domingo, 13 de julho de 2014

Histórias de suicídios famosos em Portugal - Florbela Espanca-11





Poetisa portuguesa, natural de Vila Viçosa (Alentejo). Nasceu filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo, criada de servir (como se dizia na época), que morreu com apenas 29 anos, «de uma doença que ninguém entendeu», mas que veio designada na certidão de óbito como nevrose. Registada como filha de pai incógnito, foi todavia educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como seu irmão de sangue, Apeles Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira. Note-se como curiosidade que o pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a morte da poetisa, por altura da inauguração do seu busto, em Évora, e por insistência de um grupo de florbelianos, a perfilhou. É em Vila Viçosa que se desenrola a sua infância. Desde o seu nascimento, a infância de Florbela rodeou-se de circunstâncias invulgares.

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Uma vez casado com Marina Inglesa, em 1887, João Maria Espanca, o pai de Florbela, continua a trabalhar como sapateiro e antiquário, tornando-se mais tarde num dos pioneiros do cinematógrafo em Portugal.

Ao descobrir que Mariana não pode dar à luz, João Maria consegue convencê-la de uma regra medieval, segundo a qual, quando a mulher não pode ter filhos, o homem está autorizado a cometer adultério, de modo a ter, através de outra mulher os filhos que a esposa não lhe pode dar, filhos esses que depois traria para o lar.

Com o consentimento de Marina, em 1894, João Maria procura Antónia Lobo, uma mulher humilde, vistosa e desejada na vila, que trabalhava como criada de servir, raptando-a uma noite para a engravidar e mantendo-a escondida durante toda a gravidez.


Finalmente, a 8 de Dezembro, Florbela nasce e é baptizada como Flor Bela Lobo, filha de Antónia e de pai incógnito; a madrinha é Mariana, que depois levará Florbela para casa e a tratará como filha. É a casa de Mariana e João Maria Espanca que a Mãe de Florbela se vai dirigir para a amamentar.

Em Outubro de 1899, Florbela começa a frequentar o ensino pré-primário, passando a assinar Flor d'Alma da Conceição Espanca (algumas vezes, opta por Flor, e outras, por Bela). Em Novembro de 1903, aos sete anos de idade, Florbela escreve a sua primeira poesia de que há conhecimento, «A Vida e a Morte», mostrando uma admirável precocidade e anunciando, desde já, a opção por temas que, mais tarde, virá a abordar de forma mais complexa. Ainda no mesmo ano, Florbela começa a escrever uma poesia sem título, o seu primeiro soneto.

Conclui a instrução primária em Junho de 1906, entrando para o actual sexto ano de escolaridade em Outubro do mesmo ano. No ano seguinte, Florbela aponta os primeiros sinais da sua doença, a neurastenia; além disso, escreve o seu primeiro conto, «Mamã!». Em 1908, Antónia Lobo, a mãe de Florbela morre vítima de neurose, após o que a família se desloca para Évora, para Florbela prosseguir os seus estudos no Liceu André Gouveia, com o chamado Curso Geral do Liceu, cuja sexta classe (próxima do 10º ano actual) completa em 1912.

Entretanto, em 1911, começa a namorar com Alberto Moutinho, mas acaba por se afastar deste, em virtude de uma nova paixão por José Marques, futuro director da Torre do Tombo. Após romper com este, no ano seguinte, Florbela reata o namoro com Alberto Moutinho e, a 8 de Dezembro, uma vez emancipada, casa com ele, pelo civil, aos 19 anos.

Em 1914, apesar de algumas dificuldades económicas, o casal muda-se para o Redondo, na Serra d'Ossa, onde abre um colégio e lecciona. Numa festa do colégio, Florbela recita, pela primeira vez, versos seus em público. É no ano seguinte que Florbela inicia o seu caderno «Trocando Olhares», que completa ao longo de cerca de um ano e meio. Em 1916, a revista «Modas e Bordados» publica o soneto Crisântemos, cheio de alterações ao original, e Florbela torna-se amiga da directora e da sub-directora da revista, Júlia Alves, com quem, aliás, inicia correspondência.

Em 1917, após ter regressado a Évora, Florbela completa o actual 11º ano do Curso Complementar de Letras, com catorze valores; apesar de querer seguir essa área, acaba por se inscrever, em Outubro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o que a obriga a mudar-se para Lisboa, onde começa a contactar com a vida boémia.

Na sequência de um aborto involuntário, em 1919, Florbela tem de se mudar para Quelfes, perto de Olhão, onde apresenta os primeiros sintomas sérios de neurose. Pouco depois, o seu casamento desfaz-se e Florbela decide ir para Lisboa prosseguir o curso, separando-se do marido, e passando a conhecer a rejeição da sociedade. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que então procurava impor-se. Colaborou em jornais e revistas, entre os quais o Portugal Feminino. Em Junho de 1919, depois de alguma correspondência trocada com Raul Proença, sai a lume o «Livro de Mágoas»; posteriormente, completa o terceiro ano de Direito. No ano seguinte inicia «Claustro das Quimeras».

Em 1921, divorciou-se de Alberto Moutinho, de quem vivia separada havia alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Nesse ano também o seu pai se divorciou, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade. Em 1925, Florbela casou-se, pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos.

De volta a Lisboa, em 1923, Florbela tem de se mudar rapidamente para Gonça, perto de Guimarães, para se tratar de um novo aborto. Assim, Florbela separa-se do marido, que pede o divórcio, oficializado em 1924; isso leva a que a família de Florbela não lhe fale durante dois anos, o que a abala muito.

Em 1925, depois de se ter mudado para a casa de Mário Lage em Esmoriz, casa com ele, pelo civil e, depois, pela Igreja. Dois anos depois, enquanto Florbela traduz romances franceses para a Livraria Civilização no Porto (que publica oito trabalhos seus), e prepara «O Dominó Preto», o seu irmão falece, o que a torna uma mulher triste e desiludida e inspira «As Máscaras do Destino».

Enquanto a relação com o marido se desgasta progressivamente, a neurose de Florbela agrava-se bastante; é neste período que, possivelmente, se apaixona pelo pianista Luís Maria Cabral, a quem dedica «Chopin» e «Tarde de Música»; talvez por isso, tenta suicidar-se.

Em 1929, Florbela passa por Lisboa, onde lhe é recusada a participação no filme «Dança dos Paroxismos», de Jorge Brum do Canto, e segue para Évora, onde, em 1930, começa a escrever o seu «Diário do Último Ano». Passa, então a colaborar nas revistas «Portugal Feminino» e «Civilização», e trava conhecimento com Guido Battelli, que se oferece para publicar «Charneca em Flor». Já em Matosinhos, Florbela revê as provas do livro, depois da segunda tentativa de suicídio, em Outubro ou Novembro, período em que a neurose se torna insuportável e lhe é diagnosticado um edema pulmonar. A 8 de Dezembro, dia do nascimento e do primeiro casamento, Florbela suicida-se, cerca das duas horas, com dois frascos de Veronal. Ao completar 35 anos, na noite de seu aniversário não suportou mais e suicida-se, atirando-se no oceano Atlântico, nas costas de Matosinhos, no norte de Portugal.

A causa da morte de Florbela tem sido motivo de estudo para vários dos seus biógrafos, ocupando parte significativa das obras a seu respeito. As opiniões dividem-se, e mesmo alguns dos seus mais incisivos estudiosos, como Rui Guedes ou Agustina Bessa Luís contrapõem diversos argumentos que justificariam poder falar-se de suicídio premeditado (recorrendo nomeadamente a excertos da sua obra, do seu diário ou à correspondência enviada pela poetisa) a outros, que apontam para o facto de se ter tratado de um acidente, ou simplesmente, do culminar das doenças que afectavam a poetisa.

Suicídio premeditado?

Na opinião de alguns estudiosos, o desejo de morrer de Florbela está claramente expresso na sua obra, no modo como aborda constantemente o tema da morte, quase que parecendo persegui-la. Seria a consumação de uma fuga, fuga a um amor, fuga à vida e aos sofrimentos que lhe traz. Além disso, seria uma saída fiel aos preceitos românticos. Há, inclusive, a ideia de que na sua obra estaria enunciado uma espécie de programa de despedida: A morte pode vir quando quiser: trago as mãos cheias de rosas e o coração em festa (Ana Marques Gastão, «Cem anos: Sonetos fora de época»). Sobretudo na fase final, os acontecimentos exteriores, como a viagem de Guido Battelli, e os interiores, nomeadamente a perda de capacidades, poderiam agitá-la excessivamente, aumentar o potencial de auto-destruição, e conduzir ao suicídio.

A possibilidade de suicídio é igualmente aceitável, se atendermos ao que Florbela confessou à sua amiga de infância Milburges Ferreira, a Buja, dias antes de falecer: Se passar do dia dos meus anos, morrerei de velha. Foi, aliás, às amigas que Florbela deixou algumas disposições especiais no seu testamento, que, para tanto, teve de alterar dias antes de falecer. Foi também entre os amigos que, no dia anterior à morte de Florbela, correram supostos rumores de que esta estaria à beira da morte, rumores que Mário Lage, o terceiro marido da poetisa, também espalhou depois do funeral. Acresce que esses rumores se firmaram com base na coincidência de que Florbela se matou a 8 de Dezembro, dia do seu aniversário e do seu primeiro casamento. Por outro lado, a atitude de Lage não deixa de ser curiosa: após terem encontrado a poetisa morta no quarto, onde se tinha fechado no dia anterior (pedindo que não a incomodassem até ao dia seguinte), o marido conseguiu manter uma espantosa lucidez, localizando rapidamente os amigos de Florbela para os informar do ocorrido. Mais a mais, é estranho que um médico permita que alguém viva rodeado de barbitúricos, quando sofre de uma neurose e já, por duas vezes, se tentou suicidar, a última das quais dois meses antes. Referência ainda à declaração de óbito da poetisa, que, embora indique como causa da morte o edema pulmonar de que sofria, foi assinada por um carpinteiro.

Por último, há que ter em conta a hipótese sugerida por Agustina Bessa Luís de que Florbela se teria suicidado, em virtude de estar novamente apaixonada, possivelmente por Ângelo César, a quem dedica os seus últimos sonetos, como «Quem Sabe?».

Acidente?

Em primeiro lugar, a neurose de que a poetisa sofria agravou-se significativamente nos últimos meses da sua vida, provocando comportamentos estranhos que escandalizaram a família do marido, Mário Lage, em cuja casa vivia na altura. Além disso, foi-lhe diagnosticada uma apendicite, que faz com que Florbela se arrependa da sua natureza amante e ambiciosa, sentindo-se culpada de todas as polémicas que se geraram em seu torno. Em terceiro lugar, um edema pulmonar (talvez derivado de hipertensão provocada por algum anti-depressivo), descoberto pouco antes da morte, debilitou ainda mais o seu estado de saúde, agravado com um tratamento errado, baseado em refeições pequenas e demasiado repouso.

De facto, é possível que se tenha tratado de um acidente, motivado pela mistura de drogas muito fortes com certos alimentos, ou pela ingestão excessiva de Veronal.

O Veronal, que Florbela passou a usar em 1930, era um sonorífero extremamente forte, usado ao tempo, e particularmente nocivo para doentes pulmonares ou cardíacos, o que era o caso de Florbela. Provavelmente, a associação deste remédio com o tabaco que Florbela fumava constantemente, numa altura em que quase não consegue suportar a neurose, poderá ter ajudado a precipitar a sua morte.

No entanto, não deixa de ser verdade que os dois frascos de Veronal encontrados debaixo da cama da poetisa, completamente vazios, depois da sua morte, podiam ter sido tomados com a intenção premeditada de suicídio.

Por outro lado, há também a considerar o facto de que se aproximava a data da publicação de «Charneca em Flor», esperada pela poetisa com manifesta ansiedade, a par da anestesia e sofrimento prolongados em que Florbela vivia, em virtude da constante ingestão de soníferos, e que impediriam que tivesse um mínimo de vontade de se suicidar. A este respeito, Agustina Bessa Luís cita, inclusivamente, psicólogos da área do suicídio, que consideravam esse acto pouco provável, no caso de Florbela. (Agustina Bessa Luís, «A Vida e a Obra de Florbela Espanca»).

Finalmente, não foi pedida para o enterro da poetisa qualquer disposição eclesiástica, o que era quase impossível naquele tempo se houvesse suspeita de suicídio.

Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afectivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra. Em Dezembro de 1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu em Matosinhos, tendo sido apresentada como causa da morte, oficialmente, um «edema pulmonar».

Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931, contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982.



A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.

Na opinião de António José Saraiva e Óscar Lopes, Florbela Espanca é uma das mais notáveis personalidades literárias isoladas (António José Saraiva e Óscar Lopes, «História da Literatura Portuguesa»). Porquê?

Em primeiro lugar, porque a poética e a prosa de Florbela dificilmente se enquadram numa única corrente literária, seja uma corrente dominante no seu tempo ou anterior. De facto, a poetisa soube construir uma linguagem muito própria, quase uma mitologia lírica (António José Saraiva e Óscar Lopes, «História da Literatura Portuguesa»), ao revelar, no espaço da poesia, sentimentos e desejos próprios, anseios e aspirações muito suas, conquistando na literatura um espaço de libertação de instintos sensuais, sem precedentes até então; sobretudo, revelou, através da linguagem poética o seu ser e a sua intimidade.

No entanto, são evidentes em Florbela os traços e as influências de diversas correntes literárias que atravessaram o século XIX, apesar de acusar igualmente proximidades a estéticas do século XX. Diga-se, a propósito, que grande parte da singularidade da obra de Florbela reside no facto de a sua estética literária se enraizar no cruzamento de várias tendências do lirismo do século passado: Florbela admirava Júlio Dantas, Guerra Junqueiro, Antero de Figueiredo, José Duro e, sobretudo, António Nobre. Foi nesse universo artístico, que tentou conciliar a renovação com a tradição poética, que Florbela encontrou elementos para definir a sua linguagem.

Entre as principais influências, há a destacar:

Proximidade de Mário de Sá-Carneiro:

Apesar de não se ter deixado influenciar pela estética modernista proposta por Fernando Pessoa e pelo restante grupo do «Orpheu», o ideário e a temática da obra de Florbela Espanca contém uma curiosa proximidade com a escrita de Mário de Sá-Carneiro, um desses membros do inovador grupo do «Orpheu».

Em primeiro lugar, há uma proximidade ao nível dos dramas pessoais (que Sá-Carneiro revela em «Esfinge» e «Esfinge Gorda»), onde se evidencia a moderna problemática da dispersão, do desdobramento da personalidade, que Florbela partilha em alguns poemas. Além disso, Florbela insere na sua obra a complexa temática da alteridade, bem como a da relação entre o eu poético e os outros, aproximando-se muito do universo temático de Sá-Carneiro, o que se acentua com as referências à crise de identidade do sujeito e à estratégia de fingimento do poeta (enunciada por Fernando Pessoa). Tanto um como o outro, procuravam uma identidade profunda.

Por outro lado, os dois autores têm em comum uma poética de excessos, de estados de espírito extremos, que oscila constantemente entre o desejo de amor e de morte (que encaram de modo semelhante), momentos de loucura e lucidez, luxo e sombras, plenitude e incompletude. Ambos vagueiam, em versos, por claustros, sombras e cenários decadentistas, oscilando entre a realidade e um mundo indefinido.

Como Sá-Carneiro, Florbela quis aliar a vida e a arte, a realidade e o sonho, mostrando-se o resultado desastroso para ambos. Aliás, há que sublinhar que ambos morreram jovens e pelo mesmo motivo: suicídio.

Influência de Antero de Quental:

Em relação à linguagem de Antero de Quental, a poesia de Florbela evidencia semelhanças estilísticas, estruturais e ideológicas.

Uma delas é a referência frequente ao tema da dor, uma dor existencial, que leva à constante ânsia pela morte e pelo não-ser; trata-se de uma dor existencial próxima daquela que Antero e Camilo Pessanha repetidamente abordaram na sua obra.

Por outro lado, o uso da forma clássica do soneto é outro factor de aproximação entre Florbela e Antero, se bem que a aproxime igualmente de outros sonetistas, nomeadamente Camões e Bocage.

Herdada de Antero é, também, a expressão de uma visão eminentemente pessimista do mundo, bem como de uma relação difícil com a vida.

Em termos estilísticos, e à semelhança do que fez Antero, Florbela tende a imprimir um sentido alegorizante aos seus poemas, através de imagens de castelos, palácios, cavaleiros, torres de névoa e de marfim, algumas das quais presentes em «Castelã». Aliás, é nítida a proximidade entre o verso de Florbela Sonho que sou a poetisa eleita (Florbela Espanca, «Vaidade», in «Livro de Mágoas») e o de Antero Sonho que sou um cavaleiro andante.

Marcas anterianas apresentam, igualmente, os sonetos «Em Busca do Amor», que lembra o «Mors Amor» de Antero (cujo tom alegre é um pouco mais vigoroso), «Não Ser», «A Voz da Tília» e «Deixai Entrar a Morte».

Influência de António Nobre:

São muitos os pontos de contacto entre António Nobre, o autor de «Só» (apresentado, ainda hoje, como o livro mais triste que há em Portugal) e Florbela Espanca, que confessa ter pelo escritor intensa admiração, referindo-se, implicitamente, a «Só» na abertura do «Livro de Mágoas» e, depois, explicitamente, na languidez do soneto «Tardes da Minha Terra». Aliás, Nobre era para a jovem escritora o único poeta.

Um desses pontos comuns é o tom confessional dos versos, intimamente ligado à temática da dor, da mágoa que encontramos nas obras dos dois autores; mais do que a mágoa, Florbela, no soneto «Este Livro...», que abre o «Livro de Mágoas», como que propõe um espaço de comunicação entre os tristes, a que ela chama os Irmãos na Dor. É uma intenção próxima da de Nobre em «Só».

Por outro lado, também o pessimismo e a espera da morte, bem como a ideia da predestinação, recorrente em Florbela, aproximam as suas obras, em paralelo com a temática da saudade e um certo neogarretismo, ambos típicos de Nobre.

Comum aos dois autores é, igualmente, a relação que encetam com a vida, a par de um progressivo distanciamento que ambos efectuam em relação ao mundo que os rodeia, o que fará agravar a sua solidão.

Finalmente, há que sublinhar a proximidade na maneira de ver Portugal: ou é um país ou uma forma de estar no mundo (dada a cultura e história portuguesas); ao mesmo tempo, refira-se um certo lusitanismo de Nobre, que Florbela também evidencia e que a aproxima do ideário saudosista do seu tempo.

Ultra-romantismo sepulcral, próximo de Soares de Passos:

O Ultra-romantismo é uma corrente literária da segunda metade do séc. XIX, e que se caracterizou por levar ao exagero, e por vezes até ao ridículo, as normas e ideais preconizadas pelo Romantismo, nomeadamente, a exaltação da subjectividade, do individualismo, do idealismo amoroso, da Natureza e do mundo medieval. Os ultra-românticos geram torrentes literárias de qualidade muito discutível, sendo algumas dela considerada como «romance de faca e alguidar», dada a sucessão de crimes sangrentos que invariavelmente descreviam e que os realistas vão caricaturar de forma feroz.

Existe, todavia, literatura ultra-romântica de qualidade inquestionável. Além de João de Deus, são também autores ultra-românticos Camilo Castelo Branco, Soares de Passos e Castilho. Em algumas obras de Almeida Garrett e de Alexandre Herculano é já possível detectar alguns traços de ultra-romantismo, apesar de serem dois dos introdutores do Romantismo em Portugal.

Parnasianismo:

O parnasianismo é um movimento literário desenvolvido na poesia portuguesa do século XVIII, que se aproxima das tendências realista e naturalista registadas na narrativa.

Originário de França, o parnasianismo tem como principais mestres Théophile Gautier, Leconte de Lisle e Théodore Bauville, defensores do princípio da importância da arte pela arte. As raízes do parnasianismo encontram-se no romantismo, embora o parnasianismo exclua a tendência para o sentimentalismo, valorizando a dimensão estética da literatura, nomeadamente através de uma linguagem precisa e do uso da rima rica (rima entre palavras de diferentes classes gramaticais).

Em Portugal, a estética parnasiana difundiu-se não só entre autores como João Penha, Gonçalves Crespo e António Feijó, ligados pela revista coimbrã A Águia (que o primeiro dinamizou entre 1868 e 1873), mas também Cesário Verde, Joaquim de Araújo e Eugénio de Castro.

Como movimento, o parnasianismo era uma reacção anti-romântica, cuja objectividade contrastava com a subjectividade romântica. Entre as principais características deste tipo de poesia, referência à perfeição dos versos, bem como ao tom descritivo, à referência a obras de arte e paisagens.

Em Florbela, o parnasianismo evidencia-se, sobretudo, em sonetos como «Toledo» e «Charneca em Flor».

Influências simbolistas e decadentistas:

Nos versos de Florbela, encontramos frequentemente uma necessidade, quase desesperada, de viver o instante, o momento, o tempo efémero que passa, sobretudo quando se trata de um tempo feliz, como no soneto «Hora que Passa», de onde se depreende a referência à transitoriedade do tempo e da vida. Esta temática, abordada quase obsessivamente por Florbela, aproxima-a da corrente simbolista e, sobretudo, da poesia de Camilo Pessanha.

Em segundo lugar, também a referência constante a estados de espírito marcados pela dor e pelo tédio apontam para uma forte influência decadentista – simbolista na poética de Florbela, bem como a imagem das torres de marfim, onde se quis refugiar da mediocridade da vida quotidiana.

Por último, destaque para os traços da assimilação da linguagem simbolista – decadentista, bem patentes nas imagens e no mistério implícito do soneto «Outonal», e também, menos acentuadamente, em «Charneca em Flor».

Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo carácter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela poetisa. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Luís de Camões.

Florbela Espanca colaborou no jornal Notícias de Évora juntamente com Irene Lisboa (1892-1958) onde foi precursora do movimento de emancipação feminina português. Apesar da rigidez católica e das leis de Portugal, foi casada duas vezes e sua obra possui um acento erótico incomum aos padrões precedentes à emancipação feminina lusitana.

Florbela era, de facto, uma jovem mulher muito atraente, o que também terá sido motivo de inveja para muitas das mulheres do seu tempo, que não hesitaram em caluniá-la. Nas palavras de Maria Alexandrina, Florbela era esbelta, graciosa, de porte senhoril, fartos cabelos negros, pele fina e transparente, sedosa e bela (Maria Alexandrina, «A Vida Ignorada de Florbela Espanca»), a que se juntava um culto do traje e um guarda-roupa moderno, com peles e saia-calça (uma novidade francesa da altura) incluídas, totalmente inovador e diferente do que a sociedade portuguesa estava acostumada a ver.

Com a sua capeline e o seu colar de pérolas, uma das suas fotografias mais conhecidas e que oferecera a Guido Battelli, Florbela fixa um tipo social que perdurará no tempo: segundo Agustina Bessa Luís, trata-se da figura da vagabunda letrada (Agustina Bessa Luís, «A Vida e a Obra de Florbela Espanca»).

Temperamento nostálgico e infinitamente triste, pelo resto da vida Suportou a dor da morte do irmão, Apeles Demóstenes da Rocha Espanca, ocorrida em Junho de 1927 num acidente aéreo, quando ela então começou a consumir estupefacientes.

Após uma sucessão de crises depressivas passou a ficar cada vez mais dependente de Veronal, droga que tomava para dormir. Apeles, o irmão com quem mantinha uma relação quase incestuosa, morrera há três anos e a insónia a abatia ainda mais.

Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina (em que alguns críticos encontram dom-joanismo no feminino). A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, tem suscitado interesse contínuo de leitores e investigadores.

É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.
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