Mais concretamente, o juiz disse que “a diligência dilatória, procurar ludibriar o tribunal e subestimar a lei é algo inadmissível, ofende a dignidade da justiça”, referindo ser, também, uma violação aos estatutos da Ordem de Advogados da República de Angola.
Reacção similar teve o representante do Ministério Público, Alfredo Martins, e a advogada da família da vítima, Ana Paula Godinho. O primeiro limitou-se a lamentar o facto de, na sessão anterior, já ter indeferido o requerimento dos defensores da ré para um novo exame de sanidade mental, enquanto que, a segunda, manifestou-se também “espantada” pelo facto de Sérgio Raimundo e José Carlos (advogados de Nerika) terem, também, contestado o resultado desse terceiro exame por eles requerido. “Mesmo depois dela (da ré) ter sido examinada por duas experientes médicas”, sublinhou.
O último exame, de um conjunto de três, foi feito por duas médicas experientes, sendo uma delas a directora do Hospital Psiquiátrico de Luanda. “As duas especialistas são pessoas qualificadas com o curso superior”, comentou Ana Paula Godinho, em defesa das médicas cuja competência técnica foi posta em causa pela dupla de defensores de Nerika Loureiro.
De suspensão em suspensão
Em duas audiências, o julgamento de Nerika Loureiro já foi, também, suspenso por duas vezes, numa tentativa, ao que se julga, de atrasar o depoimento da ré.
Em duas sessões de julgamento, o que não se conseguiu, até agora, foi ouvir-se as declarações da ré, Nerika Loureiro, a única pessoa capaz de esclarecer sobre o que se passou na madrugada de 01 de Abril de 2009. A advogada da acusação, Ana Paula Godinho, manifestou, mesmo, esse interesse ao usar da palavra, dizendo que tal é necessário para se chegar à verdade dos factos. “Só se chegará à verdade se deixarem os intervenientes falar”, comentou.
Quando tudo apontava para que tal fosse acontecer na terça-feira, eis que voltou-se ao ponto de partida. O advogado de defesa, Sérgio Raimundo, forçou o cancelamento da sessão antes mesmo que fosse dada a palavra à ré. Ele requereu a suspensão do juiz, Manuel António Morais, a pretexto de pretender, deste, um esclarecimento sobre as “graves acusações” feitas contra os defensores da ré. “Põem em causa a idoneidade e a moral”, referiu Sérgio Raimundo a respeito das acusações a si dirigidas e “constantes da acta da sessão de julgamento”.
Bem antes disso, a audiência ainda teve de assistir a um outro estratagema da defesa que exigiu a elaboração de um exame de DNA para confirmar uma prova, nesse sentido, já anexada ao processo. O juiz indeferiu o pedido, solicitando, apenas, que seja chamado ao tribunal “para ser ouvido” o técnico do laboratório de DNA, afecto ao ministério do interior, responsável pelo teste que acompanha o processo.
Seja como for, o julgamento do “Crime do Nova Vida” está, outra vez, interrompido, pelo menos vai continuar como tal até que o Tribunal Supremo se pronuncie, a contra ou a favor, sobre o pedido de suspensão do juiz, levantado por Sérgio Raimundo. Manuel Morais, o juiz presidente, optou por interromper o julgamento, mesmo contra a vontade do representante do Ministério Público, Alfredo Martins, e da advogada da acusação, Ana Paula Godinho.
Godinho desconta
Ana Paula Godinho não concorda. Para a advogada da acusação, a suspensão do juiz apenas faria sentido no âmbito daquilo que estabelece a lei angolana, segundo a qual “se haver grandes motivos de inimizade entre o acusador e o juiz”, explicou, sendo algo que, no caso vertente, não se coloca, já que constata “uma forte relação de amizade e respeito” entre ambos.
É, para ela, estranho que apenas agora Sérgio Raimundo, advogado de defesa, pede a suspensão do juiz, já que teve a oportunidade de fazê-lo ainda na primeira audiência “quando o juiz deferiu o seu pedido”.
“Será que vamos aguardar até o Sérgio Raimundo decidir que o processo seja julgado?”, perguntou Nilton Loureiro, um irmão da vítima, ele que refere estar “bastante decepcionado” com todas as voltas que o julgamento dá. “Estamos a andar atrás de uma justiça que tarda em ser feita”.
Agastado, o familiar sugeriu que “os órgãos de justiça devem intervir e chamar o senhor Sérgio Raimundo à razão”, já que, no seu entender, “ele está aqui a criar manobras”.
Nilton reforça, ainda, que ficou provado que a sua ex. cunhada não é doida, mas sim “uma actriz e muito boa, pois como foi confirmado ela toma medicamentos para ficar no estado em que apareceu aqui no primeiro dia de audiência”. Para ele, não há outra hipótese: “é tudo concertado entre os seus advogados”.