terça-feira, 20 de setembro de 2011

CULTURA TRADICIONAL BANTU. A rapariga deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira menstruação.


O «moyo» sobrevive à morte e passa a viver com os antepassados. A alma dupla (nfumu nkutu), alguma coisa semelhante à alma sensitiva, completa a personalidade humana, pois é o princípio da percepção sensível. Reside no órgão auditivo e anima ouvidos e vista. Pode andar errante durante as síncopes e o sono. Origina a sombra que segue o homem. Desaparece à hora da morte.
O nome, quarto elemento, deve mudar sempre que se dá uma mudança substancial na pessoa.

Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas

O «muxima», coração em quimbundo angolano, encerra toda a riqueza do universo pessoal do homem. «Não é só a origem e o conjunto das emoções e dos afectos sensíveis, nem só o motor da vontade, nem só a fonte do pensamento, nem só a própria pessoa na sua originalidade individual: é tudo isso de uma só vez».
O «muxima» distingue-se do coração físico do homem. O delicado humanismo banto: hospitalidade, calor humano, solidariedade, agradecimento e cortesia revela o refinamento do «muxima». Por isso, a grande aspiração é possuir um «muxima» poderoso, viril, já que dirige, em definitivo, define e valoriza o homem. Analisar o coração equivale a analisar a totalidade do homem.

Certos grupos bacongos asseguram que alguns génios, cujo habitat é a água, podem introduzir-se no corpo do banhista. Pela cópula encarnam e originam filhos anormais, como os albinos e gémeos. Outras vezes, atribuem o nascimento anormal à infidelidade materna, pois que um só pai não pode gerar dois filhos.
Os gémeos são considerados, em muitos grupos, anormais e perigosos para a sociedade. Daí as cerimónias propiciatórias exigidas pela comunidade ameaçada. A mãe dos gémeos fica sujeita a tabus especiais.

Há que advertir que nem todos os grupos bantos realizam estes ritos de iniciação. Mesmo em Angola, há grupos que desconhecem e outros que a praticam parcialmente. Por isso, as nossas afirmações referem-se só aos grupos que exigem os ritos de iniciação.

Os companheiros de iniciação ficam unidos para sempre por laços indestrutíveis. Ajudam-se e defendem-se uns aos outros. Nasce um sólido sentimento de fraternidade, chamam-se «irmãos». Estes laços podem prevalecer sobre os familiares e clânicos, porque os preceitos da iniciação são sagrados. Juro pela «muhanda» (nome quimbundo destes ritos de passagem), é uma expressão sagrada.
O grande rito termina por juramentos solenes: «Nem à mulher com quem dormires poderás contar o que fizestes na muhanda; esconde, nega, desfigura, senão morrerás».

Iniciação feminina
Os ritos de passagem e iniciação da rapariga púbere não tem quase relevo nas sociedades matrilineares. Ou desapareceram ou ficaram reduzidos a insignificantes ritos simbólicos.
Em Angola, a iniciação é praticada por vários grupos: Ganguela, Tshokwe, Nhaneka-Humbe, Ambó.
A rapariga deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira menstruação. Nalguns grupos, iniciam-se antes e, noutros, depois de passar dois anos ou mais, ou associam-na ao contrato matrimonial.
Nalguns ritos, estes ritos duravam meses e até anos. Assim as instruíam e preparavam para todas as funções femininas. Normalmente duram poucos dias, apenas três ou quatro. Reduziram-se a uma cerimónia única, e realizam-se nas aldeias e na casa paterna.
A rapariga deve apresentar-se virgem a estes ritos, de contrário sofre vexações e paga uma indemnização, além de atrair a vergonha para ela e para a sua mãe, responsável pela sua educação. Antes, podiam ser mortas com uma lança.
Se aparecer grávida, a desonra assume a maior gravidade. Costumavam ser mortas. Se uma rapariga cuanhama dava à luz, antes da «efundula» (assim se chamam os ritos iniciatórios), prenunciava a morte do soberano. O nascimento dum menino, cuja mãe não passou por estes ritos, é um indício muito funesto.

Entre os Cuanhamas, no segundo dia da «efundula», as raparigas bebem uma cerveja especial, misturada com drogas, em que se incluiu um pouco de esperma dum circuncidado doutro grupo, já que eles não praticam a circuncisão.
No «olufuko» dos Cuamatos, a mestra anciã prepara uma cerveja com drogas da qual retira uma porção numa taça; nela, um circunciso lava o seu membro viril três vezes. A rapariga, que desconhece estas práticas, bebe um gole. O resto, a mãe vai-lho derramando pelo baixo-ventre até correr por uma enxada, que lhe colocaram debaixo dos membros inferiores.

Mutilações sexuais
Bastantes povos negro-africanos praticam a excisão ou clitoritomia. Aparece como excepção entre alguns grupos bantus.
Numa operação dolorosa e cruel extirpam o clítoris com uma faca candente, com pedaços de vidro, com uma lâmina de barbear, com uma faca de sílex ou com um tição incandescente. Muitas vezes também cortam os lábios pequenos e grandes da vulva. A operação é feita por mulheres especializadas, que, nalguns lugares, aplicam urtigas como dolorosa anestesia. Costumam fazê-la quando a jovem chega à puberdade e, nalguns grupos, logo que chega aos oito ou nove anos.
A excisão pratica-se sobretudo nos países árabes ou islamizados: Egipto, Sudão, Djibuti, Emirados Árabes Unidos, Omã. Na África negra: na Nigéria, Mali, Guiné, Costa do Marfim e outros povos da África oriental. Os Kikuyus, povo bantu do Quénia, parece que são os únicos que exigem inexoravelmente a excisão a todas as mulheres. Jomo Kenyatta nem concebia que se pusesse em dúvida o valor social e até religioso, além de ético, desta horrível prática. A clitoritomia é uma iniciação pela qual a jovem alcança o estatuto social de mulher. Nenhum kikuyu casará com uma mulher não iniciada, e, inclusivamente, é perigoso magicamente relacionar-se sexualmente com quem não sofreu a excisão.
… Noutros lugares, como a Etiópia, pensam que é uma medida higiénica com consequências morais positivas que garante a feminilidade. Na Costa da Marfim, convencem-nas de que doutra forma não terão filhos.
Esta prática vergonhosa já foi denunciada pela ONU, que avalia em 70 milhões as mulheres mutiladas.
À infibulação, precedida ou não da clitoritomia, sujeitam-se as mulheres dos países islamizados do nordeste africano, Sudão, Etiópia, Somália, Eritreia, Djibuti, Chade.Quase exclusiva dos muçulmanos, parece que esta prática não se conhece na área bantu.
… A ruptura do hímen é mecânica e é feita por uma mulher idosa com os dedos ou utilizando um pequeno instrumento. «Na Costa ocidental da África, as jovens são desfloradas com a ajuda dum bambu, que conservam dependurado da vagina cerca de três meses. À volta da vulva colocam formigas que devoram as ninfas e o clítoris».

O substantivo da língua quimbunda «kilembu» significa «soma de géneros, artigos ou dinheiro». E o verbo, também quimbundo, «kulemba» significa «prestar homenagem ao futuro sogro por meio de presentes convencionais». Alambamento deriva directamente deste verbo, depois de suprimir o radical do infinito «ku» e de lhe acrescentar a desinência «mento» por influência do português. Do mesmo modo surgiram outras palavras como «xinguilamento», «sunguilamento», «sabulamento».

Poliandria
…. Existe entre alguns grupos esquimós que praticam o infanticídio das meninas pelo encargo que representam.
Entre os tibetanos agricultores, vários irmãos compartilham a mesma esposa. Parece que tentam reduzir assim o número de herdeiros para que o património se transmita indiviso.
Os Wahumas da África oriental praticam-na ocasional e temporariamente. Quando os irmãos ajudam um seu irmão a preparar o alambamento, tem direito a partilhar a esposa a qual fica a pertencer exclusivamente ao marido, a partir da gravidez. Os pastores Todas, do Sul da Índia, também fazem uma mulher esposa de todos os irmãos até à sua gravidez.

Feiticismo
Os Portugueses, desde os primeiros contactos com os povos negro-africanos que estes adoravam feitiços e ídolos. Filipo Pígafetta e Duarte Lopes, na sua Descrição do Reino do Congo, publicada em 1591, afirmavam: «E vimos inúmeros objectos, pois cada qual adorava o que mais gostava, sem regra nem medida, nem razão de qualquer espécie… Escolhiam, como deuses, cobras, animais, pássaros, plantas, árvores, diversas figuras de madeira e pedra, e imagens que representavam estes seres já enumerados, pintadas ou esculpidas em madeira, pedra ou outro material…
Os ritos eram variados, mas todos cheios de humildade, como, por exemplo, ajoelhar-se, prostrar-se de rosto em terra, cobrir a face com pó suplicando ao ídolo e fazendo-lhe oferenda dos bens mais estimados. Também tinham bruxos que os enganavam fazendo crer a esses ignorantes que os ídolos falavam.»

Ao formar as categorias dos seres existentes, eles raciocinaram por “exclusão”. Se não, vejamos: o Pré-Existente não encontra lugar na lista. Não é nem “Muntu”, homem, nem, “Kintu”, coisa, nem “Hantu”, localização, nem, com mais razão, “Kuntu”, modo de ser.
Imagem: oficinadesociologia.blogspot.com

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