Nasceu em 1986 e
revolucionou a forma de fazer banca em Portugal. Foi uma referência na Europa,
mas a guerra de poder iniciada em 2007 e a crise financeira internacional
pregaram-lhe algumas partidas. No final da atual reestruturação, como ficará o
novo BCP?
Longe vão os
tempos em que o BCP era apresentado internacionalmente como um caso de estudo e
de excelência empresarial. A escola francesa de negócios Insead chegou a
apresentá-lo como um sucesso na aplicação das tecnologias de informação à
estratégia de negócio. E hoje?
Hoje, aos 27
anos de idade, o banco mudou muito. A crise financeira internacional que se
iniciou em 2007 juntou-se aos graves desentendimentos entre acionistas e
administradores, que nesse ano lançaram o banco no caos. A questão que se
coloca é: que BCP teremos quando a tempestade passar? O que vai restar do que
de melhor o banco tinha no passado? Será um banco mais ágil, mais focado em
zonas de elevado potencial de crescimento? O centro de decisão manter-se-á em
Portugal, apesar do crescente peso angolano no capital? Manter-se-á o maior
banco privado português e gerará valor para os acionistas? E conseguirá pagar o
dinheiro que pediu ao Estado no prazo previsto?
O banco
debate-se com os maiores desafios da sua história: tem de arrumar a casa,
emagrecendo a estrutura, através do corte de custos, para voltar a ser
rentável. Desafios comuns a todos os seus concorrentes, mas mais significativos
para um banco cuja estrutura sempre foi mais pesada. O BCP teve de pedir ao
Estado 3000 milhões de euros e vai ter de os pagar até 2017. Uma situação
aflitiva que a comissão executiva liderada por Nuno Amado, desde 28 de
fevereiro de 2012, tem vindo a tentar resolver.
A trabalhar na
banca desde 1985, Nuno Amado passou pelo Citibank, Banco Fonsecas & Burnay,
Deutsche Bank e grupo Santander, onde esteve de 1997 até ao ano passado, de
onde transitou para o BCP, uma transferência que surpreendeu e que muitos
consideraram arriscada. O banqueiro tem tido uma tarefa árdua que não lhe dá
descanso. Assumiu que iria limpar o que teria de limpar e o resultado da
limpeza está nos assustadores prejuízos de 1,2 mil milhões que apresentou no
final do ano passado. Este ano não está muito melhor. Até 30 de junho teve
prejuízos de 488,2 milhões de euros.
Nuno Amado tem
três grandes objetivos para cumprir: tornar o banco rentável, dotá-lo de uma
estrutura acionista mais forte e apostar nas operações externas capazes de
criar valor para os acionistas.
Revolução está
em curso
A situação levou
o banco a pedir ajuda ao Estado português, tal como fizeram outros bancos
portugueses mas também noutros países na Europa. Uma ajuda que lhe está a
custar não só o pagamento de elevados juros, que desde junho de 2012 e até ao
final deste ano deverão rondar os 400 milhões de euros, mas também a imposição
de uma série de medidas pesadas que aceleraram a reestruturação do banco, que
já estava em curso.
São medidas
demasiado duras? "Tinham de acontecer", afirma Joe Berardo, um dos
poucos acionistas que tem participações qualificadas no banco, de cerca de
3,06%. São ao todo seis acionistas com participações acima de 2%, que a 30 de
junho deste ano correspondiam a 35% do capital, entre os quais se destaca, com
um peso esmagador, a Sonangol, que tem 19,44%. Se juntarmos a esta posição os
2,6% imputados à Interoceânico, o capital angolano conhecido no banco português
atinge já os 22,04% (ver texto sobre seguinte sobre a estrutura acionista).
Joe Berardo
considera que a ajuda dos Estados aos bancos é "envenenada", devido
aos juros elevados. Refere mesmo que o corte de custos não é tão fácil como
muita gente pensa, porque tem elevados custos associados. Mas está convencido
de que não há alternativa.
Para justificar
a ajuda ao Estado, o BCP obrigou-se a reduzir a dimensão em Portugal através da
redução de sucursais e colaboradores, de que resultará uma redução dos custos
com o pessoal na ordem dos 25% em 2015, quando comparados com os custos de
2012, 815,4 milhões de euros.
Esta é uma das
medidas mais complicadas de implementar, já que se soma a uma redução que já
tinha sido operada nos últimos anos nas condições de trabalho dos colaboradores
do banco. A administração já deixou claro que prefere cortar nos salários, caso
contrário avançará para um despedimento coletivo, que poderia envolver mais
1250 trabalhadores, a somar aos que já saíram.
Mas a fatura a
pagar pelo BCP não fica por aqui: a venda de ativos é outra tarefa que teve de
acelerar por imposição da Direção-Geral de Concorrência da União Europeia
(DGCom). Neste âmbito, o banco tem de vender a sua operação na Roménia e finalizar
a saída da Grécia, sair da Millennium Gestão de Ativos e vender as carteiras de
crédito do BCP Bank & Trust e BCP Banque Privé. Ao mesmo tempo, poderá ser
obrigado a vender a participação no banco que tem na Polónia, no caso de o BCP
não reembolsar 2,3 mil milhões de euros das obrigações de conversão
condicionada em ações (Coco's) até ao final de 2016.
Tudo para, como
dizia Nuno Amado há um ano ao Expresso, o BCP voltar a ser um "banco
privado e muito ativo na economia portuguesa". O presidente do BCP, que
não aceitou falar à Exame nesta altura, porque ainda está a negociar dossiês
que considera sensíveis e a concretizar algumas das imposições da DGCom
referia, então, que um dos problemas de Portugal é o "amiguismo".
"Havia aqui uma rede de interesses que dificultava o tema (da
governação)". E deixou claro que o BCP não voltaria a financiar
"operações de especulação ou de tomada de posições hostis ou não",
garantindo que o banco iria executar as dívidas a que está obrigado
independentemente de os devedores serem acionistas ou não.
O banco terá de
fazer a sua própria reestruturação, mas "há alguns fatores que não
controla", afirma Paulo Pinho, professor na Universidade Nova de Lisboa e
especialista em banca. Por exemplo, se a economia não crescer sustentadamente
nos próximos dois anos "será muito difícil o BCP devolver ao Estado até
2017 o que pediu emprestado". E mais, não será apenas a economia nacional
a dar o veredito, pois é preciso que a economia internacional também cresça.
"Se as economias crescerem, isso sim, terá impacto na recuperação dos
créditos e nos ganhos possíveis na carteira de dívida pública", o que é
válido para qualquer instituição bancária, conclui. Já uma fonte do setor da
banca refere que, dadas as crescentes exigências europeias, "será muito
difícil para o sistema financeiro, mesmo para os bancos que não pediram
dinheiro ao Estado, não precisarem de mais capital". Até porque vêm aí
novas regras incluídas no "pacote Basileia III" e tudo vai depender
do que vai contar em termos de capital para a banca em geral.
O BCP, ainda no
âmbito dos compromissos assumidos com a Comissão Europeia, terá de atingir um
máximo de 120% para o crédito sobre depósitos em 2015-17, que em junho deste
ano estava nos 123%; um máximo de 50% para o rácio de eficiência em 2016-17
(77% em junho); a manutenção de um nível mínimo do rácio Core Tier 1, que
cumpra os requisitos regulatórios de capital (estava nos 12,5% em junho); e uma
rentabilidade sobre os capitais próprios (ROE) superior a 10% em 2016-17. Fica
ainda proibido de fazer aquisições, de ter práticas comerciais agressivas, de
pagar dividendos e de financiar a compra de ações ou instrumentos híbridos de
capital emitidos por si próprio. Terá de adaptar a remuneração dos corpos
sociais e colaboradores "em função dos objetivos de longo prazo" e
"restringir os negócios com partes relacionadas".
Um exemplo dos
anos 90
Criado em 1986,
o BCP não demorou muito até se tornar o maior banco privado nacional, sob a
liderança de Jardim Gonçalves, que foi o seu presidente até 2005, ano em que
passou o testemunho a Paulo Teixeira Pinto uma sucessão que acabou por não
correr bem e que culminou com a guerra de acionistas de 2007. "Portugal
passou a ter um banco de referência a nível europeu que criava valor para os clientes
e acionistas", refere Paulo Pinho. De certa forma, "o banco foi
pioneiro no que toca à inovação tecnológica e à estratégia que seguiu até 2000.
Mas o que veio depois disso começou a destruir valor", acrescenta.
O maior banco
privado português cresceu em todas as direcções, mas perdeu-se no propósito que
muitos dizem ter sido a génese da sua fundação: servir os clientes e criar
valor para o acionista. A ambição e a mudança de estratégia deitaram abaixo
valores que agora o banco quer recuperar, referiu à Exame fonte do sector
bancário. "Há alturas marcantes que têm a ver com a estratégia de
crescimento, a estrutura acionista e as ambições pessoais de quem esteve ao
comando do banco na última década", afirma Paulo Pinho que acrescenta que
o papel do fundador, Manuel Violante, foi sempre subestimado e que a saída de
alguns acionistas, como Américo Amorim, ditou percursos diferentes.
A estratégia de
aquisições através da qual absorveu marcas como o BPA, Sotto Mayor e Mello
levou a fortes necessidades de capital que penalizaram a remuneração dos
accionistas e o valor das ações. Agora, a estratégia do BCP terá de assentar no
negócio bancário puro e duro. "O banco que estamos a preparar não tem
segredos debaixo do tapete", diz um alto quadro do banco.
A receita que na
década de 80 foi distintiva para o sucesso de um banco que se revelou pioneiro
em muitas áreas, nomeadamente a área de inovação tecnológica, e numa visão de
expansão internacional e de crescimento sustentado, contando com uma máquina
comercial agressiva, é a que terá de fazer sair o BCP da situação em que se
encontra, adianta a mesma fonte do BCP. Mas também não se pode esquecer que,
apesar de todos estes ingredientes terem permitido ao banco crescer e ganhar
quota de mercado no imediato, também, isso sabe-se hoje, dotaram o banco de
elevados custos que se repercutiram no futuro, criando muitas vezes uma imagem
ilusória de crescimento sustentado.
Hoje o BCP
continua a ter uma máquina comercial bem oleada, apesar dos sucessivos cortes a
que tem sido sujeita. "Neste momento, o BCP tem pela primeira vez uma
equipa de gestão profissional que está a fazer o trabalho de casa", afirma
Paulo Pinho.
"De 2000
até hoje o banco atravessou um período altamente negativo", adverte,
referindo que "o BCP está a arrumar a casa e a registar níveis de
imparidades volumosas e a fazer o que muitos bancos do sistema com problemas
idênticos ou outros problemas deviam e não estão a fazer, porque estão a
'empurrar os problemas com a barriga'". O professor acrescenta que, se o BCP
tivesse feito o trabalho de casa pelo menos há 10 anos, "poderia estar
noutra situação" hoje.
Portugal,
Polónia, Angola e Moçambique
Apesar de a
distância para o BES se ter reduzido, o BCP continua a poder exibir os galões
de maior instituição bancária privada de Portugal. A 30 de junho tinha a
segunda maior rede de sucursais em Portugal (797), com uma quota de mercado de
19,2% no crédito e 18,6% nos depósitos.
No final do
primeiro semestre de 2013, as operações em Portugal representavam 78% do total
de ativos, 79% do total de crédito a clientes (bruto) e 70% do total de
depósitos de clientes.
É em Moçambique
que tem a maior quota de mercado de entre os mercados onde está presente 33,2%
no crédito e 31,6% nos depósitos, contando com 1,1 milhões de clientes. Em
Angola as quotas estavam, a 30 de junho, nos 2,8% quer no crédito quer nos
depósitos. E na Polónia era 4,8% para o crédito e 5,3% para os depósitos.
É precisamente
nestes mercados externos que o banco vai apostar para criar valor, de forma a
compensar o emagrecimento da estrutura e negócio em Portugal. Um alto quadro do
banco afirma que, se tudo correr bem, "quando o país começar a crescer, o
BCP começará a ser rentável. O banco está a resolver os problemas e a declarar
imparidades volumosas, ao mesmo tempo que pegou na sua carteira de imóveis e
começou a vendê-los limpando este rastro negativo do balanço".
Para um dos
ex-administradores que se despediu do BCP no início de 2000, a estratégia do
banco desde então "não foi correta. Nunca se devia ter avançado para
expansões em países onde não se fala a mesma língua, nem começar a tomar
posições em empresas, por exemplo na EDP, cujo retorno não é imediato. e entre
as quais existe uma relação creditícia, como aconteceu com a Brisa, a Cimpor e
mesmo a Teixeira Duarte", refere, acrescentando que "o BCP só voltará
aos lucros depois de pagar o que pediu ao Estado e isso vai demorar muito
tempo. Quanto a distribuir dividendos aos accionistas, ainda vai demorar
mais".
Apesar de a
"limpeza" em curso no banco não perspectivar a distribuição de
dividendos a médio prazo, Nuno Amado conseguiu atrair, em setembro do ano
passado, 500 milhões de euros num aumento de capital, uma operação que mudou
significativamente a estrutura accionista, mas não conseguiu atrair nenhum
investidor europeu de referência.
Um líder
consensual
Nuno Amado foi o
homem escolhido pelos acionistas para substituir Carlos Santos Ferreira, que
tinha vindo da Caixa Geral de Depósitos e no início de 2008 tomou o banco por
pressão de alguns acionistas em sintonia com o Governo da altura, liderado por
José Sócrates. Santos Ferreira substituiu Filipe Pinhal na presidência, num
movimento que ditou a saída dos administradores conotados com Jardim Gonçalves.
Desde então, os processos em tribunal multiplicaram-se. Não só por causa de
operações com ações do banco através de sociedades sedeadas em paraísos
fiscais, mas também devido a investimentos de pequenos acionistas. Quatro
ex-administradores Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, António Rodrigues e
Christopher de Beck -aguardam até ao final do ano pela sentença devida à
acusação de crime de manipulação de mercado e falsificação de documentos. Mas
há também os processos de contra-ordenação dos supervisores. O julgamento
relativo ao Banco de Portugal, que foi anulado, vai ser repetido, enquanto o da
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários foi alvo de recurso por parte dos
arguidos.
Quando toda a
poeira assentar, o balanço que vier a ser feito terá inevitavelmente de apontar
para uma mudança estrutural do banco, que passa a concentrar-se mais em África
e eventualmente no Brasil, depois de ter saído dos Estados Unidos, Canadá,
Grécia, Turquia e Roménia. E passou a ter menos acionistas de referência, sobretudo
portugueses, para ter um grande acionista incontornável, a Sonangol, por onde
as grandes decisões terão sempre de passar.
REDUÇÃO DE
CUSTOS
Cortes nos
salários (ou despedimentos) a doer
Diminuir custos
em 25%. O compromisso do BCP assumido com a Direção-Geral da Concorrência da
União Europeia (DGCom) de reduzir em 25% os custos com o pessoal promete ser um
processo longo e desgastante.
Baixar salários.
As negociações para baixar os salários aos colaboradores do banco começaram em
meados de outubro, embora a primeira abordagem com os sindicatos e a comissão
de trabalhadores (CT) tenha sido feita logo em setembro.
Alterar a
contratação colectiva. Fonte da Federação dos Sindicatos Bancários do Sul e
Ilhas, Norte e Centro (FESAB) referia a meio do mês de outubro que ainda se
estava a ver se legalmente era possível "alterar o quadro da contratação
coletiva", acrescentando que "a principal preocupação é a defesa dos
postos de trabalho, mas tudo terá de ser bem analisado".
Salários mais
magros. O banco não adiantava até onde pretendia levar estas negociações, mas
os cortes poderão ir até 10%, à semelhança da tabela que o Governo quer aplicar
à Função Pública. Os salários mais baixos não terão cortes superiores a 2%,
havendo depois um corte progressivo.
À mesa com os
sindicatos. Se as negociações com os sindicatos falharem "entramos no
reino da chantagem", diz um membro da CT afeto à CGTP, que recorda que
este processo começou no ano passado e implicava apenas 600 colaboradores,
tendo acabado por chegar a 1170. "Agora, afinal, já se colocam em causa
mais 1250 trabalhadores".
Cortar ou
despedir? Outra fonte ligada ao processo negocial afirma que "se o BCP e
os sindicatos chegarem a acordo será uma oportunidade única de marcar a
diferença". Estamos a falar de cortes em 8744 trabalhadores ou o
despedimento de 1250 até 2015.
O futuro. O
caminho para se evitar despedimentos só depende, segundo referiu um
sindicalista da FESAB à Exame, do enquadramento legal que for dado e se o que é
proposto é não apenas legal mas também constitucional. "A matéria é muito
complexa", desabafa.