segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tatiana Durão Apresenta Single "Crazy"


Luanda - A ex-big brother África (BBA), apresentadora, modelo e agora cantora, a angolana Tatiana Durão, vai apresentar, dia 03 de Fevereiro próximo, no cine Tropical, em Luanda, o primeiro single “Crazy”, que em português significa "louco".

Fonte: Angop CLUB-K.NET
Em entrevista sábado à Angop, Tatiana Durão disse que o single, produzido pela Geelala, estúdio de Londres (Inglaterra), comporta três temas que retratam, no seu todo, aspectos relacionados com o amor, paz, solidariedade e festa.

O single versado num género dançante, segundo a artista, nasceu da falta que sentia em ter algo de novo, apesar de incessantemente desejar cantar.

"Sempre desejei cantar, mas nunca pensei que chegasse a concretizar, porque estava ocupada com as minhas outras paixões", salientou, acrescentado a obra "transmiti liberdade, felicidade e fará as pessoas dançar sem parar".

Este trabalho, de acordo com Tatiana Durão, contou com a participação do músico nigeriano Naeto C, premiado por duas vezes (2009-2010) num canal televisivo da Nigeria.

Salientou que no dia da estreia vai exibir o primeiro videoclipe da obra também designado Crazy. "Este é o momento promocional e de preparação do álbum que sai ainda este ano".

"Já tenho os meus fãs, apenas vou conquistar o meu espaço no mercado discográfico nacional. Perspectivo fazer do Crazy um sucesso (…), uma proposta fantástica que será surpresa", vaticinou.

Noutra vertente, afirmou que o BBA em nada poderá prejudicar os seus projectos musicais. “O episódio faz parte de um passado que já não voltará a acontecer”.

“Espero que quando o público me ouvir a cantar possa ver todo o esforço e dedicação que fiz em mais um desafio”, augurou.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A DITADURA E O CLUB K


José Gama: O CK tem sido alvo de ataques. Iremos superar e sair desta fase. Estamos a estudar o reforço das medidas de segurança.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Paulo de Carvalho, sociólogo e Professor Universitário


Lisboa - Até pouco tempo reitor da Universidade Katiavala Bwila, Paulo de Carvalho é um dos mais prestigiados sociólogos em Angola. Formou-se pela Universidade de Varsóvia em finais da década de 80 mas foi em Portugal pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) que se doutorou em sociologia defendendo como tese um estudo acerca da exclusão social em Luanda.

Fonte: Club-k.net

Enquanto sociólogo, Paulo de Carvalho centrou-se também em pesquisas de opinião e estudos de mercado. Alguns dos seus trabalhos e posições baseadas em estudos habilitados causaram impacto interno no rumo do país. É notabilizado como a figura que teria alertado dois anos antes das eleições que se o MPLA avançasse naquele momento teria nas urnas resultados desfavoráveis. Na altura uma corrente do partido no poder teria se mostrado deselegante com as suas posições dizendo que o sociólogo “estava contra o partido”. Por outro lado, uma outra corrente aparentemente mais tolerante levantou a voz para alertar que ao invés de insurgirem contra o acadêmico deveriam estudar as suas alertas. De seguida, o MPLA encomendou três sondagens de diferentes instituições estrangeiras que apontavam a vitoria do partido no poder com 55% ou 60% dos votos. A prevenção das alertas do sociólogo fez com que um grupo da Casa Militar entrasse em jogo para garantir uma vitoria eleitoral superior as estimativas para o MPLA. Em círculos oposicionistas ao regime, há ainda quem diga que Paulo de Carvalho foi a figura que despertou o MPLA para atribuição dos 82% dos votos.

A nível profissional, Paulo de Carvalho é uma figura que em finais da década de setenta trabalhou na Secretaria de Estado da Cultura onde chefiou o Departamento de Casas de Cultura e o Departamento de Espectáculos. Poucos anos depois, isto em meados da década de oitenta partiu para Polônia onde concluiu a licenciatura e o mestrado em sociologia. Na capital Varsóvia, desenvolveu um trabalho a “Estrutura social da sociedade colonial angolana” e esteve ligado a Associação Polaca de Estudos Africanos. Nos dias de hoje o seu nome é ainda citado com alguma relevância. Quando Angola assinalou ao aniversario dos 30 anos da independência de Angola a embaixada angolana na Polônia convidou-lhe para fazer uma dissertação em alusão a data.

Paulo de Carvalho é também jornalista. Quando regressou a Angola em 1990, após a sua formação no estrangeiro trabalhou no Ministério da Informação para um ano depois ser apontado Director do Centro de Imprensa "Aníbel de Melo". Foi também administrador da Representação em Luanda da OXFAM-G.B por um ano até passar a dedicar-se a consultoria. O mesmo faz parte do sindicato Angolano dos Jornalistas e de outras instituições de sociólogos internacionais.

A sua carreira acadêmica teve inicio em 1996 como docente da Universidade Agostinho Neto onde mais tarde passaria a coordenar a Comissão de Gestão da Faculdade de Letras e Ciências Sociais, de Janeiro de 2005 a Abril de 2006. No seguimento da descentralização da Universidade Agostinho Neto que culminou com a criação de estruturas autônomas nas regiões do países, Paulo de Carvalho foi nomeado reitor da Universidade Katiavala Buila (UKB) que compreende as regiões de Benguela e Kwanza Sul. Enquanto entidade máxima da instituição encontrou as estruturas desorganizadas em termos de admissão mas também movidas por hábitos de corrupção. Declarou combate contra tais praticas provocando o rebentamento de um barril de pólvora. Os funcionários conotados a tais praticas teriam interpretado a sua acção como “estando a estragar o seu pão”. Os docentes acabaram por combatê-lo com criticas ou difamações em jornais. Face ao clima de instabilidade instaurado na instituição universitária, a Ministra de tutela afastou-lhe do posto nomeando um novo reitor, Albano Ferreira, medico e antigo Vice- reitor da UAN, ao tempo de Sebastião Teta.

A primeira vez que o seu lado de combate a corrupção alastrou-se em círculos estrangeiros, foi em meados de 2008. Na altura viajou para a vizinha Namíbia para consultas medicas e no regresso, a 11 de Julho, Paulo de Carvalho viu-se escandalizado com um caso de suborno a bordo da aeronave desencadeado por uma hospedeira da companhia área da Air Namibia, respeitante ao “upgrade” das classes de vôo. Em terra, escreveu um artigo de protesto/ opinião denunciado o sucedido. Em reação a companhia aérea despediu a hospedeira e foi-lhe apresentado um pedido de desculpas formal. O Director Comercial da companhia ofereceu-lhe, em gesto simbólico, uma viagem a Windhoek, mas declinou.

Para o futuro, Paulo de Carvalho prevê regressar a docência na Faculdade de Ciências Sócias da UAN. Personalidades que com ele privam notam-lhe pretensão de reativar os seus projectos de investigação e publicação em curso. Uma informação que tem o wikipia como fonte aponta-lhe como autor de acima de 50 pesquisas e estudos empíricos, com utilização do método quantitativo e do método qualitativo de investigação sociológica (inquérito por questionário, entrevista aprofundada e grupo de discussão). É também administrador da Consulteste, Lda. - empresa angolana de pesquisa de opinião e estudos de mercado.

Em 2008, fez uma sondagem a cerca dos semanários mais influentes ou lidos no país. A sondagem apresentava o Semanário Angolense, N.J e ACapital na liderança das leituras. Dois anos depois 2010, personalidades próximas a Manuel Vicente e Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, decidiram comprar os semanários lideres de audiência por estes terem publicado relatórios de autoria de Rafael Marques que estaria a criar supostos embaraços a imagem do PCA da Sonangol.

domingo, 23 de janeiro de 2011

IGREJA ANGOLANA DE LUTO


A igreja angolana está de luto. Morreu, esta quinta-feira, Dom Eugénio Salesso, vítima de doença, depois de um coma profundo que durou uma semana.

apostolado-angola.org/

O até então bispo emérito de Malanje faleceu na cidade do Huambo, onde residia desde que deixou o trabalho activo.

O padre Dionísio Hissilenapo, do Secretariado da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé disse que Dom Eugénio Salesso se encontrava em coma profundo há já uma semana.

“Praticamente há uma semana que estava em coma profundo no hospital, na cidade do Huambo. Por volta das 21 horas (quinta-feira) recebemos a comunicação de Dom Queirós Alves, Arcebispo do Huambo, a dar conta da morte de Eugénio Salesso que foi o bispo emérito de Malanje” – disse.

“Trabalhou muitos anos em Malanje, mas pertence ao clero do Huambo. Era padre do Huambo quando foi nomeado em 1977 para a Arquidiocese de Malange” – referiu ainda.

“O secretariado da CEAST está consternado por esta morte. São figuras que marcaram a nossa igreja, dedicaram-se e trabalharam profundamente para expandir o reino de Deus no meio de nós” – lamentou.

Sentimento de consternação também em Malanje. O Arcebispo local, Dom Luís Maria, em nome da igreja malanjina, lamenta a morte de Dom Salesso.

“É um sentimento de tristeza de todos, porque é um amigo que se foi” – revelou.

“Faremos uma oração de acção de graças, porque ele, na sua vida pessoal e como bispo de Malanje, significou muita coisa para a igreja. Portanto, damos graças à Deus pela sua vida” – acrescentou.

Dom Luís Maria disse ainda que as exéquias fúnebres de Dom Eugénio Salesso serão realizada entre terça e sexta-feira da próxima semana na cidade do Huambo.

“As cerimónias fúnebres serão realizadas no Huambo. Ele faleceu no Huambo, onde viveu como emérito muito anos”.

Dom Eugénio Salesso faleceu aos 88 anos de idade, 25 dos quais como Bispo da Arquidiocese de Malange.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Entre Crimes, Detetives e Mistérios...(Pepetela e Mia Couto _ Riso, Melancolia e o Desvendamento da História pela Ficção)*



Toda narrativa policial apresenta um crime e alguém disposto a desvendá-lo, mas nem toda narrativa com tais elementos pode ser classificada como policial.**

1.O "falso policial" e o "humor cínico" dos romances históricos contemporâneos

Escrito por Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco
http://www.ueangola.com/

Refletindo sobre a trajetória do romance histórico no Brasil e na América Hispânica, Vera Follain de Figueiredo, em seu livro Da profecia ao labirinto , registra três grandes modelos: o primeiro, que diz respeito à clássica narrativa histórica do século XIX _ cujo paradigma é Walter Scott _, centrado na fé historicista e nos projetos românticos de consolidação do sentimento nacional; o segundo, que abarca os romances da descolonização, ou seja, os romances de resistência do século XX que subvertem, parodicamente, a ótica oficial da história, dando voz aos vencidos; e, por fim, o terceiro que se refere às narrativas históricas produzidas nas últimas três décadas (1980, 1990 e 2000), onde a tensão própria dos romances de resistência desaparece, cedendo lugar a um humor cínico, cuja função é a de acenar ceticamente para a quase completa ausência de utopias e projetos sociais nos contextos históricos contemporâneos, em geral, no alvorecer do terceiro milênio. Essa mais recente forma de romance histórico opera com a descrença, com o fato de saber impossível recuperar, hoje, objetivamente o passado. As próprias incertezas em relação ao presente levam a uma opção por diversos narradores, por várias versões, o que comprova a relatividade não só da ficção, mas também da História. Há um desconfiar permanente, mas os mistérios nunca se decifram por inteiro. Muitos dos novos romances históricos dos tempos atuais vestem a capa das narrativas policiais do século XIX, no entanto o fazem para a desconstrução do próprio subgênero:

O retorno atual, por uma literatura que não se assume como direcionada unicamente para os interesses comerciais, a subgêneros de aceitação popular do século XIX _ tanto ao romance histórico, como ao romance policial _ faz parte do movimento mais amplo de progressivo abandono das atitudes reativas, de protesto, surgidas no século passado, mas acirradas com o modernismo, contra a reificação mercantil da obra de arte operada pelo capitalismo. Trata-se da reapropriação e do deslocamento histórico de antigas estruturas a serviço de uma situação qualitativamente diversa. Retomam-se, hoje, os subgêneros que ocuparam lugar privilegiado na hierarquia, segundo os princípios do sucesso comercial no século XIX. Subgêneros que tiveram raízes na crença no processo histórico e na possibilidade de se atingir a verdade última dos fatos e que tiveram seu tempo áureo antes do estabelecimento da fissura entre uma arte considerada culta e outra vista como produção mercenária..2

Os "falsos romances policiais" contemporâneos se afastam dos textos de suspense e enigma, à Sherlock Holmes. Efetuam uma carnavalização do gênero, que visa, com irônico humor, a assinalar a dispersão e a banalização de crimes e detetives em tempos neoliberais, onde, em muitos países, a corrupção é generalizada e instituída por poderes paralelos e, até mesmo, centrais. Nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, os romances históricos de resistência cumpriram, durante as lutas libertárias e nos primeiros anos do pós-independência, o importante papel de descolonização, repensando, com outro olhar, o passado colonial. Nas literaturas de Angola e Moçambique, por exemplo, são muitos os romances desse tipo, principalmente nas décadas de 1960, 1970 e princípio dos anos 1980, momento em que a afirmação dos nacionalismos se impunha e se fazia necessária em razão da necessidade de reconstrução nacional que a liberdade conquistada exigia. Nos anos 1990 e 2000, quando as utopias libertárias se enfraquecem e o neoliberalismo transnacional atinge as economias periféricas também de África, começa a haver, como acontece com a Literatura Brasileira e as Literaturas Hispano-Americanas contemporâneas, uma transformação nas propostas romanescas de diversos escritores. O viés do humor irônico e o "falso policial" _ traços característicos dos romances históricos atuais _ se fazem presentes também em recentes obras romanescas representativas das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa publicadas em 2000 e 2001, dentre as quais elegemos para análise Jaime Bunda: agente secreto , do angolano Pepetela, e O Último voo do flamingo , do moçambicano Mia Couto, já que, em ambos, além de mistérios, crimes e detetives, convivem, em tensão, o riso e a melancolia, tema principal deste Seminário.

2. O Riso e a Melancolia _ sob o signo da alegoria benjaminiana...

Tanto a narrativa de Jaime Bunda, como a de O Último voo do flamingo se engendram melancolicamente, pois, das entrelinhas textuais, emanam discursos reveladores das incoerências sociais existentes nos contextos históricos de Moçambique pós-1992 e de Angola dos primórdios dos anos 2000 focalizados pelos referidos romances. A melancolia, para Walter Benjamin, não se relaciona à depressão e ao luto, conforme postula a teoria freudiana. De acordo com o pensamento do filósofo alemão, está intimamente relacionada à alegoria, no que esta tem da faculdade "de dizer o outro reprimido" . Os romances de Pepetela e Mia Couto aqui estudados, adotando esse olhar melancólico benjaminiano, realizam, respectivamente, alegóricas leituras das sociedades moçambicana e angolana nos tempos pós-coloniais de globalização econômica. Fazem interpretações, tecidas de lugares "dialeticamente dilacerados" , ou seja, exprimem o sentimento de mal-estar dos quem se encontram inadaptados ao presente, nostálgicos das crenças e valores do passado. Mas essa nostalgia não se traduz como saudade romântica do outrora, e, sim, como dissonância e indignação. Nos dois romances, há uma polifonia narracional, um entrecruzamento de pontos de vista que se mostram melancólicos, ou melhor, "melancoléricos", isto é, expressam a divergência própria dos rebeldes radicais, daqueles que não concordam com a realidade corrupta que os cerca. Etimologicamente, "a palavra melancolia vem do grego, de melanos (=negro) e kholé (=bílis); designa um estado patológico do fígado que produz bílis escura e acarreta depressão, irritação". Em ambos os romances, essa melancolia vem envolta por um riso trágico, ou melhor, por um tom risível, cujos traços jocosos e grotescos desvelam o absurdo do próprio real histórico de Angola e Moçambique. É um riso fechado, travado, cortante. Seu caráter transgressor assinala o indizível, o não-lugar, o sem-sentido que domina, em geral, as instâncias culturais de certas sociedades que se perderam de si próprias. Não são inocentes as risíveis imagens das nádegas volumosas do detive-protagonista Jaime Bunda, nem as do pênis "avulso e avultado" que se encontra decepado no meio de uma rua da vila de Tizangara, logo ao início da narrativa de O Último voo do flamingo. Tais alegorias traçam uma caricatura cáustica e sarcástica dos problemas vivenciados por Angola e Moçambique entre o fim dos anos 90 e início dos 2000.

3. Jaime Bunda: "a pena da galhofa e a tinta da melancolia"...

Elegendo para protagonista do livro de trama aparentemente policial uma personagem kitsch, o romance Jaime Bunda estabelece, de início, com os leitores, um pacto carnavalizador de sátira à sociedade angolana. Jaime Bunda é um estagiário de Polícia a desempenhar o papel de agente secreto na elucidação de um crime que envolve uma menina de quatorze anos, encontrada morta, depois de estuprada, num recanto deserto da Ilha de Luanda. Elucidar o hediondo delito torna-se, contudo, mero pretexto da narrativa que acaba por revelar a existência de outros crimes maiores em Angola, só que estes não podem ser confessados publicamente. Jaime Bunda, desviando-se dos cânones tradicionais do gênero policial, realiza uma dessacralização do investigador clássico, comportando-se como um James Bond à angolana. A infalibilidade do detive-herói é transgredida e ridicularizada pelo contraste com a figura do agente secreto angolano, cujas atitudes caricatas levam-no a ser inserido na categoria de anti-herói: "O James Bond resolvia logo o assunto com um aparelho qualquer, mas ele era um James Bond subdesenvolvido (...)" . Sob o signo da falência e do grotesco, desde a adolescência, o detetive angolano recebera o apelido desmerecedor _ "Bundão" _, por ter fracassado como jogador de basquete, em virtude de o avantajado tamanho dos glúteos lhe roubar a leveza, impedindo-o de saltar conforme exigia o esporte que tentava praticar. Segundo Todorov, em "Tipologia do Romance Policial" , a clássica narrativa de enigma oferece sempre duas histórias distintas: a do crime _ concluída antes do começo da outra _ e a do inquérito. Nesta, as personagens apenas observam e examinam as pistas e os indícios, não realizando ações. O relato da investigação geralmente fica a cargo de um amigo do detetive, como, por exemplo, o Dr. Watson que narra as aventuras do célebre Sherlock Holmes. Nesse tipo de narrativa, o raciocínio lógico é o fio condutor do enredo que se arma, com base em cenas progressivas de suspense, em direção à infalível descoberta, ao final, do criminoso. Em Jaime Bunda, ao contrário do romance policial convencional, o que o leitor encontra o tempo todo é justamente a desmontagem irônica dos clichês característicos desse tipo de narrativa. Há duas estórias: a do crime e a do inquérito; porém, esta não é narrada por um amigo do detetive, e, sim, por uma polifonia discursiva que alterna as vozes de quatro narradores, todos falseadores e despistadores do assassinato inicial. A estória deste é apresentada no Prólogo por um pseudo-autor, ou seja, um autor ficcional que comanda os quatro narradores e, ao mesmo tempo, se esconde e se revela, sendo marcado o seu discurso em itálico e entre colchetes, toda vez que faz uso da palavra. O primeiro narrador se mostra ingênuo e imprudente, logo sendo demitido pelo pseudo-autor; o segundo, Malika, é quem escreve o relatório do crime, não o da morte da menina de quatorze anos, porém o da corrupção e contrabando disseminados em Angola, principalmente após o ingresso desse país na economia transnacional de "livre mercado"; o terceiro narrador é o mais ferino e mordaz, possuindo um humor cético e corrosivo como o de Machado de Assis; emite sarcásticas críticas, funcionando como um duplo do autor ficcional; o quarto narrador retoma a função do relatório e tenta unir tudo, no entanto, também não consegue deslindar nada. O grande enigma, no fundo, é o desvendamento pelo leitor da enunciação polifônica do romance que, operando com o fingimento escritural, sinaliza para o cinismo social, para a descrença no poder instituído em Angola, atingida também pelas leis do FMI e Banco Mundial. O pseudo-autor aparece no Prólogo, no Epílogo e faz recorrentes intromissões aos discursos dos quatro narradores, atuando como um autor intruso, semelhante aos dos romances de Machado de Assis. Vejamos um exemplo, quando se refere ao Livro do Segundo Narrador, Malika, a bailarina libanesa, oprimida por Said, o árabe contraventor, aliado da misteriosa personagem denominada, o tempo todo, de "T":

[Esse relatório, com pequenos cortes e alguns arranjos, muitas vezes derivado da tradução, mas sobretudo para disfarçar o estilo de relatório, constituiu o Livro do Segundo Narrador, como os leitores certamente já repararam, se não andaram a saltar demasiadas páginas só para descobrir viciosamente como acaba a estória.]12

O interessante é que, em vez de fornecer pistas para a descoberta do criminoso da menina de quatorze anos, o pseudo-autor vai despistando, criando entradas falsas para desconstruir o próprio subgênero parodiado. Ele mantém enigmática a figura tenebrosa do "T", o chefe do Bunker, e vai manipulando ou descartando, quando necessário, os vários narradores do romance. Exerce, desse modo, o papel de um super-Autor, que Vanessa Ribeiro _ mestranda da UFRJ, em sua monografia sobre este livro de Pepetela _ comparou a uma espécie de "big brother africano" . Esse autor ficcional vai insinuando, em contraponto, nos bastidores, ou seja, nas malhas e lacunas dos discursos dos quatro narradores, que a argumentação e o relato desses não demonstram uma lógica pertinente às autênticas narrativas de enigma. Evidencia, com ironia, que o detetive Jaime Bunda, embora fizesse inferências e deduções, buscando rastros e pegadas do misterioso assassino visto na Ilha, num luxuoso carro preto, cada vez mais, se afastava da decifração do crime, pois os índices por ele levantados, ao invés de o levarem ao delito relatado no Prólogo, o arrastavam vertiginosamente para os meandros de uma rede complexa e ampla de contrabandos e corrupções que envolviam não só estrangeiros, como também personalidades importantes _ e por isso mesmo intocáveis _ do governo de seu país, onde a falsificação dos kuanzas _ a desvalorizada moeda de Angola _ era resultado da intensa política de dolarização da economia angolana, ocorrida principalmente nos anos 1990 e 2000. Apesar de o livro Jaime Bunda, em virtude de apresentar um detetive frágil, grotesco e falível, se aproximar mais dos romances policiais americanos ou da "série negra", também falseia esse tipo de narrativa, denunciando o aspecto kitsch dessa literatura de crimes e investigações. Se os freqüentes jogos intertextuais com célebres protagonistas e passagens de conhecidas estórias policiais têm o objetivo de perfilar o romance de enigma ou o de "série noire" em relação a outras narrativas do gênero, em Pepetela essa metalinguagem tem uma função dessacralizadora e paródica. Pode ser lida como cáustica crítica à indústria cultural norte-americana que costuma jogar seu lixo nos países periféricos . Pode também ser interpretada como uma pungente alegoria da situação de Angola, violada e violentada _ como a menina do crime narrado no Prólogo _ por poderes ocultos, "silenciados, pudicamente, sob sete véus"... A par do riso trágico e do tom grotesco de Jaime Bunda, esse romance de Pepetela termina em aberto e de modo muito sério, deixando no ar, ambiguamente, ao lado de um travo de dor, uma predisposição sonhadora e utópica. Machadianamente, a pena de Pepetela segue os caminhos da galhofa, e, simultaneamente, se cobre com a indignação das tintas de uma melancolia benjaminiana que expressa a "cólera dos justos". O pseudo-autor, embora sabedor do desencanto contemporâneo que envolve Angola no início dos anos 2000, retoma a palavra no Epílogo, para lembrar _ mesmo que colocando sob irônica suspeita _ a presença dos sonhadores e ingênuos como Gégé _ mano mais novo de Jaime Bunda _ que continuam a correr, de peito aberto, para ajudar a reformar o mundo, apostando _ como defende Cinda Gonda _ no poder de transformação e "permanência das utopias" .

4. Entre o risível e o trágico _ o vôo mitopoético do flamingo...

Também o romance O Último voo do flamingo, do escritor Mia Couto, apresenta um viés utópico, a par da imagem apocalíptica do abismo em que, alegoricamente, ao final da narrativa, afunda Moçambique, e do tom trágico-melancólico emanado das misteriosas explosões dos capacetes azuis _ como eram chamados os soldados da ONU _, que tinham vindo trabalhar, no pós-guerra, na desminagem do país, logo em seguida à assinatura do acordo de paz em 1992. O romance é uma fingida narrativa policial, pois começa e termina de modo fantástico, o que é incompatível com as clássicas estórias de enigma, onde devem predominar a lógica e a razão. A cena inicial insere o leitor, de chofre, numa trama narrativa que se tece entre o risível e o insólito, entre a dor e a perplexidade de ver fragmentos de corpos humanos indo pelos ares como, por exemplo, um pênis decepado que acabou criando a maior polêmica, porque ninguém sabia a quem pertencia, tendo sido chamada, então, Ana Deusqueira, a prostituta da cidade, para tentar identificá-lo. O riso que se instala é desconcertante, pois chama atenção, ironicamente, para o ridículo da situação, emitindo uma crítica mordaz à sociedade moçambicana, cujo poder corrupto e falido das autoridades é alegorizado pela imagem do falo amputado. É um riso incômodo que perpassa o melancólico desenho caricato das personagens típicas, entre as quais: Estêvão Jonas, o Administrador, cujas práticas desonestas o levaram ao enriquecimento ilícito; e sua esposa Ermelinda, a "administratriz", que gostava de exibir "mais anéis que Saturno" e fazer "tilintar os ouros, multiplicados em vistosos colares." As explosões em Tizangara _ vila imaginária, que funciona como metonímia de Moçambique _ tornam-se apenas pretexto da investigação para a qual foi nomeado o soldado italiano Massimo Risi. O grande enigma a ser elucidado não são essas mortes misteriosas, mas a própria cultura moçambicana, vítima de tantas destruições e ruínas, do desprezo pelas tradições, cujo esgarçamento foi resultado tanto do colonialismo, como das guerrilhas pós-independência que não respeitaram os saberes e religiosidades do povo. Interessante notar que quem narra a história não é um amigo do investigador, conforme costuma ocorrer em romances policiais, porém um narrador-tradutor, que procura levar o estrangeiro a entender "as coisas da terra", tentando estabelecer uma ponte (como se isso fosse possível...) entre as tradições orais e a escrita. O tradutor acumula, na narração propriamente dita, as funções de narrador e personagem, e, no Prefácio, assumindo uma temporalidade posterior à da estória narrada, desempenha o papel de pseudo-autor e, adotando a primeira pessoa, confessa logo à saída: Fui eu que transcrevi, em português visível, as falas que daqui se seguem. Hoje são vozes que escuto senão no sangue, como se a sua lembrança me surgisse não da memória, mas do fundo do corpo.(...) Mas o que se passou só pode ser contado por palavras que ainda não nasceram. Agora, vos conto tudo por ordem da minha única vontade. É que preciso livrar-me destas minhas lembranças como o assassino se livra do corpo da vítima.

O tradutor, ao invés de facilitar as investigações do italiano Massimo Risi, já que havia sido incumbido de lhe traduzir o imaginário local, acaba _ por ser isso impossível _ comportando-se como um criminoso que desejava desvencilhar-se, o mais rapidamente, das marcas do crime. E este, no fundo _ como o leitor descobrirá ao término da leitura _, é a imensa destruição das tradições de Moçambique por alguns dos próprios governantes moçambicanos que, após a Independência, terminaram por abrir mão dos princípios éticos e ideológicos dos tempos revolucionários, ingressando no neoliberalismo econômico e vendendo o país ao estrangeiro. Essa é a grande crítica que subjaz à narrativa, introjetando no discurso enunciador um gosto melancólico profundamente benjaminiano. Este, entretanto, na denúncia social empreendida pelo jogo dialógico entre enunciado e enunciação, se hibridiza com os aspectos risível e satírico da linguagem, dessacralizando, assim, a moral viciada e viciosa daquela sociedade. Mas, os requintes de engendramento ficcional de Mia Couto não param aí. Mesclando as fronteiras dos gêneros, realiza uma prosa que respira poesia, indo do trágico ao satírico, do épico ao dramático e ao lírico. Em O Último voo do flamingo, o tradutor tenta ensinar Risi a pisar o chão moçambicano, recuperando tradições, mitos, lendas esquecidos em razão dos longos anos de colonialismo e guerra. Através das lembranças que guardou da mãe, do pai Sulpício, o tradutor tenta reencontrar a identidade dilacerada por tantas opressões e imposições feitas pelos colonizadores que silenciaram sua cultura. Por meio do convívio com o feiticeiro Zeca Andorinho e com Temporina, a moça-velha, tenta passar ao investigador italiano as crenças e a visão africana de mundo, segundo as quais os antepassados continuam, após a morte, interferindo no mundo dos vivos. Risi declara que não consegue entender isso. Talvez, o abismo, onde se dilui o país, no desfecho do romance, represente, alegoricamente, esse fosso enorme existente entre a cultura africana e a estrangeira, entre a oratura e a escrita, entre as tradições moçambicanas e a modernidade ocidental. Não é a língua que Massimo Risi não compreende, mas os modos de sentir, ver e pensar daquela gente. A hiância entre dois mundos diversos permanece, assim como também fica sem explicação a causa das explosões. Os depoimentos e falas das personagens representativas da cultura moçambicana, ao invés de esclarecerem o investigador, o confundem ainda mais. O tradutor vai despistando e embaralhando o investigador, de modo que a narrativa se revela antipolicial, principalmente quando o onírico surpreende o epílogo romanesco, com a imagem de Moçambique perdendo o chão, imergindo numa imensa cratera. Na última página do romance, à margem do precipício, o tradutor e Massimo Risi transformam a folha, onde escreviam, em uma gaivota de papel que atiram sobre o despenhadeiro. Tal imagem representa, alegoricamente, o vôo mágico da poesia, trazendo também a lembrança da lenda contada pela mãe do tradutor que explicava serem os flamingos cor-de-rosa os pássaros da esperança, pois eram eles que empurravam o sol para o outro lado do mundo, anunciando, sempre, a cada manhã, o nascer dos dias. Com esse remate mitopoético, o romance de Mia Couto termina de modo lírico, deixando entreaberta a possibilidade de poderem surgir, para Moçambique, novas utopias.

5. Concluindo...

Muito mais haveria a dizer sobre os dois romances analisados. Contudo, em razão do tempo, torna-se necessário parar por aqui, ressaltando, apenas, que, embora tanto Jaime Bunda, como O Último voo do flamingo operem com o riso irônico e com a melancolia benjaminiana, trilham direções um pouco diversas. Enquanto Pepetela usa uma linguagem mais cáustica, cujos procedimentos têm algo do ceticismo e da ironia empregados por Machado de Assis, Mia Couto, num estilo, em alguns aspectos, semelhante ao de Guimarães Rosa, faz o risível e o trágico contracenarem com um intenso lirismo fundado na artesania poética da linguagem. Observamos, em suma, que as duas obras estudadas, sob a capa de um "falso policial" ou de um "policial às avessas", além da crítica irônica e contundente empreendida em relação à história atual de Angola e Moçambique, apresentam desenlaces em aberto, que apontam para alegóricas imagens utópicas, insinuando, nas entrelinhas textuais, que nem tudo está definitivamente perdido.

RESUMO: Crimes, detetives e mistérios. Os enigmas e vazios da História repensados pela ficção. Pepetela e Mia Couto: a inversão paródica do romance policial clássico. O "romance de enigma" e o "romance negro": desconstruções, subversões, recriações. O risível e a melancólica consciência do real: a denúncia crítica dos atuais contextos históricos de Angola e Moçambique imersos na política de globalização neoliberal.

MICRO-CURRICULUM:

CARMEN LUCIA TINDÓ SECCO é Doutora em Letras Vernáculas ( UFRJ, 1992 ), Supervisora do Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora do CNPq. Desenvolve a pesquisa Sonho, Paisagem e Memória nas Literaturas Africanas. Publicações nas áreas de Literaturas Africanas e Brasileira, entre as quais: Morte e prazer em João do Rio (Rio: Francisco Alves, 1976), Além da idade da razão ( Rio: Graphia, 1994), Guia bibliográfico das literaturas africanas em bibliotecas do RJ (Rio: F. Letras / UFRJ, 1996), Antologias do mar na poesia africana ( Rio: F. Letras / UFRJ, 1996, 1997, 1999. 3 v. ); Antologias do mar na poesia africana- Angola. Luanda: Ed. Kilombelombe, 2000.

*Trabalho apresentado na UFF, em 7/11/2002, no Seminário Riso e Melancolia, a ser publicado nas Atas do referido evento. **REIMÃO, Sandra L.O que é romance policial. SP: Brasiliense, 1983. p. 8.

1 FIGUEIREDO, Vera Follain de. Da profecia ao labirinto: imagens da história na ficção latino-americana contemporânea. Rio de Janeiro: Imago e EDUERJ, 1994.
2 FIGUEIREDO, Vera Follain de. Síntese do livro Da profecia ao labirinto: imagens da história na ficção latino-americana contemporânea.. In: http://members.tripod.com/~lfilipe/Vera.html , consulta à Internet em 23/03/2000. 3 PEPETELA. Jaime Bunda, agente secreto. Lisboa: Editora Dom Quixote, 2001. 4 COUTO, Mia. O Último voo do flamingo. Lisboa: Editora Caminho, 2000.
5 KOTHE, Flávio. A Alegoria. São Paulo: Ática, 1986. p. 7.
6 KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 27.
7 Idem, p. 102.
8 PEPETELA, Jaime Bunda, 2001, p. 120.
9 TODOROV, Tzvetan. "Tipologia do romance Policial". In:_. As Estruturas narrativas. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. pp.94-97.
10 PEPETELA, Jaime Bunda, 2001, p. 274. [grifo nosso]
11 RIBEIRO, Vanessa. Fala, Malika, Fala _ o discurso da virada ou a falsa libertação ?. Monografia final apresentada à Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó Secco, na disciplina Entre Crimes, Mistérios e Detetives, código LEV 782, ministrada no Mestrado em Letras da UFRJ, no 1º semestre de 2002.
12 FERREIRA, Rita de Cássia Silva. Jaime Bunda: um policial às avessas?! . Monografia final apresentada à Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó Secco, na disciplina Entre Crimes, Mistérios e Detetives, código LEV 782, ministrada no Mestrado em Letras da UFRJ, no 1º semestre de 2002.
13 GONDA, Cinda [Profa da F.Letras/UFRJ]. Pepetela, a permanência da utopia. Monografia final apresentada à Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó Secco, na disciplina Entre Crimes, Mistérios e Detetives, cód. LEV 894, ministrada no Doutorado em Letras da UFRJ, no 1º semestre de 2002.
14 COUTO, Mia. O Último voo do flamingo, 2000, p. 11.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A Pedra de Dighton. Teoria Portuguesa – Século 20


Em 1918, Edmund Burke Delabarre, professor de psicologia da Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, EUA, detectou o nome de Miguel Corte Real e a data de 1511 gravados na Pedra de Dighton.

http://www.academyofcodfish.com/pedra_de_dighton.htm

Em 1951, José Dâmaso Fragoso, professor de português e métodos de ensino da Universidade de Nova Iorque, descobriu três Cruzes da Ordem de Cristo.

Em 1960, Manuel Luciano da Silva, médico especialista em Medicina Interna, no Cntro Médico de Bristol, Rhode Island, descobriu a quarta Cruz e apresentou, no dia 8 de Setembro de 1960, no Primeiro Congresso Internacional dos Descobrimentos em Lisboa, Portugal, toda a documentação sobre a Teoria Portuguesa.

A Teoria Portuguesa foi concebida em 1918 por Edmund Burke Delabarre, psicologista na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, quando descobriu a data de 1511. “Eu vi-a, clara e indubitavelmente, a data de 1511. Ninguém até à data a viu ou detectou na pedra ou em fotografia, mas uma vez vista a sua presença genuína não pode ser negada”. (2 de Dezembro de 1918).

Com o conhecimento da data de 1511, Delabarre pesquisou História da Europa e verificou que existem em Lisboa, Portugal, Cartas Reais afirmando o facto do navegador Gaspar Corte Real ter feito uma segunda viagem a América do Norte em 1501 e nunca regressou a Portugal. Delabarre descobriu também o facto de Miguel Corte Real, Porteiro Mor da Casa Real do Rei D. Manuel I, ter deixado Lisboa em 10 de Maio de 1502, à procura do irmão Gaspar, mas Miguel teve a mesma sorte -- nunca mais voltou a Portugal.
Em posse dos conhecimentos da História Portuguesa Delabarre reviu todos os desenhos, pinturas e fotografias feitas por vários pesquisadores desde 1680 e afirmou que estavam gravados na Pedra de Dighton:

(1) Data 1511
(2) Nome do Capitão - Miguel Corte Real
(3) Escudo Português em forma de “V”

Em 1951, José Dâmaso Fragoso (natural de São Miguel, Vila da Lagoa, Açores) e professor de Português na Universidade da Nova Iorque, escreveu um artigo revelando: (1) a descoberta de três Cruzes da Ordem de Cristo, com as extremidades em 45 graus, e (2) o Escudo Português em forma de “U”.

Em 1960, depois de uma análise profunda das pesquisas feitas por Delabarre e Fragoso, Manuel Luciano da Silva, médico em Bristol, Rhode Island, fez uma comunicação no Primeiro Congresso Internacional dos Descobrimentos, realizado em Lisboa, Portugal, onde revelou a sua descoberta da quarta Cruz da Ordem de Cristo e afirmou convictamente a Teoria Portuguesa. Da Silva fez uma análise comparativa das inscrições da Pedra da Dighton na América, com as inscrições irrefutavelmente portuguesas de outros Padrões Portugueses como a Pedra de Yelala, no Congo, África e com a Pedra de São Loureço em Seri-Lank, na Ásia. Da Silva concluiu a sua apresentação no Congresso Internacional assim:

“A semelhança entre estes padrões portugueses tantos milhares de milhas afastados uns dos outros é deveras impressionante. Todos têm gravações com o mesmo escudo das armas portuguesas, com a mesma Cruz da Ordem de Cristo e com o mesmo estilo de algarismo”.

“Todos estes padrões foram gravados por navegadores que receberam o mesmo treino e instrução na Escola Náutica do Infante D. Henrique, em Sagres, Portugal.”

Delabarre, Fragoso e Da Silva, cada um dedicou mais de trinta anos das suas vidas a investigar e a acertar a Teoria Portuguesa. Eles próprios examinaram, no local, muitas vezes a face da Pedra de Dighton, em alturas diferentes das marés, quer de dia quer de noite, com luz razante.

Imagem: Fotografia tirada no dia 2 de Novembro de 1959 por Manuel Luciano da Silva
As inscrições estão decalcadas a giz para melhor análise comparativa

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA ESCRITOR ANGOLANO


Olhares sobre a Luanda antiga
“A Conjura”, que retrata a sociedade da capital angolana no século 19, marca a estreia do escritor no Brasil

Em 1989, a literatura angolana foi surpreendida com a publicação de “A Conjura”, a primeira obra literária a debruçar-se sobre a sociedade crioula de Luanda no final do século 19, marcando a estreia do escritor José Eduardo Agualusa.

http://www.clicrbs.com.br/

“Ali estão as fragilidades dos primeiros romances – a ânsia de querer contar tudo, por exemplo – mas também algumas virtudes que só os iniciantes costumam possuir, como a paixão e uma certa ingenuidade”, comenta Agualusa, sobre o livro lançado no Brasil pela Editora Gryphus.

Ao longo de seis capítulos, Agualusa descreve a rotina dos moradores da velha cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, para onde eram enviados os condenados e bandidos de Portugal que cruzavam com os nobres senhores africanos e seus escravos pelas ruas da cidade, entre os anos de 1880 e 1911. Confira a entrevista com o autor.

Como o passado ajuda a olhar o presente com menos distorção?

José Eduardo Agualusa – Tinha 26 anos quando comecei a escrever “A Conjura”. Escrever esse romance, pesquisar sobre a sociedade angolana no século 19, ajudou-me a compreender muito melhor a história recente do país. A própria gênese da guerra civil que, mais que um confronto ideológico entre esquerda e direita, foi um confronto entre campo e cidade, algo que vem do século 19 – e que trato neste romance. As grandes famílias escravocratas do século 19, famílias negras e mestiças, estão também na gênese do movimento independentista moderno.

Por que o romance histórico é forte em Angola e sem o mesmo peso nos outros países africanos?

Agualusa – Angola tem uma literatura muito mais desenvolvida do que os restantes países africanos de língua portuguesa. Em Moçambique, por exemplo, contam-se nos dedos de uma única mão os escritores com carreira internacional – e sobram dedos. Isso tem a ver com a história da própria colonização. Em Angola, uma porcentagem muito significativa de pessoas falam português como língua materna, e isso desde há várias gerações, o que não acontece nem em Moçambique nem na Guiné-Bissau. Há escritores angolanos, como o Pepetela, que têm se esforçado por explorar os silêncios da história, mas mesmo assim ainda há muito o que explorar. Em Angola, o passado tem muito futuro.

Cruzar o imaginário cultural com a história remota e recente do seu país seria um caminho para montar um painel da complexa realidade de Angola?

Agualusa – Sem dúvida. A boa literatura não traz respostas, mas pode ajudar a colocar as questões certas. O mais interessante num país como Angola é a presença no dia a dia do imaginário popular, e toda a imensa riqueza de enredos gerados por um presente e um passado próximo, extremamente agitado. Além disso, um país como Angola, jovem, cheio de vitalidade, atrai aventureiros de toda parte do mundo. É um prato cheio para um escritor.

Já se disse que sua relação com Angola é semelhante à de Camus com a Argélia.

Agualusa – Eu acho que a literatura, sobretudo em países como Angola, nos quais os mecanismos democráticos estão ainda pouco desenvolvidos, e onde a maioria da população não consegue fazer ouvir a sua voz, acho que num país assim a literatura tem um imperativo ético, o que não significa que deva ser dirigista. Como disse antes, ao escritor cabe colocar as questões, cabe promover o debate, cabe incomodar e perturbar, mas não tem de ter a pretensão de dar as respostas. Várias pessoas me perguntaram, quando do lançamento de “Barroco Tropical em Lisboa”, se não tinha receio de perturbar. Eu acho que um bom romance é aquele capaz de perturbar. O que incomoda. Um romance que não incomode provavelmente não merece ser publicado.

Imagem: agualusa.info

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Viriato da Cruz foi o ideólogo da angolanidade, diz acadêmico Carlos Serrano


Luanda - Carlos Serrano, antropólogo, angolano nascido em Cabinda, é professor de Antropologia na Universidade de São Paulo (a muito conhecida USP), que é a maior e uma das mais importantes universidades existentes nos espaços de língua portuguesa. A seguir, apresentamos uma conversa mantida à margem do IV Encontro da História de Angola, decorrido no final do mês de Agosto aqui em Luanda. Nessa ocasião, o professor Serrano apresentou o tema: “Angola – Manifestos, Programas e discursos na Formulação de uma Identidade”.

Fonte: SA CLUB-K.NET

SA- Que importância tem esse tema na formulação da identidade angolana, professor?

CS- Bom, acho que esta apresentação serve para dar continuidade ao meu trabalho que foi publicado em livro em 2009, que está ai no mercado angolano, tenho estado a trabalhar sobre a questão da identidade até porque já venho algum tempo a trabalhar sobre esta temática, e chego a conclusão que há diversas formas de abordar este tema, e um deles, que achei importante, e que tenho estado a pensar, tem a ver com a questão que vem dos anos 1940-50, sobre os discursos e formas de representação desta matéria pelos jovens da época que vieram a dar nas lideranças e fundadores do movimentos, principalmente no caso do MPLA, e como é que eles começaram abordar a questão da identidade. Primeiro, antes mesmo de falar de identidade, há necessidade de se criar uma ruptura com o discurso colonial, e a partir dai o angolano se tornar sujeito do seu próprio discurso, que não sejam mais os outros a falarem por ele.

Bem, mas isso tem alguns problemas, não é? E a forma, no meu entender, foi através das manifestações culturais que era à única maneira legal, na medida que havia uma grande repressão, de poderem começar a dialogar e a formular este problema. Bem, o interessante é que eu falo de jovens, e realmente eram todos muito jovens, o que já é uma característica dessa ruptura, quer dizer, nós sabemos que nossa sociedade é hierarquizada, também pelas faixas etárias, e que os mais velhos têm de certa forma uma hegemonia do discurso não é? Esta geração para mim, parece ser exactamente a geração de ruptura. Primeiro por serem jovens, e não compactuar mais, não que os mais velhos compactuassem, mas tinham algum receio, penso que este jovens tiverem este voluntarismo, esta vontade de superar esta geração, dai marca esta ruptura, que se faz primeiro a nível deste discurso cultural. Então, tenho impressão que a geração de 1950, sobretudo o grupo que tem como palavra de ordem”Vamos Descobrir Angola!” é sem dúvidas, um marco, não que este seja definitivo não é? Tudo eu afirmo, nunca tenho como verdades definitivas não é?...(Risos). Mas foi para mim o grupo mais representativo, fez um Jornal à “Mensagem” que já estava a pensar nisso, a Mensagem, é uma Revista, onde as pessoas falavam de Angola, dos valores culturais angolanos, bem, então esta é uma primeira ruptura, ai não se vê explicita em nenhum momento da publicação alguma coisa que se refere a Portugal, ou que se refere algo assim, e há intenções, não é? Há um poema logo no inicio que eles devem congregar-se na diferença de todos ou na unidade, alguma coisa do género, isto é importante porque é isto que vai dar esta unidade, que é o primeiro p+asso para de pensar, não se pode lutar individualmente, tem que se ver a formação de um eu colectivo, e ao mesmo tempo ver –se à forma de se manifestar colectivamente, todos os intelectuais neste sentido, dai então eles marcaram sem duvidas um marco. Bom! Mais isto não é suficiente, nós aprendemos que toda ruptura no domínio intelectual do século XIX, é marcado por manifestos, então um o manifesto é sem duvidas o momento de ruptura, e existem vários manifestos na década de 50, não há apenas um, que vão culminar, as datas não importam, se é em 1958, ou 1960, há muitas discussões sobre isto, mas o manifesto do MPLA, é um deles que vai talvez ser o que melhor vai reflectir sobre esta questão da identidade de Angola, de criar Angola. Então, aquilo que eu dizia “ Vamos Descobrir Angola!” é uma frase polissémica, que não quer dizer “descobrir”, se já existe, não é? Ela pode redescobrir ou construir não é? No fundo isto não se podia dizer, não se podia dizer “ Vamos Construir Angola” seria uma coisa muita explicita.

Bom! Então o projecto cultural “Vamos descobrir Angola” vai mostrar essa aspiração dos jovens intelectuais de forma legal, como sabe todos manifestos políticos da época eram clandestinos. Este projecto é uma parte cultural positiva e legítima que pertencia a revista “Mensagem” da “Anangola” (Associação dos Naturais de Angola) e que podia escrever sobre esta matéria. Os manifestos não, os manifestos e panfletos que circularam em Luanda naquela época, eram de carácter reivindicativos e de denúncias. Ao mesmo tempo, a reivindicação última é esta: vamos lutar pela nossa independência, mas não se diz, como nem quando, tão pouco a forma. Já o manifesto do MPLA, mais tarde, retoma uma análise histórica e de estrutura de classes sociais, económicas da chamada colónia de Angola, para mostrar que o povo estava ser explorado e ao mesmo tempo, dar caminhos para libertação, tudo isto culmina de certa maneira, que vai dar num programa, isto é, o manifesto é um projecto politico que vai de encontro as aspirações do povo, mas não é a forma última para se alcançar isto, tem que haver um programa que é a forma que coloca em prática o manifesto deste projecto politico, o projecto é uma coisa abstracta e teórica, mas o programa não, vai dizer como e por quê? O programa que tenho como exemplo é o programa do MPLA, de 1963, que foi o primeiro programa, que vai dizer item por item, o que é e o que vai ser a futura e por que é que estão a lutar. Estão a lutar para que não haja diferenças até mesmo culturais e étnicas, vai se considerar, exactamente estas diferenças que como um dado cultural do povo inteiro, ao mesmo tempo então vai falar também que nestas diferenças alguns dos povos que constituem a nação angolana, vão e devem não só pesquisar as línguas próprias, está é uma reflexão sobre a diversidade cultural e o respeito a esta diversidade cultural, chega até a dizer que as pessoas que constituem os diversos grupos e que têm uma certa autonomia cultural local devem ser consideradas a possibilidade de construção destas autonomias culturais locais não é? Então, há toda uma série de itens que vão percorrer este programa que nos dão orientação daquilo que as pessoas não só pensam, mas que querem exactamente pensar o que vai ser Angola futuramente, não quer dizer que pára ai, não é? Claro que isto vai mudar com o tempo. É um processo. Como eu digo, o tempo da luta, há vários tempos, há o “tempo do imaginário”, o “tempo do antigamente da vida”, que era dos jovens intelectuais da época, em volta da revista “Mensagem” do “ Vamos Descobrir Angola!” etc.É um momento histórico, não é? O outro passa ser mesmo o “tempo da revolução””, é o que conduz ao Manifesto; que é a “ruptura”; ao programa etc. e que vai culminar com a luta e o processo que conduz ao “tempo da independência”, o momento que consagra exactamente aquilo que as pessoas estavam a lutar. Mas não pára aí, a partir deste momento é reformulada novamente a questão da identidade. A partir deste momento eu chamo do “tempo institucional”, o que está identificado com o Estado que se formula de forma diversa. Antigamente era o Estado colonial, a partir deste momento é o Estado nação Angola, que passa a ter um outro tratamento institucional e jurídico. O que é ser angolano? O que é que se define pela constituição? Mesmo assim, isto mudou já pelas diversas constituições que o país teve, que possivelmente ainda venha à mudar, porque a questão da construção da identidade, não se cristaliza e não é definitiva, ela vai com certeza ter alterações futuras, pensando sempre nesta construção da ideia de nação.

SA- Professor, gostava de ouvir de si mais dados sobre o manifesto de 1948 “Vamos Descobrir Angola!” teve apenas um substrato cultural ou terá sido mais abrangente?

CS- Não ele pode ter começado, e não acredito que tenha a intenção de se definir como meramente cultural, e só com esta finalidade, era a forma legal de luta possível dentro de legalidade, era o de constituir uma Revista, com fins culturais, que tinha poemas, mas está nas entrelinhas, por exemplo os poemas que aparecem do Viriato da Cruz, do António Jacinto e outros, que estabelecem também a mesma ruptura, quer dizer, deixou-se de escrever o português, ou as formas construtivas da estrutura da língua tal como se fazia no português ditado pela metrópole, naquele momento os poemas do Viriato e do Jacinto, têm já um léxico de palavras em Kimbundu e outras coisas e não falam apenas da natureza, falam das suas coisas, das coisas angolanas. O primeiro momento, digamos assim, de “eliminação” do colono estão nos textos literários, não precisamos mais falar destas coisas. A luta está aí e vai se dar. Aí sim é que vai haver outro tipo de animação. Agora, falar de “nós” é excluir o “outro”, da mesma maneira que eles fizeram connosco, nos excluíram da História e da Cultura. Então, aqui o processo ainda está dentro de uma identidade contrastiva, ou seja no fundo o colono construiu uma identidade própria para o colonizado (indicativa, prescrita). As categorias de “indígena”, e do “branco civllizado”, passam pela dimensão racial também, quer dizer, a identidade contrastiva é esta, quer dizer: são portugueses e são brancos, somos angolanos e somos negros. Mas esta questão do angolano vai ter uma reformulação da categoria racial também, quer dizer são os negros angolanos, são os mestiços, este ainda é um debate que vai se prolongando até os nosso dias. E, também os brancos que se identificaram com a maioria, com africanidade, com angolanidade, são minoria mas existem, até do ponto de vista literário etc. Bem, então ser angolano é alguma coisa que vai ser supra-étnico, supra-racial e unificado, quer dizer é um “Eu” colectivo, e é isto no fundo que vai orientar sempre a construção da identidade nacional.

SA- Professor, se no manifesto de 1948 estava subjacente o lado político, sob a panóplia cultural no de 1956, está bem visível a componente politica…

CS- Sim, o António Jacinto já dizia que até ao movimento “Vamos Descobrir Angola!” já tem um carácter politico, mesmo que não seja manifesto explicitamente, mas ele possui exactamente esta intenção em si, está implícito. Mas como é evidente, o manifesto é já alguma coisa para acção mesmo, não é? O manifesto não é só uma ruptura literária de construção do imaginário, mas é alguma coisa propõe acção para se conseguir essa independência, não é? E ai sim é o manifesto político na verdadeira acepção da palavra.
SA- Estes dois manifestos saíram do punho do mesmo autor. Em 1948, o primeiro Viriato da Cruz publicou-o na revista Cultura. Em 1956, já foi mais claro em termos de condão político, não é, professor?

CS- Sim! Conheci pessoalmente o Viriato não é? Ele dizia que haviam certos momentos de superação dos momentos que nós vivíamos, não disse a mim pessoalmente, mais há escritos de que ele diz: olha à questão cultural está superada, porque houve críticas na época. As pessoas, questionavam dizendo: O Viriato nunca mais escreveu poemas ele que foi o fundador de uma poesia angolana de angolanidade. E o Mário António questiona no seu livro, será que é porque ele não queria ou porque não sabia? Esta questão é um pouco crítica esta frase, claro que o Viriato sabia fazer, porque ensinou os outros, não é? Só que ele achava que aquela fase cultural já estava ultrapassada, tinha que passar uma nova fase que era uma fase de acção. Mais o manifesto não é de uma só pessoa, é o que sempre digo, claro que o Viriato foi sem duvidas o ideólogo e não se pode negar este facto, mas eu sempre parte desta concepção de era um núcleo de jovens e eram bastante jovens, que sempre partiam para formulação de alguma coisa sempre unitária, de unidade na construção daquilo que chamo do eu colectivo, e construir naquilo que Benedict Anderson chama de comunidade imaginada, e é isto que eles pensavam em conjunto, era o Viriato, era o António Jacinto, por exemplo o Ilídio Machado que pertenceu ao primeiro núcleo do partido comunista angolano, o Mário António que depois saiu, foi estudar para Portugal e não voltou mais, que também fazia parte daquele grupo era uma serie de jovens intelectuais da época, que faziam isto, talvez tivessem já nesta época a liderança do próprio Viriato isto eu não tenho dúvidas, então estas são formas de pensar sempre em conjunto, é esta a minha ideia.

SA- Em determinada passagem da sua comunicação, que fazia referência que no programa do MPLA, de 1963, “Nós queremos garantir a igualdade de todas as etnias em Angola” este dado era assim tão importante para época professor?

CS- Possivelmente em 1963, as pessoas também sabiam que para além desta diversidade, não é? A política colonial protegia algumas etnias e excluía outras. Para poder melhor governar, quer dizer aquele jargão que dizia dividir para melhor reinar, era realmente um processo usado pelo colonialismo. Então, esta ideia de igualdade, dos grupos étnicos mesmo minoritários de ter expressão e voz na construção da unidade devia ficar marcada no programa.

SA- Professor enquanto Antropólogo, gostaríamos que nos dissesse com rigor científico que a resposta merece, podemos dizer que Angola é uma nação?

CS- Eu digo desde o inicio, desde a formulação lá pelos mais velhos, antes mesmo de Angola ser independente, já estava a começar a ser construída a nação. A nação não é nada cristalizado: o Estado mudou, o Estado-nação há em qualquer parte do mundo, nunca parou, é um processo, e o processo vai mudando sempre. Então, a nação é algo em construção. Vai perguntar mais: a nação existe ou não existe? Existe, acho que existe na medida que as pessoas se identificam como angolanas. Há uma maka. Não queria falar disso agora… É da época contemporânea que eu sempre disse isto. No exterior, quando sou indagado pelas pessoas por questões deste género, tenho dito, durante a luta que houve durante trinta anos, houve cessação? As pessoas podiam estar a combater pela hegemonia do poder, pelo poder mais a separação, como se deu na Nigéria, e noutros lugares. Penso que não, nunca houve uma tentativa de cortarem Angola ao meio, e mesmo no lugar onde eu nasci, mesmo Cabinda, tenho impressão que há sempre a possibilidade de dialogo de conversação, para se conseguir aquilo que está no projecto de 1963, quando já se falava em autonomias locais. Isto não quer dizer separação. A concepção do programa de 1963, que era meio federalista, não que explicitasse isto, mais havia uma ideia implícita, e esta ideia penso que nem sempre pode ser posta de lado. Claro que há vários tipos de federação: federação suíça Helvética, à Nigéria, a Republica Federativa do Brasil. Não quero dizer que sejam todas iguais, mas há formas de reflectir a inclusão de todos dentro de uma só nação, e acho que não é forçado, as pessoas convivem a centenas de anos juntas, sobretudo no tempo colonial, não é? Permitiu que todos tivessem convivido e que tivessem até um inimigo comum, o que mobilizou as populações neste luta foi em parte o combate ao próprio colonialismo, o que uniu, as pessoas, elas estavam muitos ligadas aos seus locais. Isto sucedeu também na América Latina. A guerra, por mais terrível que tenha sido, leva as pessoas a se contactarem umas com as outras, e a ter noção do outro, o primeiro momento foram às cidades, na sua criação, às pessoas se encontrara nas cidades vindas de várias partes do país e regiões etc. Há uma outra, que foi o momento de mobilidade, quer dizer, o colonialismo não conseguir fazer com que cada um ficasse no seu lugar, porque a guerra, conduziu a que as pessoas todas se contactassem. Na América Latina também, não digo tanto o Brasil, mas os países de língua espanhola, o movimento levou Simon Bolívar, que veio desde o Sul do continente até a Venezuela, a construir uma guerra de libertação em diversos locais, ele é herói não só da Venezuela, era o grande individuo lutador, e isto levou a possibilidade e esta marcha grande levou a que as pessoas tomassem consciência dos seus problemas e contacto de pessoas que vinham do Chile, e da Argentina e que tenham vindo a tomar contacto durante a caminhada para as independências, não é? Que culminou lá em cima no Norte da Venezuela. Este movimento que é a guerra que ninguém quer mais, foi a única saída devido a intransigência do colonizador conduz a isto, que as pessoas comecem a se contactar umas com as outras e a ter noção supra Nacional, e a fazer que a sua identidade étnica seja de certa maneira, não posta de lado, não as pessoas não renunciam às suas etnias. Mas luta agora para uma unidade supranacional, quer dizer, isto evidentemente que não pára também, com as independências e com uma definição jurídica ou institucional, ela tem que ser construída, ai estão as diversas formas de construção através dos processos, por exemplo o Ministério da Cultura é um lugar onde estes debates, onde estas coisas devem ser colocadas, não é? É onde se colhem os elementos culturais das diversas partes do país, do ponto de vista antropológico, para poder dar a conhecer a diversidade do país. Claro que os meios de comunicação são essenciais para isto, quer dizer, Rádios, Jornais e Televisões, quer dizer, dar a conhecer ao mesmo momento ao país uma notícia do Norte, do Sul da Capital etc. Este é um dos elementos que participam da construção os meios de comunicação.

SA- A discussão sobre a questão da nação é realmente polémica. Há autores que dizem que não se pode falar em nação pelo facto de não termos língua nacional em comum, e de não haver elementos identitários em Angola, por vezes só a selecção nacional, mas também quando joga. Acha que se tivéssemos pelo menos adoptado o programa do MPLA, de 1963, sobre o federalismo, algumas guerras e mal entendidos teriam sido evitados, professor?

CS- Não! Não, isto seria possível se todos os movimentos aceitassem um programa, aquele programa, mais não foi necessariamente, os outros movimentos nacionalistas, não tinham sequer um programa, dizia-se não pude ler hoje o texto completo, mais tenho estado a recuperar discursos do Holden Roberto, do Agostinho Neto, do Lúcio Lara etc. sobre esta questão durante a luta, então o Holden… Bom, naquela altura o Savimbi pertencia a FNLA, talvez deste período descubro estes discursos do Holden. Será o povo angolano a discutir e decidir o que vai fazer no futuro. Então a nossa luta nesse momento referido é a de conseguir a independência. Penso que o MPLA terá começado desde o início. Era uma actividade… Falei com várias pessoas do tempo da luta, pessoalmente estive no exterior exilado na Argélia durante algum tempo, logo depois fui estudar, o Viriato da Cruz mandou-me estudar, disse-me “se quiseres ser útil vai estudar”, e fui estudar, foi de facto a melhor coisa que fiz, é pela educação que acho que é também um dos elementos fundamentais, aliás, foi dito por dos oradores deste painel, que também acho ser fundamental para construção da identidade em si. Bem, pode a ver várias concepções sobre esta questão mesmo até da língua, há pessoas que não aceitam que o português tenha se tornado também uma língua nacional. Temos o exemplo do Brasil, o português brasileiro, e as pessoas no Brasil gostam de falar assim, já não é igual ao português de Portugal, foneticamente e até palavras, tem se calhar uma maior identidade até com Angola, se você for falar no Brasil um xingamento, o Angolano sabe o que é xingamento, agora em Portugal não é insulto, e por ai adiante, não é? Foram muitos vocábulos para o Brasil, defendo que se deve analisar também a questão da língua do português de Angola, como alguma coisa que foi uma conquista, é uma conquista do angolano, a língua não é mais a língua do colonizador, como se costumava dizer. Agora, faz parte do parte do património angolano e se faz uso dela como o angolano quer e não como o outro dita. A língua é também alguma coisa que vai se modificando todos os dias, e recebe de fora dentro desta globalização uma serie de palavras de outros, durante muito tempo, com a presença de cubanos e soviéticos etc., e que hoje fazem parte também do léxico usado pelos angolanos, da nomenclatura etc. Uma série de palavras enfim, tudo isto é dinâmico, não é? E acho que o mais enriquece são as palavras emprestadas pelo povo dos vários lugares de Angola, claro que há uma forma, que o português escrito e o falado são diferentes, mais sempre foi, por altura da independência só havia 5% de pessoas alfabetizadas formalmente, mais já havia mais 40 ou 50% dos angolanos já falavam português, eram falantes, não tinha alfabetização completa, mais eram falantes. Para mim, estamos num país e entre os povos africanos em que a cultura oral é mais importante do que talvez pela escrita e é por ai onde se tem que compreender o português de Angola dentro desta manifestação de oralidade. Então é uma língua nossa? É, acho que é interessante ao mesmo tempo isto, demonstra que nós estamos a pensar no futuro e que não estamos somente presos neste processo de vitimas do colonialismo, fomos sim senhor, mais agora aquela questão que se fala, eu tenho uma outra ideia do “Homem Novo”, ele não é aquele que talvez se pretendia construir teoricamente do ponto de vista, não que eu, pelo contrário ainda me identifico com certos princípios, digamos assim socialistas etc. Mas não é esta concepção artificial do Homem Novo, o Homem Novo é aquele que nasce de uma situação de conflito mas que agora é uma situação de construção onde todos participam. Agora que as línguas nacionais têm que ser respeitadas e que têm que ir para Universidade etc. Também acho que sim, que é necessário, não que o português pode ser a língua mais falada e também nacional, que tenha privilégios, não é? As línguas onde existe esta densidade, é o que diz o Programa Mínimo sobre a densidade cultural, e fala que se devem respeitar as etnias, está-se falar também das línguas nacionais. Uma etnia é um grupo que tem uma língua própria, isto acho importante e é igual a qualquer país. Na França os Occitanos escrevem e falam a sua língua, os Bretões falam a sua língua, os Flamengos na fronteira do Dunquerque no Norte de França falam a sua língua, os Corços também falam a sua língua. Claro que há um domínio do gaulês, do mais eles até hoje não solucionaram os problemas étnicos ou diversidade cultural, até hoje.

SA- Das informações que tem, acredito que terá informações privilegiadas neste domínio, gostávamos de saber de si: quem foi o autor do slogan “Vamos Descobrir Angola!”, professor?

CS- Não sei! Eu convivi com estas pessoas, mas nunca ninguém me disse isto, eu continuo firmemente a pensar que deve ser sugestão de alguém(Mario de Andrade atribuía ao Viriato da Cruz), mas continuo a falar sempre no plural. Era um grupo, e este grupo pensava em conjunto. Há sempre uma ideia, uma sugestão de uma das pessoas, mas eu não sei. Aquilo que eles queriam dizer era pensado em conjunto. Os discursos, tenho analisado hoje muito os discursos, quando vou aos panfletos, vou aos manifestos, em todas as coisas, nas actas, as pessoas daquele tempo mesmo da luta sempre se manifestavam no plural. Dizer: “eu isto ou aquilo”? Não havia isto! Pode-se ler, por vezes falar-se a “malta”, que era a gíria da época, nós todos,” a malta tem que se decidir assim, a malta...”. As sugestões, as pessoas podiam aceitar ou não, mas falava-se sempre, mesmo que houvesse a liderança de alguém, este alguém não punha a discussão individualmente. Isto que estou a falar pode ser comprovado até nas actas do movimento que agora estão a disposição lá na Torre do Tombo, aprendidas pela PIDE, e isto é forte e é diferente do que nós podemos pensar noutros momentos, não é? E isto é importante para se decidir o destino colectivo.

SA- Quais têm sido as suas pesquisas agora, enquanto Antropólogo?

CS- Estou a estudar a história recente, e quando digo história recente não quer dizer de agora, não é? Tem algum passado. Por exemplo, comprei e agora acabei de comprar um exemplar, algumas memórias dos mais velhos que alguns estão até a falecer, e continuo muito interessado exactamente nestes aspectos deste período que no fundo às memórias cobrem este período da história recente, sobretudo aquilo que as pessoas deram importância ou por vezes também esquecem. Esta questão do esquecimento também é um facto politico e histórico: a amnésia também é dirigida. Temos que estar atentos e fazer uma pesquisa, mas no fundo é isto. Já tenho neste momento catorze a quinze volumes de memórias ou biografias. Por exemplo o Viriato não fez memórias, mas já saíram dois livros sobre o Viriato, também está incluído no meu trabalho, porque foi uma pessoa importante na história de Angola e penso que continua ser na medida em que há pelo menos dois livros sobre ele, não é? É um pouco isto e ao mesmo tempo e também é histórico não é uma coisa actual, mas estou a ver a questão das genealogias das linhagens, das famílias sobretudo luandenses onde circulam de certa maneira à criação e renovação das elites dentro deste número que não sou eu que iniciei. Mário Pinto de Andrade, (em entrevista a Michel Laban) fala disso. Quem eram as famílias mais importantes e quem começou a entrar nelas. Alguns destes indivíduos que foram nossos heróis nacionais, como os Boavida e outras famílias, pelo “casamento de aliança”. Como é que os generais do Sul quando estabeleceram novas relações com o poder central (MPLA), durante o conflito, para obterem uma certa legetimidade reconhecida. Era através de um casamento de aliança com as senhoras da capital. Não enumero estas pessoas, claro que não vou falar aqui, mas estão nos jornais, nos semanários, no Jornal de Angola etc. estas informações são públicas, não é? Isso mostra que a questão da construção da genealogia também é uma construção politica e está aí para as pessoas verem e reflectirem sobre estas questões.