País vive à espera das delações e das
consequências econômicas e políticas do caso
Antonio Jiménez Barca São
Paulo
O sistema é simples, diabólico e eficaz:
um acusado de corrupção reduz sua pena se delatar outros, que por sua vez podem
receber o mesmo tratamento, com o que o caso se ramifica ao infinito. É a
maneira que o juiz brasileiro Sérgio Moro tem para reconstruir o rastro da
bilionária corrupção que domina de cima a baixo a maior empresa pública da América
Latina, a Petrobras, e que sacode o país: contratos forjados no
valor de bilhões de reais, obras superfaturadas para a construção de
refinarias, contas bancárias repentinamente esvaziadas para que não sejam
congeladas, arrependidos que fazem acordos após pagar quase 100 milhões de
reais, maletas com notas de dinheiro que vêm e vão, jatinhos levando somas
estonteantes, um tesoureiro
do PT envolvido na trama e intermediários que se entregam após
passar dias foragidos da polícia. E, além disso, vários dos
maiores empresários do país, todos detidos na mesma carceragem sob a
acusação de suborno, dividindo espaço e destino com o delator, Alberto Youssef,
que tudo sabe e tudo conta… O sonoro nome que a Polícia Federal deu à última
fase da operação, Juízo Final, é sintomático. Tudo no Brasil gira atualmente em
torno dessa gigantesca empresa pública e das venenosas revelações que surgem a
cada manhã.
Há no momento 16 detidos. Paulo Roberto
Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras, e dois diretores de
uma empresa fornecedora, que aderiram ao programa de delação premiada, estão
sob prisão domiciliar. Os outros 13 (empresários, diretores de empresas, altos
executivos, outro ex-diretor da Petrobras e o quarto delator, o doleiro Alberto
Youssef) convivem na carceragem da sede da Polícia Federal em Curitiba.
Youssef, claro, está numa cela à parte, pois seu advogado
não se fia totalmente na preservação da sua integridade física, já
que Youssef se tornou o alvo a abater.
Todos os envolvidos são acusados de
alimentar um esquema ultraconhecido: os altos funcionários da Petrobras
recebiam subornos das empresas em troca da concessão de contratos. Figuras
marginais andavam para lá e para cá com malas que azeitavam uma máquina que
chegou a movimentar mais de 10 bilhões de reais. Ninguém conhece a soma real.
As empresas implicadas tinham (e têm) contratos no valor de 60 bilhões de
reais. Mas quanto disso ficava pelo caminho? Seriam 10%? Ou 20%? Ou 50%? O
ex-diretor Costa e o doleiro Yousseff dizem que os partidos políticos, entre os
quais o PT de Lula e Dilma Rousseff, levavam sua parte, que chegava a 3%.
A Petrobras, com seus 86.000
funcionários, não é uma empresa qualquer: refina 98% da gasolina consumida no
Brasil, mantêm negócios com quase 20.000 empresas que lhe fornecem todos os
tipos de produtos e serviços, e é ela própria responsável por um décimo de
todos os investimentos feitos no Brasil. Por isso o Governo, nocauteado pela
crise, teme não só a repercussão política do caso (há acusações ainda não
confirmadas de financiamento ilegal de partidos, entre os quais PT e PSDB), mas
também uma eventual ressaca econômica e também social. Das dez maiores empresas
de engenharia e construção do país, só duas não estão envolvidas no escândalo
da Petrobras. Por isso há quem enxergue um risco
concreto de que as principais obras públicas em andamento sejam paralisadas.
Ou seja, que o país pare. Foi o que disse na quinta-feira José Costa Neto,
presidente da principal empresa elétrica brasileira, a Eletrobras, controlada
pelo Governo. Nesse mesmo dia, o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho,
acrescentou após uma reunião com a recém-reeleita Rousseff: “A presidenta está
preocupada com o que vai acontecer com as obras. E eu, como Governador, também.
Imagine o que significaria agora paralisar, por exemplo, a construção dos canais
do São Francisco”.
Um dos advogados dos presos declarou
nesta semana, após visitar seu cliente, que o suborno era inevitável. “Se não,
a obra não saía. Se alguém ignorar isso, ignora a história deste país”. Dias
atrás, o empresário Ricardo Semler, de 55 anos, escreveu um artigo na Folha de S.Paulo intitulado “Nunca se
roubou tão pouco”. “Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para
constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este
país”, escreveu Semler. “Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a
Petrobras nos anos setenta. Era impossível vender diretamente sem propina.
Tentamos de novo nos anos oitenta, noventa, e até recentemente. Em 40 anos de
persistentes tentativas, nada feito.”
Outro advogado dos presos, ao ser
perguntado sobre as consequências do caso, respondeu: “Não sei aonde isso vai
dar”. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acrescentou numa recente
entrevista à Folha de S.Paulo
que “isso é um rastilho pólvora. Quando um começa a falar o outro diz: vai
sobrar só para mim? E aí eles começam a falar mesmo”.
As ramificações políticas são
imprevisíveis: Costa e Yousseff acusam diretamente o tesoureiro do PT, João
Vaccari, de receber subornos para ajudar as campanhas políticas do seu partido.
Também apontam outros intermediários de outros partidos. Enquanto isso,
Rousseff, em Brasília, tenta driblar o temporal como consegue, sem aparecer
muito, agarrando-se à tese que já defendeu durante a campanha, que consiste em
assegurar que sob o seu mandato a corrupção é investigada e perseguida. A favor
dela está o fato incontestável de empresários até recentemente intocáveis
estarem na prisão. Janot disse de forma clara na entrevista à Folha: “A Justiça de três, quatro anos
para cá não é mais uma Justiça dos três Ps: puta, preto e pobre. Ela está indo
em cima de agente político e de corruptor”. O
ex-presidente Lula, enquanto isso, recomendou à presidenta, segundo O Globo, que espere mais tempo para
anunciar integralmente a sua nova e fornida equipe ministerial, assegurando que
nenhum dos indicados estará envolvido no escândalo.
Imagem: Bandeira do Brasil em plataforma
da Petrobras. / Felipe Dana (AP)
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