Por Pedro Candeias e Mariana Pinheiro, Publicado em 22 de Agosto de 2009
São várias as atletas femininas com traços masculinos. Provocados por drogas ou pela mãe natureza
http://www.ionline.pt/conteudo/19433-caster-semenya-historia-da-mulher-homem-ja-tem-barbas
"Queres ver o meu sexo?" Aconteça o que acontecer daqui para a frente, esta é a frase dos Mundiais. E é de Caster Semenya, a atleta sul-africana cuja fama já ultrapassa a de Usain Bolt. Pelas piores razões. Semenya irá ficar para a história como uma das campeãs (800 m) mais desvalorizadas de sempre. Porquê? Pelo aspecto masculino que levantou dúvidas sobre a questão das questões: é rapaz ou rapariga? Os pais, que a viram nascer, garantem que é menina; as rivais, que a vêem correr, dizem que é menino. Em 2000, decidiu acabar-se com os testes de género mas o caso Semenya trouxe-os de volta. Mas Caster é só mais uma numa lista de mulheres-homem que já tem barbas.
1. Caster Semenya Tem 18 anos. O rosto tem traços fortes, vincados, com a linha do maxilar pronunciada. Como um homem. Há quem diga que tenha barba. E a voz, profunda e grave, não ajuda. Ainda para mais, é uma vencedora - arrasou nos 800 metros. Das dúvidas passou-se a certezas infundadas que só serão dissipadas quando saírem os resultados dos testes pedidos pela IAAF (Federação Internacional de Atletismo) para apurar o sexo da atleta. "É uma mulher e repito-o um milhão de vezes, se for necessário, e gostaria que a deixassem em paz", diz o pai, Jacob. Michael Seme, o treinador, garante que tem treinado "uma rapariga e não um rapaz". O problema são as outras, as colegas de profissão: "Tem tudo para ser um homem", disse a feminina Marta Domínguez (ouro nos 3 mil metros obstáculos). E Caster ponderou rejeitar a medalha.
2. Balian Buschbaum O nome próprio foi buscá-lo à personagem encarnada por Orlando Bloom no filme "Reino dos Céus" de Ridley Scott. Antes, chamava--se Yvonne. "Sinto-me como se fosse um homem a viver num corpo de mulher." A campeã europeia júnior de salto com vara (1999) retirou-se em 2007 e decidiu submeter-se a uma cirurgia para mudar de sexo. Começou a tomar injecções de testosterona no dia de Natal desse ano e documentou a transformação no seu blogue. Agora, é Balia, o treinador do USC Mainz, um clube na Alemanha, convidado de inúmeros talk-shows para falar da sua experiência. E com um novo bilhete de identidade a condizer.
3. EWA klubukowska A polaca ganhou ouro nos 4 x 100 m e bronze nos 100 m nos Jogos Olímpicos de Pequim. Dois anos depois, em Budapeste, conquistou o ouro nos 4 x 100 m e 100 m, e a prata nos 200 m. Um ano volvido, entrou para a história como a primeira mulher a falhar um teste de género. O resultado foi o seguinte: "Um cromossoma em excesso." Acto contínuo, foi banida de todos os desportos competitivos e expropriada de todas as medalhas conquistadas. E os seus recordes do mundo também perderam validade. Mas afinal de contas Ewa era mulher. E mulher o suficiente para dar à luz. Sentindo-se injustiçada, a sprinter decidiu agir judicialmente contra o Comité Olímpico Internacional até ver o seu nome limpo.
4. Tamara e Irina Press As irmãs Press, produto do universo da União Soviética, dominaram o atletismo na primeira metade dos anos 60 do século XX. Não havia nada em que não batessem a concorrência. A mais velha, Tamara, ganhou quatro medalhas em Jogos Olímpicos: em Roma - 1960 (ouro no lançamento do peso e prata no lançamento do disco); em Tóquio-1964, conquistou ambas as categorias. Irina, dois anos mais nova, ganhou o ouro em Roma (80 metros barreiras) e em Tóquio (pentatlo). E por aí se ficaram. Em 1996, foram introduzidos testes para verificar o género das atletas femininas e as irmãs Press, masculinas como poucas, simplesmente desapareceram do mapa competitivo. As dúvidas instalaram-se: houve quem dissesse que eram homens; houve quem afirmasse que eram hermafroditas. Tamara tornou-se engenheira civil e agora trabalha no Ministério russo dos Desportos. Tal como Irina, até morrer em 2004. Para sempre, ficaram conhecidas como os "Irmãos Press".
5. Heidi Krieger Perdão, Andreas Krieger. A lançadora do peso da ex-RDA já não existe. "Foram os esteróides que mataram a Heidi", disse Andreas ao "The New York Times". Como muitas atletas da Alemanha de Leste Heidi, campeã da Europa em 1986, era sistematicamente dopada com esteróides anabolizantes. Essas e outras drogas, garante, contribuíram para a sua transexualidade. Chamavam-lhe "Hormone Heidi". Daí à depressão foi um instante e tentou mesmo suicidar-se, cortando os pulsos - foi o cão Rex que a salvou ao acordá-la com o seu focinho frio. "Foi um choque", confessou. Em 1997, sete anos depois de se ter retirado, Heidi foi obrigada a mudar de sexo, tais eram os traços de masculinidade provocados pelas substâncias injectadas. Agora que é Andreas, casou--se com Ute Krause, uma antiga nadadora da RDA, também ela severamente castigada pelos métodos sombrios dos tempos que antecederam a queda do Muro de Berlim. A sua vida já deu um documentário - "Doping, Fábrica de Campeões".
6.Stella Walsh Nos anos 1930, ninguém sprintava como ela. Ou como ele. Mas já lá iremos. Nasceu Stanislawa Walasiewicz, na Polónia, a 3 de Abril de 1911, mas emigrou para os Estados Unidos com apenas três meses. O pai, Julian, encontrara um trabalho em Cleveland numa fundição. E foi em Cleveland que adoptou o nome Stella - os pais chamavam-lhe Stasia - e começou a dar corda aos sapatos. Logo ganhou um lugar na equipa olímpica dos EUA, em 1927, mas por ser polaca ficou de fora. Não esperou pela cidadania norte-americana e manteve-se fiel à pátria de origem: numa competição pan-eslava, conquistou os 60, 100, 200 e 400 metros e ainda o salto em comprimento. Os líderes polacos ficaram como loucos e não mais a largaram. Depois fez história: ganhou os Jogos Olímpicos de Los Angeles - 1932 e foi prata nos de Berlim -1936 (sempre nos 100 metros). Depois da competição alemã, decidiu abandonar e competir apenas a um nível amador. E a história acabaria bem, porque nunca ninguém questionara o género de Stella. Até à sua morte. Brutal. Foi morta durante um assalto em Cleveland a 4 de Dezembro de 1980 (69 anos) e a autópsia revelou que Stella tinha órgãos genitais masculinos e também ambos os pares de cromossomas XX (mulher) e XY (homem).
Hoje, siga o Mundial de atletismo a partir das 10h45 na RTP2 e Eurosport. É hora da maratona masculina
foto: http://i.dailymail.co.uk/i/pix/2009/08/19/article-0-061D19E9000005DC-924_306x423.jpg
São várias as atletas femininas com traços masculinos. Provocados por drogas ou pela mãe natureza
http://www.ionline.pt/conteudo/19433-caster-semenya-historia-da-mulher-homem-ja-tem-barbas
"Queres ver o meu sexo?" Aconteça o que acontecer daqui para a frente, esta é a frase dos Mundiais. E é de Caster Semenya, a atleta sul-africana cuja fama já ultrapassa a de Usain Bolt. Pelas piores razões. Semenya irá ficar para a história como uma das campeãs (800 m) mais desvalorizadas de sempre. Porquê? Pelo aspecto masculino que levantou dúvidas sobre a questão das questões: é rapaz ou rapariga? Os pais, que a viram nascer, garantem que é menina; as rivais, que a vêem correr, dizem que é menino. Em 2000, decidiu acabar-se com os testes de género mas o caso Semenya trouxe-os de volta. Mas Caster é só mais uma numa lista de mulheres-homem que já tem barbas.
1. Caster Semenya Tem 18 anos. O rosto tem traços fortes, vincados, com a linha do maxilar pronunciada. Como um homem. Há quem diga que tenha barba. E a voz, profunda e grave, não ajuda. Ainda para mais, é uma vencedora - arrasou nos 800 metros. Das dúvidas passou-se a certezas infundadas que só serão dissipadas quando saírem os resultados dos testes pedidos pela IAAF (Federação Internacional de Atletismo) para apurar o sexo da atleta. "É uma mulher e repito-o um milhão de vezes, se for necessário, e gostaria que a deixassem em paz", diz o pai, Jacob. Michael Seme, o treinador, garante que tem treinado "uma rapariga e não um rapaz". O problema são as outras, as colegas de profissão: "Tem tudo para ser um homem", disse a feminina Marta Domínguez (ouro nos 3 mil metros obstáculos). E Caster ponderou rejeitar a medalha.
2. Balian Buschbaum O nome próprio foi buscá-lo à personagem encarnada por Orlando Bloom no filme "Reino dos Céus" de Ridley Scott. Antes, chamava--se Yvonne. "Sinto-me como se fosse um homem a viver num corpo de mulher." A campeã europeia júnior de salto com vara (1999) retirou-se em 2007 e decidiu submeter-se a uma cirurgia para mudar de sexo. Começou a tomar injecções de testosterona no dia de Natal desse ano e documentou a transformação no seu blogue. Agora, é Balia, o treinador do USC Mainz, um clube na Alemanha, convidado de inúmeros talk-shows para falar da sua experiência. E com um novo bilhete de identidade a condizer.
3. EWA klubukowska A polaca ganhou ouro nos 4 x 100 m e bronze nos 100 m nos Jogos Olímpicos de Pequim. Dois anos depois, em Budapeste, conquistou o ouro nos 4 x 100 m e 100 m, e a prata nos 200 m. Um ano volvido, entrou para a história como a primeira mulher a falhar um teste de género. O resultado foi o seguinte: "Um cromossoma em excesso." Acto contínuo, foi banida de todos os desportos competitivos e expropriada de todas as medalhas conquistadas. E os seus recordes do mundo também perderam validade. Mas afinal de contas Ewa era mulher. E mulher o suficiente para dar à luz. Sentindo-se injustiçada, a sprinter decidiu agir judicialmente contra o Comité Olímpico Internacional até ver o seu nome limpo.
4. Tamara e Irina Press As irmãs Press, produto do universo da União Soviética, dominaram o atletismo na primeira metade dos anos 60 do século XX. Não havia nada em que não batessem a concorrência. A mais velha, Tamara, ganhou quatro medalhas em Jogos Olímpicos: em Roma - 1960 (ouro no lançamento do peso e prata no lançamento do disco); em Tóquio-1964, conquistou ambas as categorias. Irina, dois anos mais nova, ganhou o ouro em Roma (80 metros barreiras) e em Tóquio (pentatlo). E por aí se ficaram. Em 1996, foram introduzidos testes para verificar o género das atletas femininas e as irmãs Press, masculinas como poucas, simplesmente desapareceram do mapa competitivo. As dúvidas instalaram-se: houve quem dissesse que eram homens; houve quem afirmasse que eram hermafroditas. Tamara tornou-se engenheira civil e agora trabalha no Ministério russo dos Desportos. Tal como Irina, até morrer em 2004. Para sempre, ficaram conhecidas como os "Irmãos Press".
5. Heidi Krieger Perdão, Andreas Krieger. A lançadora do peso da ex-RDA já não existe. "Foram os esteróides que mataram a Heidi", disse Andreas ao "The New York Times". Como muitas atletas da Alemanha de Leste Heidi, campeã da Europa em 1986, era sistematicamente dopada com esteróides anabolizantes. Essas e outras drogas, garante, contribuíram para a sua transexualidade. Chamavam-lhe "Hormone Heidi". Daí à depressão foi um instante e tentou mesmo suicidar-se, cortando os pulsos - foi o cão Rex que a salvou ao acordá-la com o seu focinho frio. "Foi um choque", confessou. Em 1997, sete anos depois de se ter retirado, Heidi foi obrigada a mudar de sexo, tais eram os traços de masculinidade provocados pelas substâncias injectadas. Agora que é Andreas, casou--se com Ute Krause, uma antiga nadadora da RDA, também ela severamente castigada pelos métodos sombrios dos tempos que antecederam a queda do Muro de Berlim. A sua vida já deu um documentário - "Doping, Fábrica de Campeões".
6.Stella Walsh Nos anos 1930, ninguém sprintava como ela. Ou como ele. Mas já lá iremos. Nasceu Stanislawa Walasiewicz, na Polónia, a 3 de Abril de 1911, mas emigrou para os Estados Unidos com apenas três meses. O pai, Julian, encontrara um trabalho em Cleveland numa fundição. E foi em Cleveland que adoptou o nome Stella - os pais chamavam-lhe Stasia - e começou a dar corda aos sapatos. Logo ganhou um lugar na equipa olímpica dos EUA, em 1927, mas por ser polaca ficou de fora. Não esperou pela cidadania norte-americana e manteve-se fiel à pátria de origem: numa competição pan-eslava, conquistou os 60, 100, 200 e 400 metros e ainda o salto em comprimento. Os líderes polacos ficaram como loucos e não mais a largaram. Depois fez história: ganhou os Jogos Olímpicos de Los Angeles - 1932 e foi prata nos de Berlim -1936 (sempre nos 100 metros). Depois da competição alemã, decidiu abandonar e competir apenas a um nível amador. E a história acabaria bem, porque nunca ninguém questionara o género de Stella. Até à sua morte. Brutal. Foi morta durante um assalto em Cleveland a 4 de Dezembro de 1980 (69 anos) e a autópsia revelou que Stella tinha órgãos genitais masculinos e também ambos os pares de cromossomas XX (mulher) e XY (homem).
Hoje, siga o Mundial de atletismo a partir das 10h45 na RTP2 e Eurosport. É hora da maratona masculina
foto: http://i.dailymail.co.uk/i/pix/2009/08/19/article-0-061D19E9000005DC-924_306x423.jpg