Deixam sobre a sepultura algum objecto: uma cabeça de boi, uma cabaça ou garrafa com água, mel, aguardente, alguns alimentos, um copo, uma taça, um prato, qualquer instrumento de trabalho, os troféus de caça.
Com certa periodicidade ali depositam alimento e bebida. Quando enterram uma pessoa, os alimentos ajudam-na a realizar a viagem para a sua nova mansão.
Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Não acreditam que os mortos venham a comer e a beber às suas sepulturas. Apenas tomam «a essência das oferendas», o seu princípio vital animador, agradecem a recordação dos seus descendentes e retribuem copiosamente.
Os Bantus explicam assim este rito que foi ridicularizado e apresentado como exemplo da sua credulidade pueril: «só a noção de símbolo nos oferece uma interpretação plausível. As oferendas feitas aos mortos… são apenas meios de entrar em contacto com eles, de estabelecer entre eles e os vivos uma coerente vital; assim penetra alguma coisa na existência dos espíritos da parte dos seus devotos e vice-versa.»
Esta mesma explicação justifica a prática de enterrar objectos junto do defunto. Colocam a seu lado comida, utensílios, sementes, armas, tabaco e até roupa. Precisa disso para a viagem.
Por isso, os grandes chefes deviam ser acompanhados à sepultura por uma escrava e um escravo, pelo menos. Este deplorável costume praticava-se para que os chefes protegessem o grupo, que sacrificava alguns indivíduos para proteger a comunidade. Se bem que em muitos casos isso se fez só por prepotência, para demonstrar a autoridade e dar relevo invulgar às festas.
A África negra sacraliza os alimentos; servem de símbolo eficaz para que o homem, e sobretudo a comunidade, contactam com realidades místicas tornando-se propícias e se estreitem numa comunhão de vida.
Os cemitérios e as sepulturas ocupam um lugar central na vida comunitária. Os antepassados estão neles presentes, deles brota a causalidade mística que fortifica ou debilita; através deles se robustece a solidariedade vertical. São também lugares que inspiram temor, onde o receio e o mistério permanecem.
O luto pelos mortos começa depois do enterro. As mulheres costumam pintar a cara com riscas pretas, cortam o cabelo ou soltam o penteado e até rapam todo o cabelo.
O luto obriga sobretudo os cônjuges dos falecidos, que têm de despojar-se de vestidos luxuosos e cobrir-se de panos humildes. É normal que as mulheres tragam o tronco descoberto, porque se trouxessem um vestido normal, o defunto poderia reconhecê-las e atormentá-las. Para não sonhar com ele, nalguns lados, trazem dia e noite uma faca na mão.
Não podem acompanhar o cadáver à sepultura e ficam sujeitos a inúmeros tabus. Por exemplo, não podem tocar no fogo, fumar, cortar lenha, peneirar a farinha, acarretar água, ir para as lavras, comer com outros. Aquilo em que tocar tornar-se impuro e com o perigo do tabu.
A sua alimentação fica limitada e também os seus movimentos. Costumam ficar retirados onde recebem as visitas dos familiares e a comida.
Não podem cozinhar e as proibições sexuais são taxativas. Procuram evitar assim a contaminação impura do defunto, pois conservam, mais que qualquer outro, o «cheiro do morto».
Em certos grupos, a viúva, antes de se unir a um novo marido, o que pode demorar de um a três anos, deve limpar a sua impureza relacionando-se sexualmente com um parente próximo do marido falecido. Noutros grupos, tem de seduzir um desconhecido, que ignore o tabu, e carrega com a impureza da mulher. Se descobrir a cilada, o adivinho submetê-lo-á a ritos purificatórios.
Devem falar pouco, aparentar tristeza e chorar de vez em quando, até que o luto rigoroso termina com ritos purificatórios que começam com um banho lustral no rio. Entregam-lhes vestidos novos e os instrumentos para o trabalho. Costuma intervir o adivinho aspergindo-os.
Estes ritos conseguem «curar» os efeitos do contágio e fortificam a sua vitalidade talvez debilitada pelo contágio com o defunto. Simbolizam isso com uma fogueira acesa depois do banho, que «aquece» (revigora).
Quando regressam do rio, os parentes oferecem-lhes uma refeição que simboliza a certeza de que não intervieram na morte e, com o significado de um ágape, reintegram-nos na comunidade. A solidariedade entre os dois grupos, que selaram a aliança matrimonial, fica robustecida.
Os banhos lustrais pretendem também assegurar à viúva um futuro casamento feliz.
Entre os Humbis, a água lustral leva cinco ingredientes: uma unha de galinha, casca e pedaços de certos arbustos que darão ventura ao novo casamento, pés duma erva cuja interpretação seria: «O marido disse: fui-me embora; tu podes contrair novo matrimónio.» Por fim, outra casca de árvore que significa: «Esta pobre mulher teve pouca sorte; é preciso agora afugentar o mal que a atormentou.»
A adivinha, que ritualiza a purificação, entrega-lhe pequenos enfeites e uma enxada. Marca com giz branco a viúva desnudada no peito, frente, ventre e braços. Derrama-lhe água lustral e lava-lhe com ela o corpo, até a língua. Por fim, bebe uns goles enquanto a adivinha vai pronunciando palavras mágicas que vivificam o rito. Depois simula um acto sexual.
Por fim, a adivinha recolhe toda a imundície do corpo, depois de lho esfregar com pós vegetais, amassa com isso uma bola que enterra longe das casas. O luto e os tabus ficaram sepultados. A viúva pode recomeçar a vida.
Um dos mais típicos é o herói Lyangombe, venerado em muitos grupos da África Central, embora seja de criação ruandesa. Filho e herdeiro do rei Babinga e caçador apaixonado, saiu um dia à caça contra a opinião de sua mãe que tinha presságios funestos. De facto, morreu à luta com um búfalo. Antes, tinha encarregado o seu criado de comunicar a sua mãe que ia para os vulcões para reinar sobre os mortos como tinha reinado sobre os vivos. Transformou-se num herói a quem rendem intenso culto.
Os membros da seita «Ababandwa» intentam, por uma íntima comunhão com o herói entrar, «numa família divina, numa esfera superior ad aexistência. Pode-se assegurar que é um semideus, subordinado ao grande deus Imana» está no vértice da família real ruandesa.
Nalguns grupos, separam os que morreram de morte violenta, guerra, acidentes, homicídio, suicídio. Formam um grupo de antepassados muito poderoso. Deambulam pelas florestas e pelas margens dos rios. Os Bacongos chamam-lhes «bankita». Podem aparecer na forma de espectros brancos, embora também tomem a forma de morcegos e pássaros – moscas. Temem-nos e a sua missão é de mau agoiro.
Em alguns grupos, crêem que se podem transformar em génios com localização transitória nas águas ou nos bosques.
Certas tradições afirmam que, que, depois de um certo tampo, há uma selecção na aldeia dos mortos. É a segunda morte. Aqueles a quem os parentes deixaram de oferecer sacrifícios, cuja recordação se esfumou na memória dos homens e cujas obras não testemunham um passado glorioso, morrerão pela segunda vez e partirão para uma aldeia situada no mais profundo da terra…
Alguns grupos não-bantus do Senegal, os Sereres e os Diolas, crêem no renascimento dos mortos. «Depois duma permanência mais ou menos prolongada no além-túmulo, ou imediatamente depois da morte, ou inclusivamente antes de morrer… a alma reencarna numa criança ou num feto».
Os Dogons e Bambaras admitem a reencarnação nas crianças, que retém o seu nome e divisa, e aos Saras do Chade não lhes repugna o avô reencarne no neto.
Na Rodésia, os mortos podem escolher reencarnar numa rapariga ou num rapaz. Assim, morrer é um meio de mudar de sexo para as almas desejosas de novas sensações».
J.S. Mbiti assegura que os Sondjos da Tanzânia são o único grupo negro-africano com uma noção sobre o fim histórico do mundo. Um mito escatológico afirma que, ao chegar esse momento, o Sol cobrir-se-á de trevas por efeito duma nuvem de pó, dum enxame de abelhas e dum bando de pássaros.
O fim chegará no mesmo instante em que dois sóis, surgidos do este e do oeste, se encontrarem no zénite. Então Khambagen, o herói do povo Sondjo, descerá à terra para salvar o seu povo. O resto da humanidade será aniquilada.
Ignora-se como este se tenha formado. Este autor assegura que «no estado actual das pesquisas não pode ser atribuído à influência cristã dos tempos modernos».
Os Bandas pensam que a pele dos antepassados é branca; daí a ideia, em certos países, de que os europeus eram antepassados. Segundo os Manjas, têm o corpo coberto de longos pêlos brancos, a cabeça como um punho, sem dentes, os olhos sobre o peito, a voz fanhosa; alguns só têm um pé e outros não têm cabeça».
Entre os bantus do Sudeste e Nordeste está muito espalhada a crença de que se transformam em serpentes; por isso, alimentam-se, nunca as matam e quem come a sua carne quebra um tabu. Os Kikuyus «têm verdadeiras associações de adoradores de serpentes relacionadas com a estação das chuvas e com o arco-íris. Os Massais crêem que só os ricos e os curandeiros sobrevivem sob a forma de serpentes que vêem visitar as crianças a casa e as alimentam com leite. Cada família conhece as suas próprias serpentes de cores diferentes».