sábado, 30 de maio de 2009

«A ameaça e o encerramento de vários jornais nos Estados Unidos»


"Muitos políticos gostariam de ver alguns jornais a morrer"

Steven Pearlstein

JORNAL DE NEGÓCIOS

A ameaça e o encerramento de vários jornais nos Estados Unidos já conduziu o problema para a esfera política, com o senador John Kerry a convocar uma série de audiências para debater o futuro da imprensa no país. Na Europa, onde há uma tradição mais intervencionista do Estado na economia, a França avançou com um pacote de medidas para o sector.
Filipe Pacheco
filipepacheco@negocios.pt


A ameaça e o encerramento de vários jornais nos Estados Unidos já conduziu o problema para a esfera política, com o senador John Kerry a convocar uma série de audiências para debater o futuro da imprensa no país. Na Europa, onde há uma tradição mais intervencionista do Estado na economia, a França avançou com um pacote de medidas para o sector.

Para Steven Pearlstein, colunista do "Washington Post", que esteve na semana passada na Culturgest num seminário sobre regulação organizado pelo DECO, esta situação está longe de acontecer nos Estados Unidos.

Em primeiro lugar ironiza. "Nunca haverá uma intervenção do nosso governo para salvar os nossos jornais. Para muitos políticos, em particular os republicanos, não podia acontecer nada melhor do que verem alguns jornais a morrer".

Imagem: http://ingridcerveira.blogspot.com/

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Eleições burras


Hoje ninguém sabe explicar para onde foram as cisternas. Por sua vez, os técnicos que estavam a montar os PTs, deixaram de ser vistos com frequência.

«No calor das eleições, boa parte dos bairros de Luanda, onde a água potável era uma miragem viriam a beneficiar do líquido precioso através de cisternas. Na mesma altura, parecia que estava a avançar rapidamente o projecto de instalação de postos de transformação de energia em toda a dimensão.

De repente, muitas casas da população foram iluminadas, ao mesmo tempo que nas ruas fora se mantiveram acesos os candeeiros tornando as noites mais seguras. A satisfação foi sendo notória já que com estes dois bens públicos se melhora a qualidade de vida.

As donas de casa passaram a queixar-se menos porque já era possível conservar frescos por muito tempo. No entanto, terminada a azáfama eleitoral, a tristeza voltou a tomar conta de muitos lares. Hoje ninguém sabe explicar para onde foram as cisternas.

Por sua vez, os técnicos que estavam a montar os PTs, deixaram de ser vistos com frequência. Por este andar da carruagem, não resta outra alternativa senão lembrarmo-nos do período eleitoral com muita nostalgia.»

In semanário AGORA nº 601 de 18 de Outubro de 2008

Foto: Angola em fotos

terça-feira, 26 de maio de 2009

O retrato de William Shakespeare


Os exames assinalam que foi pintado em 1610, quando contava com 46 anos
Descoberto, ademais, o primeiro teatro em que trabalhou o dramaturgo britânico
Acolheu a estreia, entre outras obras, de 'Romeu e Julieta' e 'Hamlet'

Efe Londres EL MUNDO

William Shakespeare sai dos livros de literatura e converte-se no protagonista da actualidade graças a um retrato e umas ruínas. Por um lado, arqueólogos britânicos localizaram as primeiras instalações nas quais o dramaturgo representou as suas obras e, por outro, descobriu-se um novo retrato que poderia ser o único realizado em vida. Com isto pretende-se cerrar, de momento, o debate sobre o seu aspecto real.

O professor Stanley Wells, que foi director do Instituto Shakespeare, assegurou estar "convencido" de que este é o único retrato que se fez a Shakespeare em vida e que o resto dos conhecidos até ao momento são unicamente cópias. A imagem permaneceu durante séculos oculta entre os quadros que possui a família Cobbe.

Foi um dos seus membros, Alec Cobbe, quem ao visitar uma exposição sobre Shakespeare organizada em 2006 pela National Portrait, deu-se conta de que na sua colecção havia um muito similar ao exibido nesse museu.

Nessa mostra, os organizadores já reconheciam que a identidade da pessoa que aparece no quadro que expunham (conhecido como o retrato 'Chandos' e que actualmente está na biblioteca Folger) não está provado e que não existia a certeza se foi um retrato feito em vida a Shakespeare.

O professor Wells justificou a sua confiança em que o retrato que possui a família Cobbe seja por fim a imagem real do escritor inglês pelo resultado das provas científicas a que foi submetido o quadro, e que na sua opinião demonstram que os outros três retratos conhecidos até ao momento são meras cópias.

Concretamente, existem dois retratos de Shakespeare nas colecções privadas de Folger e FitzGerald, enquanto que um terceiro conhecido como o de Ellenborough perdeu-se no ano de 1947.

Datado em 1610

O quadro dos Cobbe passou por um exame com raios-X, outro com infravermelhos e um terceiro centrado na antiguidade da madeira para conhecer a data em que foi pintado. Destes estudos extrai-se a conclusão de que o retrato foi realizado em 1610, quando o genial escritor inglês tinha 46 anos, só seis antes da sua morte.

Do pintor nada se sabe, ainda que o conservador da Colecção Cobbe, Mark Broch, explicou que é possível "que o pintor pusesse o seu nome no marco, mas este desapareceu".

O retrato mostra um Shakespeare com cavanhaque, sem pendente na orelha esquerda (adorno que aparece noutros retratos), e com um largo nariz, todo ele num fundo azul sobre o que estão inscritas na parte superior as palavras 'Principum amicitias'.

O facto de que esta imagem se fez em vida de Shakespeare, como parecem demonstrar os exames realizados, faz que seja "mais próxima da realidade" que a gravada por Droeshout, publicada em 1623 e que até agora foi a que tradicionalmente se trasladou do autor, segundo explicaram os peritos.

Este quadro formará parte de uma exposição que estará aberta ao público desde 23 de Abril até 4 de Setembro deste ano, quando se cumprem 400 anos da publicação dos 'Sonetos' do escritor inglês.

As cartas de 'Romeu e Julieta'

Referente ao teatro, construído em 1576 pelo actor e produtor teatral James Burbage, acolheu com certeza a estreia de 'Romeu e Julieta', 'Hamlet' e algumas das suas comédias como 'Sonho de uma Noite de Verão'.

As escavações no que é hoje um armazém em desuso permitiram descobrir os restos da parede do interior do teatro, que tinha forma poligonal.

Segundo estes, provavelmente não havia parede exterior senão tão só uma série de pilares de ladrilho que sustinham os pisos superiores. A metro e meio por debaixo do nível da rua descobriu-se uma superfície de grava em pendente que se crê foi o pátio descoberto onde os espectadores viam de pé o espectáculo. Os arqueólogos acreditam que o cenário propriamente dito talvez esteja sepultado debaixo de umas casas próximas.

Segundo Taryn Nixon, do Museu de Londres, o teatro construiu-se no que eram então os arredores da cidade de Londres, lugar donde o alcaide "desterrou" os espectáculos teatrais como outro tipo de diversões "pecaminosas".

O teatro, que acolheu a companhia do próprio Shakespeare, chamada The King's Men, desmantelou-se em 1597 e as madeiras utilizadas na sua construção empregaram-se mais tarde para construir um novo teatro, o famoso The Globe, junto ao Tamisa.

A companhia Tower Theatre propõe-se criar nesse lugar um teatro similar ao original que sirva para montagens teatrais e outras actividades culturais. Para tal fim lançará uma campanha de arrecadação de fundos até um total de 3,3 milhões de libras (uns 3,6 milhões de euros).

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Leonardo Boff o Questionador


Seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI.
Origem: WIKIPEDIA a enciclopédia livre.

Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff (Concórdia, 14 de dezembro de 1938), é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. [esconder]

Biografia

Leonardo Boff ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1959 e foi ordenado sacerdote em 1964. Em 1970, doutorou-se em Filosofia e Teologia na Universidade de Munique, Alemanha. Ao retornar ao Brasil, ajudou a consolidar a Teologia da Libertação no país. Lecionou Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis (RJ) durante 22 anos. Foi editor das revistas Concilium (1970-1995) (Revista Internacional de Teologia}, Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984).

Seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Em 1985, foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais no interior da Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob severa vigilância. Em 1992, ante nova ameaça de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e pediu dispensa do sacerdócio. Sem que esta dispensa lhe fosse concedida, uniu-se, então, à educadora popular[1] e militante dos direitos humanos Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos. Boff afirma que nunca deixou a Igreja: "Continuei e continuo dentro da Igreja e fazendo teologia como antes", mas deixou de exercer a função de padre dentro da Igreja[2], [3]. Suas críticas à estrutura hierárquica da Igreja Católica e seus vínculos com a teologia da libertação fazem com que setores católicos considerem-no apóstata.

Sua reflexão teológica abrange os campos da Ética, Ecologia e da Espiritualidade, além de assessorar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e movimentos sociais como o MST. Trabalha também no campo do ecumenismo.

Em 1993 foi aprovado em concurso público como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde é atualmente professor emérito.

Foi professor de Teologia e Espiritualidade em vários institutos do Brasil e exterior. Como professor visitante, lecionou nas seguintes instituições: de Universidade de Lisboa (Portugal), Universidade de Salamanca (Espanha), Universidade Harvard (EUA), Universidade de Basel (Suíça) e Universidade de Heidelberg (Alemanha). É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim, na Itália, em Teologia pela universidade de Lund na Suécia e nas Faculdades EST – Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (Rio Grande do Sul).

Sua produção literária e teológica é superior a 60 livros, entre eles o best-seller A Águia e a Galinha. A maioria de suas obras foram publicadas no exterior.

Atualmente e viaja o Brasil dando palestras sobre os temas abordados em seus livros. Vive em Petrópolis (RJ) com a educadora popular Márcia Miranda.

Prêmios
Prêmio conferido a Jésus Christ Libérateur. Paris, Du Cerf, como livro religioso do ano na França (1974)
Prêmio conferido a The Lord's Prayer. Quezon City, como livro religioso do ano nas Filipinas (1984)
Herbert Haag Preis Freiheit in der Kirche, prêmio pela liberdade na Igreja, de Luzern,Suíça (1985)
Prêmio conferido a Passion of Christ, Passion of the World New York, Orbis Books, como livro religioso do ano nos USA (1987)
Prêmio Internacional Alfonso Comin, concedido pela fundação Alfonso Comin e pela prefeitura de Barcelona, por seu trabalho comunitário e em prol dos direitos dos empobrecidos e marginalizados (1987)
Prêmio dos editores de livros religiosos em idioma alemão pelo conjunto de sua obra traduzida para o alemão em Frankfurt (1988)
Prêmio Thomas Morus Medaille der Thomas Morus Gesellschaft pela firmeza da consciência (Standfestigkeit des Gewissens) (1992)
Prêmio Nacional de Direitos Humanos (1992)
Prêmio Sergio Buarque de Holanda (Biblioteca Nacional - Ministério da Cultura), para a obra Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. S.Paulo, Ed. Atica, como ensaio social do ano (1994)
Prêmio Right Livelihood (Correto Modo de Vida), conhecido como o Nobel alternativo, Estocolmo, Suécia (2001).
Doutor Honoris Causa da Escola Superior de Teologia, instituição da Igreja Luterana, em pelo seu compromisso ecumênico a partir do diálogo com a teologia protestante e à reflexão entre teologia e ecologia (2008).

Foto: Leonardo Boff lança o livro Masculino e Feminino. Foto Hermínio Oliveira (Agência Brasil)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Florbela Espanca. Ser poeta


Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!



Florbela d'Alma da Conceição Espanca tem hoje seus versos admirados em todos os cantos do mundo, diferentemente do que aconteceu quando ainda viva, época em que foi praticamente ignorada pelos apreciadores da poesia e pelos críticos de então. Os dois livros que publicou, por sua conta, em vida, foram "O Livro das Mágoas" (1919) e "Livro de "Sóror Saudade" (1923). Às vésperas da publicação de seu livro "Charneca em Flor", em dezembro de 1930, Florbela pôs fim à sua vida. Tal ato de desespero fez com que o público se interessasse pelo livro e passasse a conhecer melhor a sua obra. Dizem os críticos que a polêmica e o encantamento de seus versos é devida à carga romântica e juvenil de seus poemas, que têm como interlocutor principal o universo masculino.
Texto extraído do livro "Sonetos", Bertrand Brasil - Rio de Janeiro, 2002, pág. 118.


Poema cantado pelos Trovante

http://linobraga.blogspot.com/2009/05/florbela-espanca.html

sábado, 16 de maio de 2009

Há lodo no cais


On the waterfront. Realizador: Elia Kazan. Actores: Marlon Brando; Karl Malden.
Música: Leonard Bernstein. Duração: 108 min. Ano: 1954

Um caso real que ao ser transposto para livro, ganhou o célebre prémio Pulitzer. Ao passar para película veio a ganhar todos os óscares para os que estava nomeado, em especial nas categorias mais importantes.

Um duplo assassinato nas docas de Nova York. Dois trabalhadores apareceram mortos. A investigação começou mas ninguém vira nada, ninguém sabia de nada. O desemprego e as condições de trabalho eram duras. O risco de perder o emprego era grande e o de não conseguir trabalho ainda era maior. Os patrões, os "big boss" das docas não eram pessoas de fácil trato. Os sindicatos procuravam defender os trabalhadores e os seus interesses. Mas à medida que o filme se vai desenvolvendo, o que poderia parecer uma história simplista entre bons e maus começa a complexificar-se. Como acontece normalmente, a realidade não é a preto a branco. Os sindicalistas, ou melhor, alguns dos chefes dos sindicatos, estavam mais interessados em manter os seus privilégios do que os direitos dos trabalhadores. E isso traduzia-se em factos e acções que prejudicavam os próprios funcionários. Todos estavam ao corrente do que acontecia. Eram como regras não escritas nem legais, mas o medo a perder o emprego não lhes permitia denunciar a situação. E como os que tinham sido mortos, tinham ousado pôr em causa isso, o medo instalara-se. Para alguns dos patrões esse estado de coisas também não era mau pois assim conseguiam ter sempre trabalhadores obedientes e que não levantavam problemas.

Surge então o personagem interpretado por Marlon Brando, num dos seus melhores papéis. Ele sabia o que acontecera. Decidira tal como os outros, não fazer nada. Mas ao conhecer a irmã de um dos assassinados e confrontado com a injustiça de todo o sistema, decide actuar. É encorajado por amigos, mas tem consciência de que todas as consequências das suas acções recairão sobre si. É então que se joga não só o seu destino, como igualmente o de todos os colegas. Decide avançar, mas o preço a pagar será elevado…

Há situações difíceis na vida real e esta história verídica é um bom exemplo disso. E como sempre acontece, a sua resolução passa sempre pela atitude pessoal de alguém que decide actuar correndo todos os riscos. Mais do que manter uma cómoda posição laboral, preferem fazer mesmo algo de valioso por si e pelos outros. E atitudes comos esta estão ao alcance de todos…

Tópicos de análise:

1. Relações entre os sindicatos, os patrões e trabalhadores.

2. Investigar, reflectir, decidir e depois actuar.

3. Saber pedir conselho a pessoas de confiança antes de actuar.

4. A motivação intrínseca é sempre mais forte que as motivações extrínsecas.

http://educacao.aaldeia.net/filmehalodonocais.htm
Foto: http://www.dvdpt.com/h/ha_lodo_no_cais.php

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Jerônimo Savonarola. Precursor da Grande Reforma. (1452-1498)


Fonte: Heróis da Fé

Vinte homens extraordinários que incendiaram o mundo

Orlando S. Boyer

O povo de toda a Itália afluía, em número sempre crescente, a Florença. A famosa Duomo não mais comportava as enormes multidões. O pregador, Jerônimo Savonarola, abrasado com o fogo do Espírito Santo e sentindo a iminência do julgamento de Deus, trovejava contra o vício, o crime e a corrupção desenfreada na própria igreja. O povo abandonou a leitura das publicações torpes e mundanas, para ler os sermões do ardente pregador: deixou os cânticos das ruas, para cantar os hinos de Deus. Em Florença, as crianças fizeram procissões, coletando as máscaras carnavalescas, os livros obscenos e todos os objetos supérfluos que serviam à vaidade. Com isso formaram em praça pública uma pirâmide de vinte metros de altura e atearam-lhe fogo. Enquanto o monte ardia, o povo cantava hinos e os sinos da cidade dobravam em sinal de vitória.

Se o ambiente político fosse o mesmo que depois veio a ser na Alemanha, o intrépido e devoto Jerônimo Savonarola teria sido o instrumento usado para iniciar a Grande Reforma, em vez de Martinho Lutero. Apesar de tudo, Savonarola tornou-se um dos ousados e fiéis arautos para conduzir o povo à fonte pura e às verdades apostólicas registradas nas Sagradas Escrituras.

Jerônimo era o terceiro dos sete filhos da família. Nasceu de pais cultos e mundanos, mas de grande influência. Seu avô paterno era um famoso médico na corte do duque de Ferrara e os pais de Jerônimo planejavam que o filho ocupasse o lugar do avô. No colégio, era aluno esmerado. Mas os estudos da filosofia de Platão e de Aristóteles, deixaram-lhe a alma sequiosa. Foram, sem dúvida, os escritos de Tomaz de Aquino que mais o influenciaram (a não ser as próprias Escrituras) a entregar inteiramente o coração e a vida a Deus. Quando ainda menino, tinha o costume de orar e, ao crescer, o seu ardor em orar e jejuar aumentou. Passava horas seguidas em oração. A decadência da igreja, cheia de toda a qualidade de vício e pecado, o luxo e a ostentação dos ricos em contraste com a profunda pobreza dos pobres, magoavam-lhe o coração. Passava muito tempo sozinho, nos campos e à beira do rio Pó, em contemplação perante Deus, ora cantando, ora chorando, conforme os sentimentos que lhe ardiam no peito. Quando ainda jovem, Deus começou a falar-lhe em visões. A oração era a sua grande consolação; os degraus do altar, onde se prostrava horas a fio, ficavam repetidamente molhados de suas lágrimas.

Houve um tempo em que Jerônimo começou a namorar certa moça florentina. Mas quando ela mostrou ser desprezo alguém da sua orgulhosa família Strozzi, unir-se a alguém da família de Savonarola, Jerônimo abandonou para sempre a idéia de casar-se. Voltou a orar com crescente ardor. Enojado do mundo, desapontado acerca dos seus próprios anelos, sem achar uma pessoa compassiva a quem pudesse pedir conselhos, e cansado de presenciar injustiças e perversidades que o cercavam, coisas que não podia remediar, resolveu abraçar a vida monástica.

Ao apresentar-se no convento, não pediu o privilégio de se tornar monge, mas rogou que o aceitassem para fazer os serviços mais vis, da cozinha, da horta e do mosteiro.Na vida do claustro, Savonarola passava ainda mais tempo em oração, jejum e contemplação perante Deus. Sobrepujava todos os outros monges em humildade, sinceridade e obediência, sendo apontado para lecionar filosofia, posição que ocupou até sair do convento.

Depois de passar sete anos no mosteiro de Bolongna, frei (irmão) Jerônimo foi para o convento de São Marcos, em Florença. Grande foi o seu desapontamento ao ver que o povo florentino era tão depravado como o dos demais lugares. (Até então ainda não reconhecia que somente a fé em Deus salva o pecador.)

Ao completar um ano no convento de São Marcos, foi apontado instrutor dos noviciados e, por fim, designado pregador do mosteiro. Apesar de ter ao seu dispor uma excelente biblioteca, Savonarola utilizava-se mais e mais da Bíblia como seu livro de instrução.

Sentia cada vez mais o terror e a vingança do Dia do Senhor que se aproxima e, às vezes, entregava-se a trovejar do púlpito contra a impiedade do povo. Eram tão poucos os que assistiam às suas pregações, que Savonarola resolveu dedicar-se inteiramente à instrução dos noviciados. Contudo, como Moisés, não podia escapar à chamada de Deus!

Certo dia, ao dirigir-se a uma feira, viu, repentinamente, em visão, os céus abertos e passando perante seus olhos todas as calamidades que sobrevirão à igreja. Então lhe pareceu ouvir uma voz do Céu ordenando-lhe anunciar estas coisas ao povo.

Convicto de que a visão era do Senhor, começou novamente a pregar com voz de trovão. Sob a nova unção do Espírito Santo a sua condenação ao pecado era feita com tanto ímpeto, que muitos dos ouvintes depois andavam atordoados sem falar, nas ruas. Era coisa comum, durante seus sermões, homens e mulheres de todas as idades e de todas as classes romperem em veemente choro.
O ardor de Savonarola na oração aumentava dia após dia e sua fé crescia na mesma proporção. Freqüentemente, ao orar, caía em êxtase. Certa vez, enquanto sentado no púlpito, sobreveio-lhe uma visão, durante a qual ficou imóvel por cinco horas, quando o seu rosto brilhava, e os ouvintes na igreja o contemplavam.

Em toda a parte onde Savonarola pregava, seus sermões contra o pecado produziam profundo terror. Os homens mais cultos começaram então a assistir às pregações em Florença; foi necessário realizar as reuniões na Duomo, famosa catedral, onde continuou a pregar durante oito anos. O povo se levantava à meia-noite e esperava na rua até a hora de abrir a catedral.

O corrupto regente de Florença, Lorenzo Medici, experimentou todas as formas: a bajulação, as peitas, as ameaças, e os rogos, para induzir Savonarola a desistir de pregar contra o pecado, e especialmente contra a perversidade do regente. Por fim, vendo que tudo era debalde, contratou o famoso pregador, Frei Mariano, para pregar contra Savonarola. Frei Mariano pregou um sermão, mas o povo não prestou atenção à sua eloqüência e astúcia, e ele não ousou mais pregar.

Nessa altura, Savonarola profetizou que Lorenzo, o Papa e o rei de Nápoles morreriam dentro de um ano, e assim sucedeu.

Depois da morte de Lorenzo, Carlos VIII, da França, invadiu a Itália e a influência de Savonarola aumentou ainda mais. O povo abandonou a literatura torpe e mundana para ler os sermões do famoso pregador. Os ricos socorriam os pobres em vez de oprimi-los. Foi neste tempo que o povo fez a grande fogueira, na "piazza" de Florença e queimou grande quantidade de artigos usados para alimentar vícios e vaidade. Não cabia mais, na grande Duomo, o seu imenso auditório.

Contudo, o sucesso de Savonarola foi muito curto. O pregador foi ameaçado, excomungado e, por fim, no ano de 1498, por ordem do Papa, foi queimado em praça pública. Com as palavras: "O Senhor sofreu tanto por mim!", terminou a vida terrestre de um dos maiores e mais dedicados mártires de todos os tempos.

Apesar de ele continuar até a morte a sustentar muitos dos erros da Igreja Romana, ensinava que todos os que são realmente crentes estão na verdadeira Igreja. Alimentava continuamente a alma com a Palavra de Deus. As margens das páginas da sua Bíblia estão cheias de notas escritas enquanto meditava nas Escrituras. Conhecia uma grande parte da Bíblia de cor e podia abrir o livro instantaneamente e achar qualquer texto. Passava noites inteiras em oração e foram-lhe dadas revelações quando em êxtase, ou por visões. Seus livros sobre "A Humildade", "A Oração", "O Amor", etc., continuam a exercer grande influência sobre os homens. Destruíram o corpo desse precursor da Grande Reforma, mas não puderam apagar as verdades que Deus, por seu intermédio, gravou no coração do povo.

http://www.adesal.org/?mod=page&page_p=971981

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma negra na Inquisição


A Inquisição e as etnias
Luzia Pinto, 50 anos, preta forra, natural de Angola
(Processo Inquisição Lisboa nº 252)

Neusa Fernandes

Luzia Pinto, 50 anos, preta forra, natural de Angola, moradora na Vila de Sabará, junto à Capela de Nossa Senhora da Soledade, foi presa em 1742, pelo Santo Ofício de Inquisição, acusada de feitiçaria. Era filha de Manoel da Graça, natural de Angola, e de Maria da Conceição, natural do Congo. Tinha dois irmãos: João e Angela. Jovem, veio de Angola para a Bahia de onde seguiu para Minas. Nesta Capitania dava consultas, curava doentes, como foi o caso de Luís Coelho Ferreira que, desprezando a Medicina, procurou a africana para ser medicado.7

No seu processo depuseram 19 testemunhas. Todas acusaram Luzia de praticar curas, através de receitas de papas e remédios feitos de ervas, raízes e vinho, e de fazer adivinhações em meio de ritual cantado e dançado. Para tanto, vestia-se à moda de anjo. Usava fita larga na cabeça e trazia um alfanje na mão. As pessoas cercavam-na, enquanto os atabaques eram tocados. Dançando, vinham-lhe “os ventos de adivinhar” e o dom de curar os “defeitos”. Saltando como cabra, Luzia fazia trejeitos, bramidos e algazarras. Uma das testemunhas informou que a preta forra praticava essas danças com cascavéis enroladas nas pernas e invocando o Demônio.8

Tudo começara quando tinha 12 anos e morava em Angola, na casa de seu amo Manoel Lopes de Barros.
Para ilustrar, contava que um dia, saindo pela manhã para o quintal, repentinamente, perdeu os sentidos. Foi levada até a margem de um grande rio, onde encontrou uma velha que lhe perguntou para onde ia. Continuando o caminho, encontrou mais duas velhas e uma bifurcação, indicando um caminho sujo e outro limpo. As velhas mandaram-na seguir pelo caminho sujo, onde encontrou um velho, com vários meninos. Contando esses fatos ao clérigo de Angola, Manuel João, este lhe disse que o velho que encontrara era Deus.
Considerava-se cristã, tendo sido batizada e crismada na Igreja Nossa Senhora da Conceição. Seu padrinho foi um negro chamado João, mas de sua madrinha não sabia o nome. Comungava e praticava todas as obras de cristã. Afirmava que seus feitos e palavras provinham de Deus.

Luzia depôs que não tinha pacto com o Demônio, não o invocava, nem nunca o tinha visto em parte alguma, que Deus sabia estar ela dizendo a verdade. Articulava suas rezas, para atingir o objetivo das curas, com a prática de pagamento aos santos, pedindo “dos enfermos duas oitavas de ouro, as quais repartia para Santo Antônio e São Gonçalo”.9
Depois de responder a inúmeras e repetidas perguntas, após um ano de prisão, foi-lhe dado tormento, lançada em um dos três instrumentos de tortura mais usados pelo Tribunal da Inquisição — o potro. Era o potro, segundo a descrição de Lúcio de Azevedo, uma “espécie de ripas onde, ligado o paciente a diferentes voltas de corda nas pernas e braços, se apertavam aquelas com um arrocho, cortando-lhes as carnes”.10
Os outros dois instrumentos eram a polé e o tormento da água. O primeiro era o mais comum: correias de couro amarravam a vítima pelos pulsos. Assim amarrada, a vítima era levantada atrás das costas até o alto do teto da Câmara de torturas e, dali, era despencada até perto do chão. Com o solavanco do choque, destroncavam-se as juntas da vítima. A mesma operação era executada até três vezes.

O tormento da água era menos usado. Consistia no afogamento do réu deitado e amarrado com a cabeça para o alto, boca aberta onde lhe metiam panos, enquanto era obrigado a beber através de um funil dezenas de cântaros de água.
Alguns réus, a princípio, negavam todas as acusações. A resistência, em geral, não passava da terceira sessão. Vencidos pela obstinação dos Inquisidores, acabavam por reconhecer as culpas, pedindo perdão e pagando as penitências impostas. Luzia Pinto, entretanto, constituiu-se uma exceção. Durante o ano em que transcorreu o seu processo, a preta forra confundiu os inquisidores ao afirmar sempre sua crença em Deus, que lhe dera os dons sobrenaturais, para exercer o seu ofício de curandeira.
Longe de omitir suas opiniões ou de responder evasivamente, Luzia Pinto negou sempre que tivesse algum pacto com o Demônio. Pelo contrário, disse que tudo obrava por destino que Deus lhe deu. Afirmava que suas aptidões eram sobrenaturais, virtudes que Deus lhe dotara.
Os inquisidores consideraram que a “ré” vivia apartada da fé católica e que firmara um pacto com o Demônio, fazendo curas supersticiosas e adivinhando coisas ocultas.
A tarefa de condenar Luzia Pinto demandou 127 páginas de interrogatórios, depoimentos, pareceres inquisitoriais sobre sua crença e curas.
No Convento de Santo Domingo, em ato público, ouviu Luzia Pinto sua sentença — a condenação a quatro anos de degredo e a rezar cinco Padre-nossos e cinco Ave-marias todas as sextas-feiras, a confessar-se na Páscoa, no Natal, na Ressurreição do Espírito Santo e na ascensão de Nossa Senhora. Havia, ainda, a ameaça de penas mais pesadas, se reincidisse no crime.

Tendo vivido na África (Angola) e no Brasil (Bahia e Minas Gerais), Luzia realizou uma complexa rede de cruzamentos culturais, mesclando crenças africanas com a religião católica, trazendo e levando elementos de um universo cultural para outro.
E o processo inquisitorial, bem diferente em muito, do processo jurídico, não abriu espaço para considerar as diferenças étnicas nem para investigar o sincretismo religioso. Luzia, na verdade, cruzou duas devoções, praticando o catolicismo revestido por suas crenças africanas.
É aos “santos” de terreiro que se oferece preciosas prendas. Da mesma forma, no catolicismo, os devotos presenteiam seus santos milagreiros. Introduzindo o culto e a fé aos santos milagreiros do catolicismo ao ritual religioso que trouxe do berço africano, Luzia Pinto praticou um novo padrão cultural. Rezava aos santos e lhe oferecia pagamento como se estivesse obedecendo a uma voz divina de comando. Acreditava estar agindo em nome de uma religiosidade colonizadora. Era a voz do Deus do colonizador que guiava sua ação “herética”.

Apesar de nunca ter sido implantado no Brasil, como em Portugal, o Tribunal da Inquisição1 esteve presente e atuante na Colônia. Os Livros dos Culpados, bem como os processos da Inquisição de Lisboa revelaram que cerca de dois mil brasileiros foram presos, julgados e condenados em Portugal, até o século XIX.
No Brasil, o Tribunal da Inquisição iniciou suas atividades em 12 de fevereiro de 1579, durante o reinado do cardeal D. Henrique, quando D. Antonio Barreiros — bispo e governador da Bahia — foi designado comissário do Santo Ofício. Permaneceu até às vésperas da independência, atuando por intermédio de seus Comissários e Familiares

Comissários eram homens do clero, representantes do Tribunal. Tinham o poder de prender e o dever de informar tudo a Lisboa, encarregada dos casos brasileiros. Para o julgamento dos casos especiais, os Comissários poderiam contar com os Visitadores oficiais. Eram, portanto, os inquisidores da Colônia, podendo agir e tomar todas as atitudes que os inquisidores tomavam, inclusive examinar os pertences pessoais do preso, contas, Livros de Razão etc.
Familiares eram homens leigos, de influência, com “sangue limpo” e com funções semelhantes a dos Comissários, isto é, colher denúncias, investigar, confiscar os bens e prender.
Em regiões onde não havia Familiares nem Comissários, os bispos substituíram os inquisidores, ocupando o lugar desses agentes e organizando as visitas diocesanas.

Muitas vezes, o bispo se sentiu incompetente para julgar a culpa do preso ou mesmo para sentenciar. Nessas ocasiões especiais, poderia recorrer aos Visitadores oficiais. Assim, embora as visitas diocesanas se constituíssem na esfera episcopal, contaram com a participação direta dos membros do Santo Ofício, Comissário do Tribunal da Inquisição que acompanhavam os processos das devassas.2 Mesmo os Comissários residentes na Colônia poderiam ser designados para essa tarefa de “inquirir”, em determinadas regiões.3
Além dos bispos, familiares e comissários, o trabalho inquisitorial requisitava grande número de funcionários, como clérigos seculares e regulares. Mas o principal instrumento da política religiosa na Colônia eram mesmo os Visitadores que, acompanhados de um escrivão, percorriam as freguesias, onde era oficializada a Mesa da Visitação, com a tarefa de abrir os processos. Prenunciada por um ritual, preparado pelos clérigos locais, essas visitas podiam acontecer anualmente. Toda a população era convocada, através de edital, para responder interrogatórios preliminares, com 40 quesitos4 e delatar pessoas consideradas heréticas, quando da chegada do visitador.5

Na verdade, o Santo Ofício interferiu profundamente na vida colonial, durante mais de dois séculos, perseguindo portugueses, brasileiros, índios e africanos, nos quatro cantos do Brasil. O maior número de denunciados vivia no Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba e Minas Gerais. Eram cientistas, médicos, comerciantes. Na Paraíba, singular­mente, o maior número de prisões foi de mulheres.
Quando o Brasil se tornou a terra do ouro, os dirigentes de Inquisição passaram a se preocupar com a massa que afluía às minas. Mas o Tribunal procedeu também a prisões no Amazonas, atingindo aos naturais de terra. Processos inquisitoriais inéditos, pertencentes ao Arquivo Nacional de Torre do Tombo comprovam as perseguições, como o da índia Florência Perpétua, habitante do Rio Negro (Amazonas), acusada de poligamia, e da negra forra Luzia Pinto, habitante de Minas Gerais, acusada de bruxaria.

UMA ÍNDIA NA INQUISIÇÃO
(Processo Inquisição Lisboa no 225)

Em 30 de outubro de 1768 foi presa pelo Tribunal da Inquisição a índia Florência Martins, conhecida também como Florência Perpétua, acusada de poligamia. Florência tinha entre 25 e 28 anos. Era coxa de uma perna, porque lhe faltavam alguns dedos do pé. Natural do sertão do Rio Negro, pertencia à nação Baré, Capitania do Rio Negro, mas, no momento de sua prisão, morava em Poyares, Bispado do Pará. Em seu depoimento informou que seu pai foi o índio Diogo e “uma índia infiel”, ambos falecidos.
Ainda menor, ela e seus pais vieram da Aldeia de Bararoá, desceram o Rio Maieneuxi até o Rio Negro, onde se juntaram a outros índios. Na descida, foram todos recolhidos pelo jesuíta Antônio José, à Vila do Borba, que se chamava Aldeia dos Trocanos. Nesta Vila, foi batizada, comungava e fazia as demais obras cristãs. Casou-se, em 18 de julho de 1757, com o índio Julião Coelho, na Paróquia da Vila, tendo como testemunhas o índio Ariquena de Abreu e a mulher Valentina Ariquena. Nove anos depois, conheceu o índio Antônio de Lima, com quem combinou fugir. Levando suas duas filhas, foi com Antônio para Poyares, onde com ele se casou em 5 de janeiro de 1766, na Igreja Paroquial, na presença do Reverendo Vigário Vicente Ferreira da Silva, tendo como testemunhas o índio Tomé de Brito e a índia Mariana, mulher do índio Roque. Os casamentos foram realizados na língua tupi.

Por ter contraído segundas núpcias, tendo vivo o seu primeiro marido, foi denunciada e presa pela Inquisição. Em seu depoimento explicou que se casou com Antônio, porque seu marido Julião estava há muito tempo doente e, por isso, não realizava o matrimônio.
Vários moradores da Vila do Borba depuseram no processo, informando que sabiam dos dois casamentos realizados pela índia Florência, e confirmaram que o primeiro marido, Julião, sofria de chagas cancerosas. Tudo “por ouvir dizer”, sem precisarem os dados.
Julgada pelo Tribunal, teve o Conselho inquisitorial sensibilidade para distinguir as diferenças culturais entre as duas civilizações. A índia Florência Martins Perpétua foi severamente repreendida pela Mesa. Entretanto, os inquisidores mandaram-na soltar, alegando que: “não deve ser a ré mais severamente punida (...) porque sendo indispen­sável a necessidade de haver malícia para haver culpa, a barbaridade da ré que ainda a acompanha de tal modo que não se sabe explicar na língua portuguesa, faz com que conserve daquela natureza bárbara e selvagem em que foi nascida e criada no sertão”.

Comparada ao século anterior, pode-se ver que a repressão política, econômica e religiosa se intensificou na Colônia, como bem o demonstrou o Regimento das Superintendentes, Guardas Mores e Oficiais, de 1702, elaborado para a região das minas de ouro. Os exames de pureza de sangue se tornaram mais rígidos e aumentou o número de familiares. Para as minas, por exemplo, foram designados nove familiares. Apesar da importância e do sangue puro, os familiares sofreram várias acusações de roubos.
Em Minas Gerais, os representantes do Tribunal processaram e condenaram blasfemos, sodomitas, concubinos, bígamos, judaizantes e feiticeiros, na primeira metade do século XVIII, quando os processos se multiplicaram no Tribunal da Inquisição. Acusações de heresia ocorreram em menor número.
Fantástico foi o processo de Pedro Rates Henequim que, depois de viver vinte anos em Minas, foi denunciado à Inquisição, como “cabalista”, queimado, depois de ser afogados no Rio Tejo.6

Numerosas foram as prisões por feitiçarias, entre os homens, como, por exemplo, o escravo Bernardo Pereira Brasil que, curiosamente, “curava” doentes, tirando ossos de seus corpos e chupando-os para lhes tirar os feitiços. Sofrendo devassa, recebeu como pena 60 açoites, de seu próprio amo, na rua principal do Arraial.
Outro acusado de feitiçaria foi o negro Domingos Caldeireiro que fazia curas com feitiçarias em sua própria casa, onde se reuniam outros negros para um ritual de danças e batuques.

NOTAS
1. A Inquisição se estabeleceu em Portugal, em 1547, por força da bula “Meditati Cordis”, de Paulo III. Já em 1536, o rei D. João III havia conseguido que o Tribunal do Santo Ofício atuasse no Reino, fazendo suas primeiras vítimas, apresentadas no primeiro Auto de Fé, em 1540. Era regulamentado por um Regimento que foi, através dos tempos, modificado, conforme os interesses políticos e econômicos da Instituição. O primeiro Regimento data de 1552. O segundo, de 1613 e vigorou até 1640, quando entrou em vigor o quarto Regimento que durou 134 anos. Somente em 1774, o Marquês de Pombal o substituiu, elaborando o quinto Regimento do Santo Ofício.
2. Figueiredo, Luciano Raposo. As Práticas Inquisitoriais nas Minas Colonial, In: 1º Congresso Brasil-Portugal, Lisboa, p. 4.
3. Siqueira, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade. São Paulo, Ática, 1978, p. 139.
4. Os quesitos dos Interrogatórios abrangiam todos os crimes e transgressões religiosas, como: heresias, blasfêmias, feitiçarias, bigamias, solicitações, sacrilégios, sodomias, incestos, bestialidades, concubinatos, falsos juramentos, judaísmo, corrup­ções, empréstimos, dívidas, usuras, vinganças e muitos outros. Pode-se concluir que os interrogatórios das visitas diocesanas, especulavam profundamente, os costumes, radiografando toda a vida social da paróquia.
5. Essas visitações foram propostas por D. Diogo da Silveira, ao rei, em 1536, com o objetivo de penalizar os hereges, sobretudo os seguidores do judaísmo: “Algumas pessoas, assim como homens e mulheres que não temendo o Senhor Deus, nem o grande perigo de suas almas, apartados de nossa Santa Fé Católica, tendo, crendo, guardando e seguindo a Lei de Moisés e seus ritos, preceitos e cerimôniais e tendo outras opiniões e erros heréticos.” APUD Furtado, Junia Ferreira — Homens de Negócio, São Paulo, FFLCH/USP, tese de Doutoramento, 1996, p. 273.
6. Processo Inquisição Lisboa no 4864.
7. Processo Inquisição Lisboa no 252, p. 10.
8. Processo Inquisição Lisboa no 252, pp. 36 e 39.
9. Processo Inquisição Lisboa no 252, p. 76.
10. Uma das vítimas desse tormento foi o jornalista Hipólito da Costa que afirmou serem as cordas causas de violentas compressões no corpo inteiro.

www.rj.anpuh.org/Anais/1998/autor/Neusa%20Fernandes.doc
Foto: http://www.espada.eti.br/n1676.asp






terça-feira, 12 de maio de 2009

Mensagem aos jovens do Escritor Óscar Ribas


Caros jovens:
Como não me conheceis, vou fazer-vos a minha apresentação. Nasci em Angola.
Dado às letras, especialmente me dedicando à etnografia. Mas também produzindo obras de ficção e de poesia. Embora agindo nas trevas, não físicas, mas sensoriais, toda esta produção foi elaborada desde os 18 anos até à actual etapa da proximidade dos 88.

Para um juízo mais exacto de quem vos está falando, complementarmente acrescentarei que meu pai era português, e minha mãe, angolana, Estou radicado em Portugal desde meados de Junho de 1983, vivendo num lar da 3.ª idade, onde continuo, com a ajuda de um secretário, a ultimar a minha obra.
Já tenho dialogado com grupos de jovens e de crianças. Desta vez, talvez pela palavra inarticulada, saberei corresponder à vossa expectativa? Em vosso espírito desejoso de novidades, de algo que satisfaça a vossa curiosidade do ineditismo, tentarei penetrar nele, valendo-me de minha longa experiência.

Quem não sonha? Só o que já se foi. Pois, tal como vós, igualmente me embrenhei em ilusões, igualmente arquitectei deliciosos sonhos. Embora na última estação da vida, o sonho não deixa de me alentar, amenizar as agruras.

Desabaram os castelos urdidos na esperança? Ficámos decepcionados? Perdemos o anseio? Mas não dispomos nós de mágicas ferramentas? Recuperemos a energia, imponhamo-nos a resistência e metamos mãos à obra, Sem a necessidade, a carência do desejável, não há reacção. E sem reacção, não logramos o objectivo. De onde resultou o Progresso, senão dessa cruciante busca? Avante, pois!

Estais na época do prazer, das estúrdias. Folgai, aproveitei o ensejo. Mas não descureis da ferramenta da sabedoria. Apetrechai-vos convenientemente, sempre e sempre a melhorando. Com ela, vos imporeis social e profissionalmente. Então, que satisfação para o próprio e para os seus!

Vivemos num ambiente de sedutoras tentações. Se umas são benéficas, outras, pelo contrário, desesperam-nos com os seus tentáculos. Mesmo com os olhos abertos, precipitamo-nos num abismo. No estonteamento da queda, cometem-se desvarios de toda a ordem. Refiro-me ao horrível consumo dos estupefacientes. E quantos, na impotência da salvação, se lançam no abismo de que nunca mais se retiram? Não vos restrinjais apenas aos olhos físicos. Recorrei também aos da alma, Esses, mais penetrantes, alertam-nos melhor. Sede prudentes, jovens!

Estamos vivos? Mantenhamos a vida. Por quê e para quê atentar contra ela, sabendo que determinado rumo nos conduz a uma fatalidade? assim alegres, assim bem dispostos, fruindo a existência na luminosidade da esperança, não obteremos a paz espiritual? Errámos? Corrijamo-nos, Caímos? Levantemo-nos. Todo o tempo presta-se à recuperação.
Por ora, sois jovens, estais na fase em que o ímane do amor vos perturba. Aquela moça não vos sai do pensamento. Possa ou não ser o par que satisfaça a vossa aspiração, a mulher, que também é vossa mãe, vossa irmã, vossa consorte, vossa filha, inspira-nos o maior respeito, o maior afecto.

A par destes vínculos, ela é também a sábia conselheira, a perspicaz orientadora. Portanto, deve ser defendida pelo homem digno desse nome. O atentado contra a sua honra, em certos países é punido com a máxima severidade. Se gostamos que nos respeitem, por quê não respeitá-la? jovens, cultivai o sentimento da dignidade, da nobreza de carácter. Nunca vos alvitreis ou permitais que se ultraje ou abuse da fraqueza da mulher.

A violação, qual nódoa corrosiva, deve mortificar, ressurgir em lembranças doridas. Conforme semeamos, assim colhemos.
Sede perseverantes, uma vez que o intento não seja repulsivo. Graças à perseverança, realizei o meu ideal. Sem o querer, não advém o poder.
Verdadeiramente, comecei a editar a minha obra sem dinheiro disponível, hipotecando a uma instituição a reduzida pensão que meu pai me legou. Completei a quantia com dinheiro emprestado por um irmão. E sempre com empréstimos pagáveis com letras a 90 dias. Até que prescindi desse enervante compromisso. Actualmente, já foram editados 16 livros, restando 4 por publicar.

Na tortuosa caminhada da vida, cruzamo-nos com pessoas que, pela sua leal conduta, nos originam amistoso relacionamento, e com outras que, mal-intencionadas, nos atraiçoam, fomentando calúnias. Pior que a fera, é o próprio homem. A fera investe em necessidade de alimento ou de defesa por agressão. Por uma hipócrita amizade, já fui vítima. Portanto, acautelai-vos com as confidências.

Sempre fostes, sois e sereis os construtores de uma nação, os porta-testemunho dos antecessores, No cumprimento das tarefas e missões que vos esperam. Sede venturosos, jovens de todo o mundo!
Vou terminar esta mensagem, à maneira dos narradores dos contos populares de minha terra: - já expus a minha historiazinha. Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem.

Fisgas de Alcoitão, 14 de Junho de 1997
Foto: http://www.cpires.com/fotos_do_lobito.html




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Há Quem Venda a Alma por Um Par de Sandálias de Plástico


Por A.C.P.Sábado, 27 de Março de 2004
PÚBLICO ÚLTIMA HORA

PÚBLICO – Há muita prostituição infantil em Nacala?
D. Germano Grachane – De miúdas, principalmente. Isto é um ponto marítimo, ferroviário, pedonal e aéreo. Não sou sociólogo, mas não é preciso ser especialista para ver. Aqui é normal! Ao fim-de-semana, os comboios, os camionistas. Olhe, é tempo de paz de Dezembro a Maio. É uma vida paradisíaca.

Por causa da miséria?
Sim. Uma pessoa vive longe, lá no campo, vê Nacala iluminada e é atraída pela luz. Vem, não tem emprego, não tem casa e é mãe de família, pai... Vende a alma por um par de sandálias de plástico, por um pedaço de pão. O HIV dispara em flecha. Já pedi socorro, com base nas características da cidade, e temos um pequeno centro para aconselhamento e acompamento dos infectados que não têm cura possível.

Há curandeiros que dizem que sim...
Li, no "Savana" [semanário moçambicano], o que a chefe de Medicina Tradicional do Ministério da Saúde diz: "Não tenho provas para mostrar que não podem curar". Seria um "boom" científico.

Há hipótese de os curandeiros estarem a usar órgãos humanos?
Não conheço casos concretos, só posso responder com a antropologia. Aí entraria também a superstição. Estariam a fazer remédios.
Em torno do processo de Nampula, surge também a insinuação de que as congregações católicas estariam a ceder crianças para adopção internacional à revelia da segurança social...

Na minha diocese, não conheço nenhum caso de adopção. Tenho é casos de pessoas que pedem que indique alguém para mandar ajuda para estudar. Eu era o melhor aluno do seminário, em 1957, e havia um casal benfeitor – eram os meus "padrinhos". Como aconteceu comigo, acontece com outros. Isso é o tipo de adopção que se pode facilitar. De outra não sei. Como é que se manda a criança para a Europa?

Há um português retido...
Documentos falsos. O Governo acusou-o de tentar levar ilegalmente um menor. Um dos pontos negativos destas histórias de raptos é que os carros são de brancos que subornam os locais. Isto pode desencadear uma aversão colectiva. É preciso tirar essa história a limpo.

sábado, 9 de maio de 2009

Voltaire – Robert G. Ingersoll


O Artigo abaixo é tradução de um trabalho de Robert Green Ingersoll, realizada por Afonso M. C. Amorim que, gentilmente, ofereceu como colaboração à MPHP.

 

A publicação em português está formalmente autorizada pela Internet Infidels. Inc., que inclusive disponibilizou um link para a MPHP em seu site.

 

Original em inglês: p://www.infidels.org/library/historical/robert_ingersoll/on_voltaire.html

 

 

VOLTAIRE

 

ROBERT GREEN INGERSOLL

 

1894

 

 

Os infiéis de determinada época se transformam nos santos da época seguinte. Os destruidores do velho são os criadores do novo. À medida que o tempo passa, o velho se vai e o novo, por sua vez, torna-se velho. Há no mundo intelectual, como no mundo físico, decadência e crescimento, e no túmulo dos que decaíram nasce a juventude e a alegria.

 

A história do progresso intelectual é escrita na vida dos infiéis; direitos políticos têm sido escritos por traidores, e liberdades de mentes, por hereges. Atacar um rei era traição; disputar com um sacerdote, uma blasfêmia. Por muitos séculos, a espada e a cruz foram aliadas. Juntas elas atacavam os direitos dos homens. Elas se defendiam entre si. O trono e o altar eram abutres irmãos gêmeos, vindos do mesmo ovo.

 

Jaime I disse: 'nenhum bispo, nenhum rei'. Ele deveria ter acrescentado: 'nenhuma cruz, nenhuma coroa'. O rei era o dono dos corpos dos homens. O sacerdote era dono da alma. Um vivia de taxas coletadas pela força; o outro, de esmolas coletadas pelo medo – ambos eram ladrões, ambos pedintes.

 

Esses ladrões e esses pedintes controlavam dois mundos: os reis faziam leis e os sacerdotes faziam crenças. Ambas atribuíam sua autoridade a Deus. Ambos eram representantes do Eterno.

 

Com as costas recurvadas, o povo carregava as obrigações de um, e com as bocas abertas de espanto, recebia os dogmas do outro. Se o povo tentasse ser livre, seria esmagado pelo rei, e todo sacerdote era um Herodes que esmagava as crianças pensantes.

 

O rei governava pela força, e o sacerdote, pelo medo, e ambos dependiam um do outro.

 

O rei dizia ao povo: "Deus vos fez servos, e me fez rei; ele vos fez para o trabalho, e me fez para a alegria; ele vos deu trapos e ferramentas e me deu palácios e roupas ricas; ele vos fez para obedecer e me fez para comandar. Esta é a justiça de Deus".

 

E o sacerdote dizia: "Deus vos fez ignorantes e vis; ele me fez sábio e santo; vós sois as ovelhas; e eu, o pastor; vossas peles pertencem a mim; se não me obedeceis aqui, Deus vos punirá e vos atormentará para sempre num outro mundo. Esta é a misericórdia de Deus".

 

"Não deveis usar a razão. A razão é uma rebelde. Não deveis contrariar – a contradição é nascida do egoísmo. Deveis acreditar. Aquele que tiver ouvidos para ouvir, que ouça". O céu era só uma questão de audição.

 

Felizmente para nós têm havido traidores e hereges, blasfemadores, investigadores, pensadores, amantes da liberdade, homens de gênio, que deram suas vidas para melhorar as condições dos seus semelhantes.

 

Isto pode ser suficiente para nos fazer perguntar: o que é a grandeza?

 

Um grande homem adiciona a o nosso conhecimento, amplia os horizontes do conhecimento, liberta as almas das bastilhas do medo, cruza mares desconhecidos e misteriosos, desbrava novas ilhas e novos continentes para o domínio do conhecimento, novas constelações do firmamento para nossas mentes. Um grande homem não busca aplauso e colocação. Ele busca a verdade. Ele busca a estrada para a felicidade, e o que ele obtém ele compartilha com os demais.

 

Pode continuar a leitura aqui:

http://www.mphp.org/racionalismo/voltaire---robert-g.-ingersoll.html

 

sexta-feira, 8 de maio de 2009

PEPETELA. O mistério dos passaportes chineses


O colonialismo e a escravidão ainda não acabaram não. É urgente a fundação de outro movimento de libertação de Angola… de movimentos de libertação mundiais.

 

Muito misterioso, Pepetela só notar nos anúncios do Jornal de Angola o mistério dos passaportes chineses, não é?!

Não viu o mistério dos anúncios por abandono injustificado do serviço. Será que morreram de fome? Foram assassinados? No tocante às senhoras fugiram porque os patrões as queriam empregar deitadas nas camas. Esta coisa de assédio sexual é tão normal, tão institucional.

 

Também o mistério dos anúncios de tanta empresa de especulação imobiliária. O mercado tem tal enchente desta escumalha, não chega para todos claro, que assim se explica o parte-casas e o roubo de terrenos. De outro modo não sobrevivem.

 

E os anúncios de geradores eléctricos? Bruto negócio não é?! Abandona-se a energia eléctrica para facturar nos geradores?!

E os anúncios fúnebres? Pepetela não reparou quantos morreram vítimas de assassinato? E quantos e quantos morreram de fome?

 

Pepetela também não notou que o jornal só anuncia, vangloria um partido, sempre o mesmo, porque será?

Finalmente nota-se bem que o amigo Pepetela só compra o Jornal de Angola por causa dos anúncios e para embrulhar o lixo. Eu também.  

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O mito da pátria de chuteiras


Livro relata fatos e ficção ligados a uma equipe de futebol que se tornou uma alegoria da resistência do povo ucraniano à ocupação nazista

JBONLINE

Marcelo Kischinhevsky*

Reprodução

O F.C. START reuniu jogadores do glorioso Dínamo de Kiev e tornou-se mito ao travar batalhas contra nazistas no campo e na guerra
Futebol & guerra: resistência, triunfo e tragédia do Dínamo na Kiev ocupada pelos nazistas
Andy Dougan
Tradução de Maria Inês Duque Estrada
Jorge Zahar
204 páginas, R$ 29

A agradável tarde de 7 de junho, de temperatura amena, típica do verão em Kiev, contrastava com a tensão estampada no rosto de cada funcionário da Padaria nº 3. Seu time de futebol, batizado de F.C. Start, estava prestes a escrever um dos capítulos mais espetaculares - e ao mesmo tempo nebuloso - da história do esporte mundial.

O uniforme se limitava a um jogo de camisas de malha vermelha, que evocava a bandeira da União Soviética. Tudo o mais era improvisado: em vez de calções, calças cortadas; no lugar das chuteiras, sapatos comuns, de lona. O adversário também era inusitado - nas fileiras do Rukh, formavam velhos conhecidos, simpatizantes da Alemanha nazista. Era o pontapé inicial do primeiro e único campeonato da Ucrânia ocupada por Hitler. Um torneio que, disputado no amargo ano de 1942, faria nascer um dos maiores mitos do futebol internacional.

As lendas e os fatos relacionados à equipe do Start, na verdade um combinado de jogadores do Dínamo de Kiev e do rival Lokomotiv, são narrados num livro excepcional, do jornalista e escritor escocês Andy Dougan, Futebol & guerra: resistência, triunfo e tragédia do Dínamo na Kiev ocupada pelos nazistas.

Dougan não escreveu exatamente um livro sobre futebol, mas sim sobre a tragédia que se abateu sobre o povo ucraniano e todo o intrincado jogo de interesses políticos em torno do lendário time do Start, que venceu todas as partidas que disputou até ser encarcerado no temido campo de extermínio de Siretz, em Babi Yar, nos arredores de Kiev. Esse mito, propalado por autores de renome como o uruguaio Eduardo Galeano, pode ser resumido da seguinte forma:

Era uma vez um time de futebol, orgulho da Ucrânia, que lutou bravamente contra a invasão dos alemães. Quando Kiev foi ocupada, todos foram presos. Só escaparam de ir para o campo de concentração por obra e graça de um Oskar Schindler local, que os levou para trabalhar numa fábrica de pães. Lá, formaram novamente uma equipe e voltaram a enfrentar os nazistas num campeonato de futebol armado pelas tropas de ocupação para provar a superioridade ariana. Ganharam todas as partidas, defendendo a honra da Ucrânia e do socialismo. Na última, bateram uma seleção germânica e, por isso, logo após o fim do jogo, foram fuzilados, ainda vestindo seus uniformes.

A história comovente do chamado Jogo da Morte circula há várias gerações no meio do futebol e até inspirou um péssimo longa-metragem, Fuga para a vitória, no qual Pelé (?!) interpreta um dos jogadores. Pena que, em grande parte, trate-se apenas de um mito, nascido de relatos de torcedores sobreviventes da ocupação nazista e reiterado pelos dirigentes soviéticos. Uma versão conveniente sobre o heroísmo e a abnegação do povo ucraniano, que finalmente agora é destrinchada pela ampla pesquisa empreendida por Dougan.

Ok, de fato, parte do time do Dínamo de Kiev lutou contra os nazistas nos campos de batalha. Muitos desapareceram nesse período e seus corpos jamais foram encontrados. As tropas ucranianas eram mal equipadas e treinadas. Em muitos pelotões, havia um fuzil para cada grupo de cinco soldados. Do outro lado, marchavam alemães bem nutridos, muitos dos quais acreditavam na propaganda de sua superioridade racial.

Kiev caiu e iniciou-se um dos períodos de maior barbárie da história humana. Em novembro, menos de um mês após a ocupação, 100 mil civis já haviam sido executados, dos quais 75 mil judeus. Era demais mesmo para um povo que sobrevivera, na década anterior, à Grande Fome orquestrada por Stálin - o ditador soviético que confiscou grande parte da declinante produção de grãos ucraniana, deixando a população local à míngua - e à política de deportações de dissidentes para campos de trabalhos forçados na Sibéria.

Com o país submetido à servidão, os nazistas reativaram algumas das padarias (na verdade, grandes fábricas de pães) existentes antes da ocupação, como a nº 3. A população foi dividida em castas. No topo da pirâmide, estavam os alemães, seguidos pelos arianos de países aliados. Abaixo, estavam os ucranianos, impedidos de exercer qualquer atividade qualificada. A economia deveria voltar a funcionar basicamente para garantir a exportação de trabalhadores rumo às fábricas germânicas de armamentos. Alguns ucranianos emigraram voluntariamente para fugir das péssimas condições de vida no país ocupado, mas a maioria (mais de 40 mil por mês) foi enviada para a Alemanha na mira de fuzis.

Neste momento, Josef Kordik, tcheco de origem, mas fluente em alemão, identificou-se como austríaco e conseguiu o controle da Padaria nº 3. Apaixonado por esportes, este sujeito rude e amargurado conseguiu reunir, entre seus funcionários, diversos atletas que passavam toda sorte de necessidades como cidadãos de segunda classe. Entre eles, jogadores do Dínamo, muitos remanescentes da conquista do título soviético de 1936, como Trusevich, Goncharenko, Korotkykh, Makhinya e Kuzmenko.

Dougan relata todas as dificuldades enfrentadas por estes jogadores para sobreviver a uma guerra que, ao acabar, havia reduzido a população de Kiev de 400 mil habitantes para 80 mil. É impressionante seu esforço de cotejar fontes contraditórias para episódios polêmicos, como a lendária vitória sobre a suposta seleção alemã no Jogo da Morte. O time germânico, chamado Flakelf (algo como os ''Onze da Bateria Antiaérea''), estava longe de ser uma equipe de atletas profissionais da Luftwaffe (Força Aérea), como seria descrita posteriormente na mitologia soviética.

Mesmo assim, ressalta o escritor, era uma tropa de ocupação buscando sobrepujar ucranianos, assim como havia ocorrido no campo de batalha. E não apenas o Flakelf fracassou, mas acabou humilhado pelos talentosos mas famintos jogadores do Start, que não estavam livres da rotina de trabalhos forçados e só melhoravam sua dieta graças à comida fornecida às escondidas por torcedores e soldados romenos, aliados de ocasião dos nazistas.

O desfecho é trágico, mas a maior surpresa da narrativa é descobrirmos que desconhecemos, em larga extensão, a história da opressão ao povo ucraniano, que não teve a publicidade de outros genocídios do século 20. Há no livro momentos inquietantes, como a descrição detalhada da máquina de extermínio alemã e a incômoda semelhança entre os interrogatórios a que os jogadores foram submetidos anos antes, no período stalinista, e durante a ocupação nazista. E a mais perversa ironia: a cortina de silêncio imposta aos sobreviventes do Start, que não puderam, durante décadas, contar suas histórias sob pena de macular a versão oficial comunista.

Com esse gol de placa, Dougan mostra que futebol também é coisa séria, para ser estudada a fundo, sob pena de se incorrer em mistificações. E expõe as entranhas da mitologia da pátria de chuteiras, tão cara aos cronistas esportivos brasileiros, ávidos pela criação de mártires como os do Dínamo.

*Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e colunista do JB


terça-feira, 5 de maio de 2009

Iriscelta


Este é um sonho que se tornou real. A terra mágica. A viagem fantástica. A natureza indomada. Manaus. O Rio Negro. O Lago Mamori. Os igarapés. O Teatro Amazonas. Os povos da floresta. Os índios. É necessário dizer que adorei esta viagem? Foram momentos de intensa conexão com a Deusa e o Deus. É indescritível.Um banho de cultura e a surpresa por encontrar um povo tão receptivo e gentil.

Sempre alimentei este sonho desde bem jovem, quando ainda era uma aluna do curso de Biologia. Sonhei até em trabalhar no INPA em Manaus. Mas o mundo é um moinho e consumiu meu mais lindo sonho. Minha vida tomou rumos inesperados. Fiz pós-graduação em Botânica no Museu Nacional, UFRJ, casei, tive 2 filhos, tornei-me professora de Biologia pra poder me sustentar e manter meus filhos...Mas a paixão pela Natureza sempre foi muito forte em mim. Finalmente, reuni coragem e resolvi passar parte de meus dias de férias em Manaus e finalmente realizar este sonho de conhecer a Mata Virgem.

Quando me aproximava da região uma moça moradora da região a Patrícia, me mostrou os locais.As fotos iniciais nos dão uma visão de cima da grande mata e de Manaus. É uma grande extensão de terra, com florestas e grande malha fluvial.
Pois, assim que lá cheguei fui a conhecer o Teatro Amazonas que tem uma estória muito interessante, pois foi construída na época do esplendor econômico da borracha, no ínvio do século XX, com materiais de diversos lugares do mundo. Atualmente, o Teatro é o centro cultural de Manaus, local onde ocorrem muitos eventos culturais.

Estive num hotel de selva, o Mamori, distante umas 3 horas de Manaus, pois eu quis conhecer as espécies de plantas e os animais típicos. Por 2 dias eu percorri rios, igarapés, varzes fui à pesca da piranha, vi o pôr-do-sol, a lua crescente, uma tempestade noturna com muita chuva, raios e trovões, mas ao amanhecer despontou um lindo sol sobre as águas do rio. O banho no rio foi muito bom e a vivência com turistas estrangeiros e o povo nativo foi muito maravilhosa.

Pois, embora falando línguas diferentes conseguimos estabelecer uma empatia, comunicação e até jogamos cartas. As refeições eram feitas numa sala de jantar onde todos compartilhavam do espaço.O dormitório era constituído de redes e algumas camas, num espaço onde não havia separação individual. Nos momentos que antecederam minha volta caiu uma forte chuva no local.O que mais me impressionou foi o interior da mata, com suas grandes árvores e vegetação cerrada de castanheiros-do-pará, palmeiras, etc. e um alto índice de humidade.O guia me deu muitas explicações a respeito da utilidade das plantas...

No restante do tempo, percorri todos os museus de Manaus que pude, principalmente, os com fauna e flora representativos da região.O bosque da Ciência do INPA, o Museu de Ciências dos japones e o Museu do Seringal foram os que mais me impressionaram, por sua diversidade de espécies e História. O Museu do Serigal Vila Paraíso é muito impressionante por ser uma réplica de um antigo local onde viveu Juca Cristão,um seringalista português. Neste local a rede Globo fez as filmagens da "Selva". Lá o guia me deu explicações detalhadas de como era feita a exploração da borracha e tudo que envolveu a estória do local.O Mercado Municipal é outro local bem curioso, por sua arquitetura e ainda é o centro comercial do porto de Manaus.

Pude ver uma exposição maravilhosa sobre a escrita chinesa e uma coleção de numismática no Centro Cultural Rio Negro, que foi no passado a residência de um comerciante alemão de borracha...
Os rituais indígenas da etnia dessano foram muito lindos e retratam um pouco dos costumes e crenças desta tribo que vive no Alto Rio Negro.
O povo de Manaus é muito simpático e amistoso, tendo a cidade uma intensa atividade cultural no entorno do Teatro Amazonas.Em fins de semana, ocorrem várias atividades culturais na praça simultaneamente, no teatro e nas casas que foram transformadas em locais de atividades culturais, tais como música, exposição de pinturas, etc. é uma cultura multifacetada, miscigenada, rica, que me emocionou a cada momento....

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domingo, 3 de maio de 2009

Anatomia de um génio


Novas peculiaridades anatómicas poderiam explicar a genialidade de Einstein.
Uma fissura inusual poderia ser a origem da sua demora na aquisição da linguagem.

Albert Einstein. EL MUNDO

MARÍA SAINZ

MADRIDE. - Quando Albert Einstein estancava num problema de Física, pegava no seu violino e tocava-o até encontrar a solução. Tinha uma sensibilidade especial pela música e para compreender as coisas preferia as impressões sensoriais no lugar das palavras. Grande parte destas peculiaridades está marcada na anatomia do seu cérebro.

Depois do seu falecimento em 1955, e como não poderia ser de outra forma, o órgão que lhe dotou a genialidade doou-se à ciência. Thomas Harvey, do hospital Princeton (Nova Jersei, EEUU), foi o patologista encarregado de conservá-lo e, junto com outros peritos, fotografou-o e dividiu-o em distintas porções para analisá-las pelo microscópio.

Décadas depois, distintos grupos de investigação intentaram dissecar esta mente superdotada. Um deles é o dirigido por Dean Falk, do departamento de Antropologia da Universidade Estatal de Florida (EUA), e do que agora se faz eco na revista 'Science'.

Com técnicas de Paleoantropología, e baseando-se nos dados e imagens aportados por Harvey e outros peritos, Falk identifica novas peculiaridades anatómicas que poderiam explicar a genialidade de Einstein, se bem é certo que nem o peso do seu cérebro nem a maioria da sua superfície cortical são dignos de menção.
O cérebro não pesava mais do que o normal

"O córtex cerebral era fino [...] e com amplos sulcos, algo normal para a sua idade (76 anos). A sua massa cerebral, de 1.230 gramas, tampouco é excepcional", explica a investigação, publicada em 'Frontiers in Evolutionary Neuroscience'.

Se são peculiares determinadas zonas do córtex somatosensorial e motora. "É possível que estes aspectos atípicos [...] se relacionassem com as dificuldades que tinha para adquirir a linguagem; a sua preferência por pensar com impressões sensoriais, incluídas as imagens visuais em lugar das palavras; e a sua precocidade na prática do violino [tocou-o dos seis aos 14 anos]".

Parece que o órgão cinzento de Einstein apresentava uma curiosa combinação de rasgos simétricos e assimétricos. Ademais, Falk encontrou-lhe uma fissura inusual numa região envolvida na habilidade para recordar fonemas e sílabas: "Poderia associar-se com o seu já conhecido atraso na aquisição da linguagem e com o facto de que costumava repetir-se frases a si mesmo até que cumprisse os sete anos".

Como comentávamos anteriormente, este trabalho não é o primeiro nem possivelmente o último focalizado a conhecer o cérebro do físico alemão. Segundo explica a revista 'Science', o primeiro estudo anatómico nesta linha dirigiu-o Sandra Witelson, neurobióloga da Universidade McMaster em Hamilton (Canadá).

Os resultados deste ensaio também foram muito reveladores. Por exemplo, "os lóbulos parietais – implicados no conhecimento matemático, visual e espacial – eram uns 15% maiores que a norma". Uma descoberta que agora também confirma Falk.

"Ainda que estas visões são especulativas [...] possivelmente serão de utilidade a futuros estudantes com acesso a nova informação e metodologia", conclui este perito.

EL MUNDO

Foto: Cinco vistas diferentes do cérebro de Albert Einstein. (Foto: Miguel Rajmil)