sábado, 25 de julho de 2009

Questões sociais e políticas antes da unificação ortográfica


Manchete - 3-Jul-2009 - 10:48

JB ONLINE

Quem o diz é o escritor moçambicano Mia Couto

Antes da unificação da grafia da língua portuguesa nos países africanos que falam (?) o português, é preciso discutir questões do âmbito social e político, defende Mia Couto para quem a reforma ortográfica não faz sentido.

"Eu não tenho uma posição militante em relação a isso, não dou essa importância. Reconheço que pode haver algumas razões para se fazer uma reforma ortográfica. Eu sou crítico ao discurso que foi feito para justificar o acordo para ficarmos mais próximos, para nos entendermos melhor, isso é mesmo mentira", disse.

Para Mia Couto, os falantes da língua portuguesa já se entendem, "é mentira que tenhamos nos afastado do ponto de vista cultural do conhecimento". E complementa que "nós já nos entendemos, eu sempre li brasileiros sem dificuldade nenhuma".

De acordo com o sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras que está no Rio de Janeiro para o Festival de Teatro da Língua Portuguesa, o que afasta o mundo lusófono são as "opções políticas e estratégias que as elites desses países têm". Se estas questões não forem discutidas, segundo disse à Lusa o escritor moçambicano, "vamos criar um mal entendido pensando que automaticamente, por uma razão técnica, nós vamos chegar a uma maior proximidade".

Mia Couto diz sentir prazer em ler autores brasileiros com "elementos gráficos diferentes para que essa diversidade esteja presente". E refere não ter "medo de uma língua que tenha diversidades com a tradução de marcas culturais e geográficas, não temos que ter medo disso".

Ele afirma-se resistente ao Acordo Ortográfico que no Brasil vigora desde 1 de Janeiro deste ano. Para o escritor, os países pobres de língua portuguesa precisam "resolver uma série de outras coisas antes (da reforma) que não sei se estão a ser discutidas".

"Entendo que em Portugal este assunto foi tido com muito mais nervos e componentes psicológicos" e contrapôs que em Moçambique, um país com mais de 25 línguas africanas, o português é tido como segunda língua. "As pessoas lá são quase sempre multilíngues, pois falam duas ou três línguas africanas."

Com seu livro recém lançado no Brasil "Antes de nascer o mundo", cujo título em Portugal e em Moçambique é "Jesusalém", Mia Couto considera-se antes de tudo um poeta e diz que o que lhe fascina na prosa é o "poder fazer a criação poética, não só em cima da linguagem, mas em cima da narrativa".

"Para mim a poesia não é só um gênero literário, é uma maneira de eu ver o mundo, de eu sentir o mundo", salientou ao destacar que a literatura ainda pode causar encantamento e criar utopias.

"A literatura pode mostrar o gosto de se poder sonhar e se poder construir outros dias. Não é o escritor que desenha um caminho para a saída, mas ele mostra que há um prazer em encontrar um mundo para além desse", declarou.

Após 16 anos de guerra civil com um saldo de um milhão de mortos, Mia Couto se diz céptico, mas que a literatura pode ajudar a cicatrizar as feridas.

"Eu faço arte, literatura, e sou movido por este desejo de ter um compromisso ético de criar uma sociedade nova em Moçambique, um mundo mais justo com mais verdade", explicou.

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