Foi na elaboração de um artigo científico para a
disciplina de Econometria que Thomas Herndon descobriu o erro de Kenneth Rogoff
e Carmen Reinhart, dois dos mais prestigiados economistas de Harvard.
Herndon tem 28 anos e é doutorando em economia na Universidade de
Massachusetts. O trabalho do estudante de Economia consistia em replicar os
resultados de Rogoff e Reinhart e, em seguida, contra-argumentar a tese de que
uma elevada dívida pública conduzia a um crescimento econômico mais lento.
Herndon nunca havia chegado tão longe. As várias
tentativas falhas em replicar os dados dos dois economistas de Harvard
despertaram o interesse do estudante. Herndon fez então os cálculos, utilizando
os dados de Rogoff e Reinhart, que tinha requisitado no início de abril, e
descobriu que em vez de uma queda de 0,1% no PIB, que os dois economistas
tinham previsto para países com uma dívida acima dos 90% do PIB, os cálculos
apontavam para um crescimento de 2,2%.
– Quase não acreditei no que os meus olhos estavam
vendo quando vi aquele erro tão básico na folha de Excel. Tem de haver uma
explicação. Então chamei a minha namorada para saber se só eu é que estava
vendo o erro – afirma Herndon, citado pela agência inglesa de notícias Reuters.
Perante a descoberta, Herndon comunicou o erro de
Rogoff e Reinhart aos seus professores, Robert Pollin e Michael Asch, que mais
tarde co-elaboraram o artigo em que questionam a teoria dos economistas de Harvard.
– No início não acreditei nele. Pensei: ok, ele é
um estudante, tem de estar errado. Eles são economistas proeminentes e ele é um
estudante de doutoramento – revela Pollin.
O professor afirma que durante um mês pressionou o
estudante para rever os cálculos.
– Depois de um mês disse: ‘Ele está certo’ – afirma
o economista.
O artigo dos três investigadores abalou o meio
acadêmico e Herndon pensa mesmo alargar o seu trabalho e torná-lo na sua tese
de doutoramento.
O erro de Rogoff e Reinhart
Em 2010, Rogoff e Reinhart publicaram um artigo,
intitulado Crescimento em tempo de dívida, no qual sustentavam que
países com uma dívida pública acima dos 90% do PIB têm um crescimento muito
inferior comparativamente com os países onde o valor da dívida não é tão
elevado. O estudo dos dois economistas é uma das teorias centrais na
fundamentação teórica das políticas de austeridade para a estabilização do
endividamento público. Para chegarem a tal conclusão, os dois economistas
utilizaram estatísticas de vários países, relativas ao período entre 1946 e
2009.
Primeiro sozinho e mais tarde em conjunto com
Pollin e Ash, Herdon descobriu várias fragilidades no estudo Crescimento em
tempo de dívida, que se podem dividir em três grupos: seleção de dados,
ponderação do peso e códigos de Excel. De acordo com os três investigadores,
foram excluídos da análise anos em que dívidas acima de 90% conviveram com
crescimentos sólidos: Austrália (1946-1950), Nova Zelândia (1946-1949) e Canadá
(1946-1950). Outro dos equívocos prende-se com a ponderação do peso, ou seja,
observações diferentes têm o mesmo peso.
Por exemplo, o Reino Unido teve um crescimento
médio de 2,4% durante 19 anos com uma dívida superior a 90%. Rogoff e Reinhart
deixaram ainda de fora no estudo cinco países com uma dívida superior a 90%, o
que se deve a um erro na fórmula de Excel. Os dois economistas reconheceram já
o erro na fórmula de cálculo, reiterando, no entanto, que continua a haver uma
relação entre a dívida pública elevada e o baixo crescimento econômico.
“É preocupante que tal erro tenha sido incluído num
dos nossos artigos, apesar dos nossos esforços constantes e do nosso cuidado”,
afirmam Rogoff e Reinhart num comunicado de resposta à descoberta do erro. “Não
acreditamos, no entanto, que este lamentável deslize afete de forma
significativa a teoria central do artigo ou do nosso trabalho posterior”,
asseveram os economistas.
Crescimento em tempo de dívida foi utilizado como base para trabalhos posteriores, nomeadamente o
artigo Sobreendividamento: passado e presente, escrito ainda com Vincent
Reinhart, no qual os economistas aprofundam o trabalho anterior.
“Concluímos que elevados níveis de endividamento,
da ordem de 90% do PIB, constituem uma trava de longo prazo para o crescimento,
uma situação que pode durar 20 anos ou mesmo mais. Os custos acumulados são
impressionantes. Desde 1800, as fases de sobre-endividamento duram em média 23
anos e estão associadas a uma taxa de crescimento inferior em mais de um ponto
percentual à taxa de crescimento das fases de menor endividamento. Dito de
outra forma, após 25 anos de sobre-endividamento, as receitas de um país são
25% inferiores ao que obteriam se a taxa de crescimento não tivesse sido
perturbada”, sintetizava Rogoff num texto para o Project Syndicate.
Rogoff e Reinhart lecionam atualmente em Harvard e
já trabalharam para o Fundo Monetário Internacional, em que ocuparam altos
cargos. Antes, Rogoff foi economista-chefe no banco de investimento Bear
Stearns. Já Reinhart trabalhou para a FED, passando antes por Yale e pelo MIT.
Imagem: Thomas Herndon e
doutorando em Economia
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