O dia a dia na
prisão dos altos executivos que caíram na Operação Lava Jato, da PF
Detenções
sacodem a República no final do primeiro mandato do Governo Dilma
Pedro Cifuentes Curitiba
Os milionários executivos acusados de
organização criminosa, corrupção, fraude na Lei de Licitações e lavagem de
dinheiro no caso Petrobras
lavam sua roupa sob o sol e têm a permissão de caminhar pelo recinto
penitenciário até o começo da noite. As celas são humildes. São apenas seis:
precisam dividir, e as duchas são públicas. Não podem receber alimentos de
fora, mas almoçam e jantam dignamente. Alguns têm direito a uma ligação
telefônica diária. As celas estão menos saturadas desde a noite de terça-feira,
quando 11 dos 23 detidos foram liberados, com a proibição, no entanto, de sair
do país.
Saíram da prisão em silêncio, alguns
deles escondendo o rosto, em companhia de seus advogados. O restante teve a
prisão preventiva ampliada por um prazo de um mês, o que irritou alguns advogados.
Entre eles, Celso Vilardi, advogado de João Auler e Dalton Avancini, máximos
responsáveis da construtora Camargo Corrêa: “Meus clientes estão perturbados
com o fato de que quatro dias depois de ser ditada a prisão temporária, sem
nenhum elemento novo, a prisão preventiva tenha sido ampliada e sejam
comparados ao grau de periculosidade dos outros presos”.
Entre os presos havia presidentes e
ex-presidentes das maiores construtoras do Brasil, oficialmente acusados de
terem organizado junto à petroleira estatal um esquema
de subornos, corrupção e lavagem de dinheiro que, entre 2004 e 2012, pode
ter desviado bilhões de dólares e financiou irregularmente durante anos os
principais partidos políticos (em maior quantidade o governante PT, mas também
o PMDB e o PP).
Um dos primeiros a ser tirado de sua
residência, no Rio de Janeiro, foi Renato Duque, ex-diretor de Serviços da
Petrobras. Seu destino já estava traçado desde o dia em que foram descobertas
suas contas bancárias na Suíça. Ao longo do dia foram caindo nomes
aparentemente intocáveis: diretores da OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior,
Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e Galvão Engenharia, responsáveis por quase
todas as grandes obras do país nos últimos anos. De todas as grandes empresas
de construção brasileiras, só duas (Odebrecht e Andrade Gutierrez) se livraram,
até o momento, de ter um dirigente na prisão. Suas sedes, no entanto, também
sofreram buscas na sexta-feira.
Outro dos detidos, Ricardo Pessoa,
presidente do grupo UTC/Constran, era, segundo as revelações da operação Lava
Jato, o 'chefe do clube', o coordenador do cartel formado por 13 empresas
construtoras. Esses presidentes e diretores-gerais dividiam as obras,
calculavam preços, superfaturamentos e subornos, realizavam reuniões periódicas
no que terminou sendo uma reinterpretação muito particular da política “Compre
Nacional”, que, estimulada pela hoje presidente Dilma Rousseff quando era
ministra de Minas e Energia, tinha o objetivo de desenvolver a indústria naval
brasileira tendo como base a imposição de uma porcentagem de mão de obra,
recursos e maquinário local nos projetos da petroleira.
O que deveria ser um fator de estímulo
ao desenvolvimento nacional abriu brecha para negócios escusos. Os pagamentos
ilícitos eram feitos em dinheiro ou através de transferências maquiadas com a
etiqueta de “serviços de consultoria”, em contas brasileiras ou em paraísos
fiscais. No seleto clube havia inclusive um subgrupo de eleitos “VIP”, formado
pelas empresas ‘gigantes’, Camargo Corrêa, UTC, OAS, Odebrecht e Andrade
Gutierrez, que algumas vezes se reuniam separadamente.
Na última sexta-feira, dia 14, esses
Vips só
tiveram tempo de encher uma maleta pequena com mudas de roupas, livros e uma
necessaire. Os rumores sobre possíveis detenções de executivos estavam
crescendo, mas só alguns dos suspeitos se anteciparam e ligaram para a Justiça
com o objetivo de chegar a um acordo e evitar a prisão. Estupefatos, os
brasileiros ficaram sabendo por toda a imprensa que 300 agentes da Polícia
Federal tinham detido, logo na primeira hora, em 6 estados, 23 dos
profissionais mais ricos e poderosos do país. Depois, tinham sido colocados em
vários aviões e enviados a Curitiba, centro nevrálgico da já famosa Operação
Lava Jato contra a corrupção que envolve a Petrobras, atendendo à sétima etapa
da investigação, chamada de “Dia do Juízo Final”.
Nessa noite, e nas três seguintes,
dividiram celas em uma delegacia repentinamente saturada e tiveram até que
jogar alguns colchões no chão, já que em uma das dependências continua
completamente isolado o doleiro
“arrependido” Alberto Youssef, cujo testemunho na Justiça, junto com o de
um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e um executivo da empresa Toyo
Setal Júlio Camargo, levou a algumas das detenções e mudaram para sempre o rumo
do maior escândalo de corrupção da história brasileira.
Tamanhos são os valores supostamente
desviados no esquema descoberto, tão volumoso é o processo judicial, e tão
inesperadas são as revelações dos últimos delatores que ninguém parece estar
muito certo de nada nos escritórios da Superintendência da Polícia Federal em
Curitiba, em cuja carceragem estão os acusados. Os agentes cortaram a
comunicação com os jornalistas até que sejam concluídos os depoimentos dos
detidos. A entrada do local, com várias câmeras de televisão localizadas na
porta, é um ninho de fofocas. Os rumores sobre novas delações entre os detidos
são constantes, ameaçando quebrar definitivamente o futuro de alguns acusados e
a tranquilidade de muitas pessoas cujos nomes ainda não apareceram diretamente
ligados à investigação (políticos, empresários e intermediários).
“É impossível saber onde isso vai
terminar”, reconhece em particular um dos advogados presentes, que acaba de
assessorar seu clientes durante meia hora antes de um depoimento ao juiz. Até o
momento, o juiz Sergio Moro, que comanda a investigação, ordenou a quebra do
sigilo bancário dos presos e o Senado aprovou fazer o mesmo com um homem cujo
nome tem aparecido com frequência na imprensa: João
Vaccari, tesoureiro nacional do PT, acusado de ser um “operador do esquema”
por Costa, que afirmou à Justiça que 3% dos contratos era destinado
integralmente aos cofres do PT.
Não menos decisiva foi a delação
premiada, no mês de outubro, de Julio Camargo, da Toyo Setal: não só rompeu a
estratégia de negação ferrenha das acusações por parte das empresas
corruptoras, como também eliminou qualquer dúvida sobre a detenção de Renato
Duque e induziu o arrependimento de outros acusados relevantes: Augusto Ribeiro
de Mendonça, também executivo da Toyo Setal e presidente da Associação
Brasileira de Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav); e o ex-gerente
de Engenharia da Petrobras Pedro Barusco, que se antecipou à ação do dia 14 e
propôs proativamente à Polícia um acordo de delação premiada similar aos de
Costa e Camargo, mas com muito mais dinheiro para devolver. Além de fornecer
informação relevante, entregaria 100 milhões de dólares em troca de uma
eventual redução de pena e direito à prisão domiciliar. O valor é o maior na
história do Brasil a ser devolvido por um delator arrependido e equivale
aproximadamente à quantidade gasta pela presidente Dilma Rousseff ou por seu
adversário Aécio Neves na recente campanha eleitoral. Até o momento, cinco
delatores premiados devolveram 423 milhões de reais aos cofres públicos.
Enquanto isso, a Petrobras cai na Bolsa
(com um raro respiro nesta quarta-feira, de alta de 2,65%) e adia
a publicação de seus resultados trimestrais em meio a uma assustadora crise
de imagem, as construtoras interrogadas buscam fechar acordos com as
autoridades para que as obras em andamento não sejam paralisadas pela
investigação, e a oposição acumula munição para atacar o segundo mandato de
Dilma Rousseff. As 23 prisões decretadas na ação de sexta-feira talvez sejam
consideradas no futuro um ponto de virada na evolução institucional do país.
Nesse sentido se manifestou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima na
tarde da própria sexta: “Hoje é um dia republicano. Todos somos iguais, e
aqueles que cometem um crime devem ser punidos da mesma forma”.
Imagem: Executivo da UTC deixa PF após
cinco dias de prisão em Curitiba. / R. B. (REUTERS)
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