Desta vez, escrevemos este artigo visando revelar o sentimento linguístico da vasta Comunidade da Província do Kuanza-Sul radicada em Angola e no exterior, representada por diversas organizações locais e as Autoridades do Poder Político Tradicional.
Reis Luís “Mbwango”
http://blogavkalunda.blogspot.com/2006/06/ns-e-o-repdio-do-termo-ngia-por-reis.html
Todos «Nós» recebemos com profunda honra e gratidão a inserção no mosaico linguístico da Rádio Nacional de Angola (RNA) a língua que aproxima a grande maioria dos municípios daquela Província. Através do Canal N’gola Yetu da nossa Rádio, ela está a ser escutada por milhares de angolanos.
Bem haja o povo angolano e a cultura nacional!É nossa fé e verdade que a língua não só veicula construtos e valores culturais de cada povo, como revela fundamentalmente o próprio homem – um homem que se revê e reencontra nas suas experiências e realizações a dignidade cultural da sua história. O valor que nos une ao mesmo espaço geopolítico, obriga-nos, apodicticamente, ao diálogo de línguas, à aproximação e respeito das nossas diferenças.
À luz da investigação iniciada pela ASNAC (Associação dos Naturais e Amigos da Cela), no Waku-Kungu, cujos resultados serão compilados numa obra escrita em próximos anos, a palavra “ngóia” remonta ao período dos Kilombo (pousada de viandantes). Sendo o Município da Cela uma zona fronteiriça com o Bailundo, Kassongue e Bié (ovimbundus) e em virtude da escassez dos produtos do litoral (sal e peixe) e os inevitáveis contactos entre diferentes povos devidos aos movimentos migratórios, a Cela (de Zela = ndandi ia) serviu de travessia, fazendo da encosta da montanha Kambandua que, por ignorância culpável e generalizada, é designada de “ngóia”, um kilombo. Kambandua é, portanto, uma das grandes montanhas situadas a sudoeste da cidade do Waku-Kungu.
Em toda a parte do mundo, as zonas fronteiriças e não só, com povos de diferentes línguas, o estrangeirismo (presença de palavras de outras línguas numa língua) é um facto de todo em todo indesmentível. Conquanto essa realidade não é aferível em sede da temática Bantu nem dela se infere. Historicamente, debaixo da montanha Kambandua vivia um chefe de família que dadas as situações de segurança e protecção do seu clã não mantinha boas relações com os viandantes que pousavam próximo da sua pequena comunidade. Dessa fricção e da não hospitalidade que os viandantes esperavam do chefe de família daquela comunidade sedeada no actual Município da Cela, surge por alcunha a palavra “Olongoia”, cujo percurso semântico socorrer-se-á denotativa ou figuradamente da língua umbundu.
Um nome é dado porque tem referentes e sentido (significado) e simbolismo que enforma o espírito de cada língua. O nome encerra um simbolismo cultural que se traduz na ideia de presença e protecção; pelo nome evoca-se, vê-se o ausente. O nome remete-nos a uma língua e esta a um determinado grupo etnolinguístico. “Ngóia” é um nome que tanto por composição quanto pela derivação não tem acomodação no acervo linguísitico do grupo ambundu de que somos parte. E como não é demonstrável em Cela ou Kimbundu é refutável; e como não tem fundamento nem relações lógicas que nos permitam confirmá-la deve-se infirmá-la, pois o nome não significa apenas, mas fundamentalmente revela e coloca o homem na sua cultura.
É em respeito à identidade linguístico-cultural do povo e por se julgar ilícito falsear a identidade de um povo com dignidade moral e cultural próprios que não nos pautamos em meras constatações determinadas pelas concepções de carácter pragmatista (ngóia significa pelo uso) ou empirista clássica orientada pelas definições ostensivas que anatam a semântica.
A propagação do termo “Ngóia” deveu-se às seguintes razões: 1) As comunidades naquele tempo consumiam a informação sem a contra-informação (nevoeiro informacional).
2) Os viandantes entravam com maiores facilidades em contacto com as diferentes comunidades, fazendo correr e generalizando para todos a alcunha “olongoia” em referência ao kilombo.
3) A nominação das línguas é produto da racionalidade europeia – isto para dizer que as línguas não tinham nome. O homem e a língua, em África, neste nosso continente, respondem à mesma natureza.
Nunca ninguém se preocupou em dar nome à língua, porque esta é a revelação do próprio homem na sua história, cultura e lugar. A nossa sugestão é que de Ngóia se passe à língua KISOKO no Canal N’gola Yetu da nossa RNA. Em respeito à identidade linguística e à vontade do povo, sugerimos nomes que signifiquem e traduzam as experiências culturais do homem na sua língua, como por exemplo, KISOKO. Entre «Nós», o homem da Cela, no Waku-Kungu, é Kisoko do homem da Quilenda, Libolo, Porto-Amboim, Mussende, Ebo e Kibala. Essa palavra (Kisoko) não só significa, mas age na pessoa.
Transmite um sentimento de unidade, amizade e solidariedade. É uma palavra latente em «Nós» mesmos e assumimo-la culturalmente como uma palavra-chave nas relações interpessoais. O modo como os “kisoko” trocam palavras entre si e agem por excesso de confiança faz-nos ler, de facto, a cultura como vivência e não um mero joguete nominalista.Em várias partes do Kuanza-Sul é comum ouvir-se dizer que “aqui fala-se Kimbundu do Kuanza-Sul”, precisamente para diferenciá-lo do Kimbundu de Malange, Bengo, Luanda, Kuanza-Norte, já que se trata de um mesmo grupo etno-linguístico, diferenciado apenas pela dicção, variações no que toca à expressividade, mas permanecendo o sentido genérico.
Portanto, KISOKO é um termo que aglutina a esmagadora maioria dos sentimentos das comunidades sedeadas nos Municípios da Província de Kuanza-Sul. Esta vontade – de preferirmos KISOKO pelas razões apresentadas – tinha sido já manifestada muito antes de aprovar a inserção de uma língua do Kuanza-Sul na grelha da RNA.
Que de “Ngóia” se passe à KISOKO. É este o nosso profundo desejo. Enfim, que sejam respeitadas as opiniões das maiorias (e das minorias também)! Pelo menos é assim que nos ensinam as democracias hodiernas.
*reisluis2000@yahoo.com.br
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