Por José Inácio Werneck, de Bristol
Eric Garner tinha 43 anos, 1,91m e
160 quilos. Obeso, sofria do coração e de asma.
Era camelô, na saída do “ferry” que liga
Staten Island aos outros distritos de Nova York: Brooklyn, Queens, Manhattan e
Bronx.
Tinha mulher e seis filhos.
Vendia cigarros avulsos, o que
irritava os comerciantes da área, que reclamavam de “concorrência desleal”, já
que não pagava os pesados impostos que incidem sobre o consumo de tabaco.
Em julho deste ano, debateu-se nas mãos
de cinco ou seis agentes policiais, que o derrubaram ao chão – embora um vídeo
mostrasse claramente que ele tinha as duas mãos erguidas, em sinal de que se
rendia – e lhe aplicaram, entre outros golpes, uma gravata.
- I can’t breathe, I can’t breathe. Não posso respirar, não posso
respirar – gritou Garner, onze vezes.
Quando uma ambulância afinal foi
chamada, estava morto.
A promotoria distrital instaurou um “Grand
Jury”, procedimento que tem a finalidade não de julgar um suspeito, mas de
determinar se há suficientes evidências contra ele para processá-lo
criminalmente.
O suspeito no caso era Daniel Pantaleo,
o que aplicou a gravata. Os demais policiais receberam imunidade, para
testemunhar.
Depois de ouvir os demais policiais,
outras testemunhas e o próprio Pantaleo, o Grand Jury concluiu que não havia
“probable cause” (evidências suficientes) para levar Pantaleo a um julgamento.
Pantaleo e seus colegas são brancos, Garner
era negro.
Depois do ocorrido em Ferguson, no
estado de Missouri, em que um Grand Jury tampouco encontrou evidências
suficientes para processar o policial branco que matou a tiros um jovem negro,
a eterna discussão sobre racismo nos Estados Unidos voltou à tona.
Em Ferguson, o policial branco, de
1,93m, disse ter sido aterrorizado pelo negro de 18 anos, que tinha
1,95m e 118 quilos.
O ocorrido em Ferguson é em grande parte
envolto em dúvidas e contradições, enquanto em Nova York a evidência de imagem
e sons do vídeo torna difícil acreditar que um Grand Jury em que metade dos
membros era de negros e hispânicos possa ter sido tão complacente com o
policial branco.
A própria existência nos Estados Unidos
de uma “raça” que não é raça, a hispânica (dividida em geral pela imprensa
entre “hispânicos brancos e não-brancos”), mostra como a cor, as feições e
outras características étnicas – o que se chama “racial profiling” – podem
dividir e separar os seres humanos.
Casos de negros mortos por policiais
brancos são infelizmente corriqueiros em Nova York, cidade com um
prefeito branco casado com uma mulher negra, que diz estar derterminado a mudar
radicalmente o comportamento e mentalidade dos homens e mulheres encarregados
de zelar pela segurança da população.
Para quem tem a pele mais escura, a
maior ameaça à segurança vem da própria polícia.
José Inácio Werneck, jornalista
e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com
jornais brasileiros e estrangeiros. Cobriu Jogos Olímpicos e Copas do Mundo no
exterior. Foi locutor, comentarista, colunista e supervisor da ESPN
Internacional e ESPN do Brasil. Colabora com a Gazeta Esportiva. Escreveu Com
Esperança no Coração sobre emigrantes brasileiros nos EUA e Sabor de Mar. É
intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
Direto da Redação é um fórum de
debates, editado pelo jornalista Rui Martins.
Imagem: O racismo nos
EUA se repete com frequência e praticamente não sai das manchetes dos jornais
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