Química é um campo complicado. Os elementos são muito variados, e suas
interações às vezes podem ser imprevisíveis e muito estranhas. A história está
cheia de momentos onde ninguém acreditava que aquilo fosse possível, mas aconteceu.
Aqui vão
cinco reações que deveriam ser “impossíveis”:
5
– O Paradoxo do cristal
Em 1984, o químico de Israel Dan Shechtman afirmou
ter encontrado uma forma “quasicristalina” de simetria dos átomos em alguns
sólidos. Outro quiímico, Linus Pauling, afirmou: “Não existe isso de
quasicristal, apenas quasi-cientistas”.
E por isso Shechtman tinham mais satisfação do que
o comum quando subiu ao palco, em Estocolmo, em dezembro do ano passado, para
receber o Nobel de química. Ele foi ousado – e estava certo.
No começo dos anos 80, Shechtman estava atirando
raios de elétrons em misturas de metais. Ele analisou os padrões de
interferência, permitindo que determinasse o formato dos átomos internos.
Um padrão de interferência nitidamente definido é
sinal de uma estrutura cristalina regular. Mas entre as misturas que ele
estudou, um lindo padrão formado pelo alumínio e o manganês não fez sentido.
Ele sugeria um cristal com uma simetria do pentágono. Mas as leis dos cristais
diziam que os átomos não podem estar arranjados dessa maneira, assim como
pentágonos não podem preencher um piso sem deixar buracos.
Pauling não era o único cético na história. Quando
Shechtman insistiu na sua ideia, ele foi convidado a se retirar do grupo de
pesquisa e teve muita dificuldade em conseguir publicar suas descobertas.
De fato, a resposta para a discussão estava lá. Na
década de 70, o matemático Roger Penrose descobriu que dois azulejos no formato
de diamantes podiam cobrir um plano sem deixar buracos e sem repetir o padrão.
O padrão dos átomos de Shechtman nunca se repetia exatamente, e por isso não
formava um cristal perfeito; era um “quasicristal”.
Desde então, muitos outros cristais desse tipo
foram encontrados. Estruturas similares estão em vários polímeros e até em um
fragmento de um meteorito encontrado na Sibéria. Em 2010, uma equipe liderada
por Valeria Molinero até sugeriu que a água, quando confinada em pequenas
aberturas, pode congelar e formar um gelo quasicristal.
4 – Entropia em ambas as direções
Para Boris Belousov, a justiça veio muito tarde.
Quando o bioquímico soviético ganhou o prestigioso prêmio Lenin, em 1980, já
tinha morrido há 10 anos.
Pelo menos ele viveu o suficiente para ver o
desprezo dado ao seu trabalho virar uma grande aceitação. Na década de 50, Boris
inventou um coquetel de ingredientes químicos que conseguia imitar a glicólise,
o processo pelo qual as enzimas quebram os açucares. A mistura passava de
incolor para amarela conforme a reação acontecia.
Mas então algo incrível ocorreu: o coquetel ficou incolor
novamente. E depois amarelo. E depois incolor. Passou a oscilar repetidamente
entre os dois estados.
Isso era inaceitável. Uma reação que fosse
espontaneamente para ambas as direções ia contra um dos ditos mais sagrados da
química, a segunda lei da termodinâmica. As mudanças de estado no universo são
acompanhadas de entropia – em outras palavras, é preciso deixar as coisas menos
ordenadas do que estavam antes. A entropia não pode aumentar em ambas as
direções em uma reação química. Belousov estava sugerindo algo insano.
De fato, Belousov não foi o primeiro a observer o
evento. Em 1921, o químico americano William Bray confirmou oscilações
similares quando o peróxido de hidrogênio regia com íons iodados. Mas ninguém
acreditou nele, também. E Belousov não conseguia publicar sua descoberta.
A fama só veio quando o compatriota Anatoly
Zhabotinsky modificou a reação original para revezar as cores do azul para o
vermelho – uma mudança muito drástica para ser ignorada. Conforme as novidades
da reação “Belousov-Zhabotinsky” (BZ) viajavam para o ocidente, no fim da
década de 60, uma explicação começou a se cristalizar. As oscilações acontecem
porque a reação inicial gera componentes intermediários que são auto
catalíticos, aumentando sua própria produção. Ao mesmo tempo, alguns dos
componentes resultantes iniciam um segundo ciclo autocatalítico que regenera os
ingredientes do primeiro.
Mas as oscilações não duram para sempre: se
deixadas, lentamente elas param, e a mistura fica em um estado imutável. Elas
são um exemplo de um fenômeno transitório sem equilíbrio. A termodinâmica lida
apenas com estados equilibrados, por isso a segunda lei não está ameaçada.
Mas se a reação BZ for constantemente alimentada
com ingredientes frescos, e os produtos finais forem removidos, as oscilações
continuam indefinidamente. Esse processo é importante para algumas reações
industriais e até mesmo na glicólise real.
3 – Túnel de escape quântico
É muito frio no espaço. Então, a origem de algumas
moléculas complexas, encontradas por lá, como os polímeros, é um mistério.
A maior parte das reações químicas procede através
da formação de moléculas intermediárias de alta energia, que se arranjam para
formar produtos de menor energia. Geralmente na forma de calor, a energia é
necessária para cruzar a barreira dos reagentes. De acordo com a teoria
“cinética” padrão, quase todas as moléculas nas frígidas nuvens de gás
interestelares não teriam energia suficiente para reagir.
Na década de 70, o cientista soviético Vitali
Goldanski desafiou esse dogma. Seus experimentos mostraram que certas moléculas
envolvidas em reações de polímeros continuavam a acontecer mesmo quando
resfriadas até menos 269,15 graus Celsius, um pouco mais quente do que as
partes mais frias do espaço. O formaldeído, um componente comum nas nuvens
moleculares, pode se unir em cadeias de polímeros com centenas de moléculas,
usando uma ajuda de raios gama ou elétrons energizados – elementos que estão
viajando pelo universo.
Como isso era possível? Goldanski argumentou que a
ideia convencional estava esquecendo um elemento crucial. As leis quânticas
ditam que partículas como os átomos e os elétrons envolvidos em reações
químicas podem cruzar as barreiras energéticas, mesmo que aparentemente não
haja energia suficiente. Isso acontece através de um processo chamado “túnel”.
O cientista disse que no frio espaço, esse processo de canalização mantém as
coisas acontecendo.
O trabalho de Goldanski foi uma curiosidade na
época, mas o princípio quântico hoje está bem estabilizado. Algumas reações
biológicas, catalisadas por enzimas, são mais eficientes do que a teoria
cinética porque envolvem o movimento de íons de hidrogênio – prótons solitários
que são mais inclinados ao túnel quântico.
Mas ainda assim podem acontecer surpresas. Em junho
do ano passado, Wesley Allen e seus colegas prenderam uma molécula super
reativa, livre de radicais, chamada de metilhidroxicarbono em uma matriz de
argônio sólido, a menos 262,15 graus Celsius. Ela tem elétrons sem par que são
predispostos a reagir rapidamente – mas não a essas temperaturas.
Não apenas a molécula reagiu, mas também formou o
produto errado. A molécula pode se rearranjar para formar ou acetaldeído ou
álcool vinil, mas a barreira energética para o segundo é menor, então mais dele
é esperado. Ao invés disso, formou-se uma quantidade muito grande de
acetaldeído.
Allen propõe que apesar da barreira para formar o
acetaldeído ser maior, ela é também mais curta, tornando o processo do túnel
mais fácil. Ele afirma que isso “foi um choque para a maioria dos químicos”.
2 – Forçando os gases nobres a trabalhar
Você se lembra da escola, quando ensinaram nas
aulas de química que os gases inertes ou “nobres” não reagiam?
A história desses elementos, empilhados à direita
na tabela periódica, dá amplo suporte para essa visão. Após a descoberta do gás
argônio, em 1894, o químico francês Henri Moissan o misturou com flúor, o
elemento reativo que ele havia isolado em 1886, junto com faíscas para uma boa
mistura. Resultado: nada.
A teoria das ligações químicas explicava o porquê.
Os gases nobres estão cheios de elétrons, então não podem compartilhar com
outros átomos.
O influente químico Linus Pauling foi um dos
maiores arquitetos dessa teoria, mas sem desistir imediatamente dos gases
nobres. Na década de 30, ele conseguiu uma rara amostra de xenônio e convenceu
seu colega Don Yosta a tentar reagir com o flúor. Após muita tentativa, Yost
conseguiu apenas corroer as bordas do frasco de quartzo.
Após isso, só um louco iria querer fazer compostos
de gases nobres.
O químico inglês Neil Bartlett não tentou
contrariar a sabedoria convencional; só começou a seguir a lógica comum. Em
1961, ele descobriu que o composto de platina hexafluorida (PtF6), formado três
anos antes, era um poderoso oxidante. A oxidação, que remove elétrons de um
elemento ou composto químico, leva o nome do oxigênio porque ele é incomparável
nessa função. Mas Bartlett descobriu que a PtF6 podia oxidar o oxigênio,
arrancando os elétrons e criando um íon positivo.
No começo do ano seguinte, Barlett estava
preparando uma aula e viu um gráfico de “potências de ionização”. Esses números
contam a quantidade de energia necessária para remover um elétron de várias
substâncias. Ele percebeu que o potencial de ionização do xenônio era quase
igual ao do oxigênio. Se a PtF6 podia oxidar o oxigênio, que tal o xenônio?
A mistura do gás vermelho de PtF6 e o xenônio
incolor respondeu a questão. O vidro imediatamente ficou coberto por um
material amarelo. A fórmula do composto formado era XePtF6, o primeiro composto
de gases nobres.
Muitos outros foram formados depois. Alguns são
muito instáveis: Bartlett quase perdeu um olho estudando o dióxido de xenônio.
Mesmo hoje, os gases nobres continuam a surpreender. O ganhador do Nobel, Roald
Hoffmann, admite ter ficado chocado quando soube que, em 2000, químicos de
Berlim formaram um composto de xenônio e ouro – um metal que é supostamente
nobre e não reativo.
Então não acredite em tudo que contam na escola. Os
gases nobres continuam sendo os elementos menos reativos por aí, mas parece que
você pode fazer de tudo com a química.
1 – Ménage à trois atômico
Uma ligação química é a união de dois átomos.
A ideia de que, em algumas ocasiões, um terceiro átomo se unisse a essa ligação
era tão ofensiva que quando foi proposta pela primeira vez quase provocou uma
guerra.
Tudo começou nos anos 40, com tentativas de
explicar certas reações de moléculas orgânicas que envolviam a mudança de
grupos carregados negativamente. Se um desses grupos sumia, sobrava um íon
contendo um átomo de carbono carregado positivamente. De acordo com as teorias,
o grupo de substituição deveria se ligar no mesmo lugar, no átomo positivo. Mas
isso não acontece sempre.
Alguns químicos, em particular Saul Winstein,
deram uma surpreendente afirmação: que a carga positiva estava rodeada em um
arranjo triangular, com três carbonos. [NewScientist]