por Lusa, texto publicado por Paula Mourato
O proprietário da Livraria Artes e Letras,
que, a par da Livraria Olisipo, recebeu ordem de despejo de um prédio do Largo
Trindade Coelho, em Lisboa, classificou hoje a nova lei das rendas como
"uma leviandade de várias instituições".
Os advogados dos dois livreiros já os
desenganaram: a lei não só permite como facilita o que o proprietário do prédio
está a fazer, apresentar como argumento a realização de obras de restauro
profundas para lhes dar ordem de despejo.
Facilita, explicaram-lhes os juristas, porque
o senhorio só terá de pagar aos inquilinos 12 meses de renda, contra os 24
meses estabelecidos na lei anterior.
Os restantes três inquilinos do prédio
situado numa zona histórica da capital, em frente ao Museu de São Roque -- dois
restaurantes e uma pensão - receberam também as respetivas ordens de despejo.
Deverão todos abandonar as instalações até 15
de agosto, como se pode ler na carta reproduzida pelo proprietário da Livraria
Olisipo e que este colocou na montra, à vista de quem passa.
Em declarações à agência Lusa, Luís Almeida
Gomes, da Livraria Artes e Letras, que existe há 25 anos, defendeu que
"foram várias as instituições que contribuíram para esta leviandade".
"Há o legislador, que fez a lei com os
pés, sem pensar nas consequências; há quem aplica a lei, que é o senhorio; e
há, por outro lado, quem legitima esta aplicação da lei, que é a Câmara
Municipal de Lisboa, quando permite que se aprovem obras deste tipo para zonas
históricas como esta e não salvaguarda a manutenção de estabelecimentos como
este".
O problema, na sua opinião, é que "hoje
em dia, os únicos livros que interessam aos políticos são os livros de
cheques".
E prosseguiu: "Dos senhorios eu já nem
falo, porque a lei é uma ferramenta e eles estão a usá-la, porque a têm e têm
esse direito... Nem todos têm de ser patronos das artes, nem todos têm de ser
inteligentes, eles têm direito a ser broncos".
No entanto, sublinhou, "também há
senhorios que apesar de terem estas prerrogativas, não o fazem. Dizem: 'vamos
fazer obras, vocês saem e depois voltam e combinamos então a nova renda'. É
outra postura, é outra atitude".
Várias estantes vazias e uma mala de viagem
aberta, cheia de livros e rodeada de mais, colocada em lugar de destaque no
chão da livraria, anunciam já o fim iminente e "têm um peso
simbólico", observou Luís Almeida Gomes, que se caracteriza como "um
livreiro especializado em assuntos gerais".
Além disso, referiu, "uma livraria é uma
coisa que demora muito tempo a transferir, porque não pode ser tudo ao monte.
Cada livro tem de ir para um sítio certo, de determinada maneira, para depois
sair dali para outro sítio e estar arrumado, porque senão, perdendo um livro,
nunca mais sei onde ele está".
"E também faz parte do meu escape
psicológico começar a preparar-me para essa mudança com tempo, ir fazendo um
luto faseado e começar já a pensar na próxima livraria", admitiu, revelando
que, em princípio, irá instalar-se junto da Assembleia da República.
Ao lado, na Livraria Olisipo, uma das montras
ostenta também uma declaração de luto, numa folha A4 branca debruada a negro, e
quase tudo o que nos últimos meses foi escrito em jornais e blogs sobre a sua
situação.
Ao contrário do proprietário da Artes e
Letras, o da Olisipo, José Vicente, não anda à procura de um novo espaço para
instalar a livraria, acha que não faz sentido.
Está no Largo Trindade Coelho há 32 anos, tem
65 e não quer começar outra vez do princípio, noutro sítio -- até porque os 12
meses de renda a que terá direito, cerca de 3.000 euros, "não chegam para
nada, nem sequer para pagar aos três empregados as indemnizações por
despedimento".
Ainda foi reunir-se com a ministra do
Ordenamento do Território, Assunção Cristas, juntamente com a Confederação de
Pequenas e Médias Empresas para expor o seu caso, mas saiu de lá sem esperança.
"Eu não estou contra os senhorios, a
minha luta é contra a lei, porque ela é injusta, é uma lei em que o senhorio
notifica, executa e recebe, mas não há contraditório, ninguém pode contestar,
porque a lei não permite isso. É como que um confisco", sustentou.
"Sempre fui à luta e vou continuar a
lutar", asseverou José Vicente, "mas quanto ao futuro da livraria,
estou um bocado desmoralizado, não esperava isto a esta altura da vida".
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