quarta-feira, 23 de setembro de 2009

António de Oliveira Salazar. Mocidade


Fernando Correia da Silva

Passo oito anos no Seminário de Viseu. É a única oportunidade de um pobre, filho de pobres, poder estudar. Católico fui, sou e serei sempre, mas não vocacionado para a vida eclesiástica. Sei que Deus tem para mim outros desígnios. Renuncio ao Seminário e entro como vigilante e professor no Colégio da Via Sacra, do cónego Barreiros. Em Agosto de 1910, ainda em Viseu, dou uma conferência sobre a "Educação da Mocidade":

- Sabei que a vontade deve ser educada no amor a Deus e ao próximo, no amor à família, à honra e à dignidade, ao trabalho e à verdade.

Sou muito aplaudido, ali há gente de boa cepa. Em Outubro do mesmo ano vou matricular-me na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. A mãe da Julinha é quem me paga a mesada, esmola ao filho do feitor.

Recordo a "República dos Grilos", onde também se hospeda o Manuel Cerejeira. E a Universidade, a discussão de ideias, os filhos de família a beberem as palavras de um pobre, filho de pobres... Distingo quatro ou mais grupos, cada qual a terçar armas pelas minúcias do respectivo ideário. Assim vão esquecendo o essencial que pode e deve unir a todos. Um dos grupos, de gente mais velha, só pensa na restauração monárquica com um príncipe do ramo miguelista. Bem os entendo: se voltar a monarquia, antes um rei absoluto do que um liberal. Um outro grupo é mais extremado, anos depois tomará como modelo ideal de Estado a Alemanha de Hitler.

Um terceiro é apologista da violência física; mais tarde passará a falar em "burguesia" e "capitalismo" a ver se, à moda italiana, cativa o operariado; este grupo será um dia comandado por Rolão Preto, o qual acabará por fundar o Movimento Nacional Sindicalista para me fazer oposição, pois eu não corresponderei ao Chefe espalhafatoso pelo qual anseiam. Um quarto grupo, de gente moça, a que depois se juntarão Teotónio Pereira e Marcelo Caetano, já fala em corporativismo de inspiração cristã. Todos lêem, comentam, interpretam e reinterpretam os textos do António Sardinha, do Sorel e do Maurras, também as encíclicas de Leão XIII. Todos se dizem mais ou menos integralistas. É urgente aglutinar toda aquela gente. Começo por participar na reorganização do CADC - Centro Académico da Democracia Cristã. Em 1912 sou eleito 1.º secretário da direcção. O vice-presidente é o Manuel Cerejeira. Quem sempre me apoia é o Santos Costa; um dia será general e meu sempre fiel Ministro da Guerra. Entretanto concluo o curso de Direito e sou logo chamado para leccionar.

Em 1918 já sou lente de Ciência Económica. Em 1921 sou eleito deputado pelo círculo de Guimarães nas listas do CCP - Centro Católico Português. Assisto a umas poucas sessões e logo renuncio ao mandato, tamanha é a confusão na Câmara. Depois, sem pressas, no CCP dedico-me a gerir as diferenças entre os vários grupos que o integram, como já integravam o CADC. Ponho em evidência aquilo que afinal a todos nos une: a fé inabalável em Deus, na Pátria e na Família. Conforme as circunstâncias o exigem, ora apoio um grupo, ora outro, contra os restantes. Já Maquiavel dizia que a máxima dos sábios dos nossos dias consiste em esperar o benefício do tempo.

O "28 DE MAIO"

O "28 de Maio" de 1926 como antecâmara do Estado Novo? Fantasias do António Ferro, pois aquele foi tempo em que se fez política com pistolas em cima da mesa... Eu apenas fiquei à espera da minha oportunidade, soube jogar com o benefício do tempo.

Não foi um golpe, foi um passeio de Braga até Lisboa, uma grande parada militar chefiada pelo Gen. Gomes da Costa. Da Esquerda à Direita todos pareciam felizes e contentes, só eu na expectativa. Compreende-se: todos estavam fartos do Partido Democrático, há 16 anos que os "bonzos" mamavam sozinhos na porca da política. A 30 de Maio o presidente Bernardino Machado aceita a demissão do primeiro ministro, o "bonzo" António Maria da Silva. No dia seguinte o Bernardino entrega os seus poderes ao Alm. Mendes Cabeçadas, republicano conservador, porém um democrata, a sua pecha, pois a Democracia é justamente o regime que deixa emergir os piores instintos do ser humano. A ver vamos no que vai dar tudo isto, aguardo o benefício do tempo.

O Gen. Sinel de Cordes, um jacobino de Direita (assim o chamam os da Esquerda), faz as suas intrigas e o Alm. Mendes Cabeçadas apresenta a demissão a 18 de Junho. O Sinel, e outros como ele, exigem que o Gen. Gomes da Costa continue a chefiar a ditadura militar. Tudo se precipita. A ver vamos no que vai dar tudo isto, aguardo o benefício do tempo.

Mais intrigas do Sinel: a 9 de Julho o General Oscar Carmona é empossado como Presidente. Só posso rir quando me contam a anedota: o único sítio onde o Carmona mete o nariz, é no próprio lenço. Maledicência, ele é antes um homem a tentar o equilíbrio entre as várias forças de Direita que estão sempre a hostilizar-se, de um lado monárquicos, do outro republicanos. Se um dia eu for chamado para o Governo, Carmona ser-me-á de grande utilidade, estou em crer. A 11 de Julho o Gen. Gomes da Costa é desterrado para os Açores. A ver vamos no que vai dar tudo isto, aguardo o benefício do tempo.

O Sinel arrebenta com as Finanças públicas, défice de 700 mil contos, a Nação à beira da bancarrota. Ai os militares, os militares... Convidam-me e a 26 de Abril de 1928 sou empossado como Ministro das Finanças. Depois do "28 de Maio" é a segunda vez que isso acontece. Da primeira, no tempo do Cabeçadas, ao fim de 13 dias larguei o cargo por excesso de confusão na cabeça do presidente e falta de condições para o meu trabalho. Mas agora vou promover o desdobramento da ditadura militar em ditadura financeira, exijo direito de veto sobre toda e qualquer despesa pública. Digo, ao tomar posse:

- Sei muito bem o que quero e para onde vou.

O Cerejeira manda-me um bilhete: "António, foi Deus que te chamou para salvar a Nação". Respondo com outro: "Manuel, quem me chamou foi o José Vicente de Freitas, o presidente do Governo". A ver vamos quem avassala quem...

Imagem: https://segue.atlas.uiuc.edu/uploads/ttyson2/secilustrd10.jpg

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