terça-feira, 15 de dezembro de 2009

René Dumont. E, por fim, o emergente e difuso socialismo africano.


Quando a África independente ainda tinha percorrido apenas alguns metros, o francês René Dumont escreveu o livro intitulado “L´Afrique est mal partie” (Éditions du Seuil, 1962). Nele, apesar de Dumond não considerar a África um continente maldito, demonstra como o clima, a demografia e sobretudo a pesada herança colonial figuram insidiosamente como constrangimentos que obstaculizam o desenvolvimento.

Por Leopoldo Amado
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Porém, a par destes constrangimentos, René Dumond criticava duramente o enfeudamento pura e simples ao comunismo internacional, mas também os discursos extremados e radicalismos que proclamavam um corte total de cooperação com as antigas potências coloniais e, por fim, o emergente e difuso socialismo africano. E, perante esta realidade, Domond considera que a África apresentava-se, no momento das independências, «à un degré extreme, toutes caractéristiques du sous-développement. Le handicap à surmonter est tellement enorme, dans tous cês domaines, par rapport à d'autres régions sous-développées, que sa nature même en devient différente... Ia rigidité de l'organisation sociale et la force des traditions dressent un obstacle... la misère tend à se perpétuer d'elle-même. Ce n'est plus le moment de persévérer dans l'erreur, au nom de n'importe quel dogmatisme, mais celui de regarder en face lês faits et les hommes, pour voir ce qu'on en peut tirer».

Com efeito, Dumond demonstrou como é que uma mentalidade retrógrada (a colonial) permitiu que se submetesse África e os africanos a toda uma série de exploração, as quais decorrem desde o Tráfico de Escravos a à exploração comercial. Cita, por exemplo, o Jules Ferry que, sem hesitar afirmava no Parlamento, a 28 de Julho de 1885, que «La Déclaration dês droits de l'homme n'avait pás été écrite pour lês Noirs de 1'Afrique équatoriale» ou ainda o General Meynier que escreveu mais honestamente que «Dês le premier jour de leur rencontre, les européens ont pose en príncipe leur supériorité sur la race noire... Ils ont plié à l'esclavage les a, justifiant leurs actes par le droit du plus fort... pour y ouvrir des débouchés à leur commerce, ils ont jeté à bas les dernières traces existantes des civilisations africaines».

Ainda no que se refere às heranças coloniais, Dumond considera que o primeiro prémio dos europeus aos africanos foi justamente o alcoolismo, segundo ele, “o crime dos crimes”, que se acentuou sobretudo quando se introduziram alambiques que vulgarizaram a prática de destilaria entre os africanos, numa altura em que os africanos apenas consumiam bebidas fermentadas de fabrico tradicional e de fraca graduação alcoólica, a saber: vinho de palma ou de ráfia (ricos em vitamina C e com cerca de 4 graus de álcool em média); bebida de milho (rico em prótidos e vitamina B12, com cerca de 3.5 graus de álcool em média).

No entanto, perante o “boom” das independências africanas e num momento em que o emergente socialismo africano parecia ganhar adeptos dentre as várias correntes ideológicas da África em efervescência nacionalista, Dumond, como experimentado homem da tradicional esquerda francesa, alertou, desde essa altura, de que nem sempre as independências eram sinónimas da descolonização, criticando inclusivamente o novo-riquismo das elites africanas que paradoxalmente advogavam o socialismo africano, desenvolvendo Dumont uma autêntica “plaidoyer” em prol de uma política de educação africana adaptada as realidades locais e uma desenvolvimento económico e social que privilegiasse a massa camponesa (para ele, a vanguarda da revolução que se consumaria com a independência económica).

Neste livro, aliás, Dumont apoiou a F.E.A.N.F (Féderation dês Étudiants d’Afrique Noir en France) quando no comunicado distribuído a imprensa por esta, na sequência da realização do seu XIVº Congresso (24-27 Dezembro de 1961) denunciaram o socialismo africano, denúncias essas as quais Dumond corrobora dizendo que o socialismo africano «est trop souvent un mythe abritant le néocolonialisme. Ou une tentative pas toujours honnête de syncrétisme entre un idéalisme communautaire et le maintien de la tradition africaine. Or cette dernière refuse le progrès, qui implique discipline et contrainte, rejet du parasitisme familial. Mais il ne suffit plus de se proclamer révolutionnaire, il faut vivre en conséquence. Cette situation, qu'il faut regarder en face, réduit les chances d'une action révolutionnaire immédiate et réussie ; elle ne justifie en aucune façon une résignation à la situation actuelle. Comment remonter vite le courant, préparer les conditions d'avènement du socialisme, rendre sa réalisation future plus aisée, la transition moins pénible pour le paysan, l'ouvrier et l'étudiant africains?»

Diz Dumont, ao propósito, que «sans une économie planifié et contrôlé, le investissement de travail paysan devient une simple addition d'initiatives locales sans réelle portée économique. De plus, l’ effort fourni dans ce cadre économique sans cohérence ni contrainte et sans unanimité s’essouffle rapidement et ls pressions tribales paralysent vite le progrés. Il faut améne donc des conditions poour que les paysans puissent juger le polique adoptés, en mesurer a portée. Ils exprimeront ainsi à la fois leurs possibilites de réalisation, et les besoins en moyens de production nécessaires à la réalisation de ce Plan. Ainsi débutera le constant dialogue entre la base et le sommet, si nécessaire à la planiftcation démocratique. Installons d'abord lês bases solides du développement, lê crédit et Ia coopération».

Esta interacção que Dumond propunha à emergente África independente era porque, na maior parte dos casos e dos países, os planos eram demasiados audaciosos até no ritmo previsto, pelo que facilmente se percebe que não atingiriam os resultados esperados, pois estes documentos políticos mais parecem declarações de intenção, pois os governos não dispunham nem de organização, nem de quadros indispensáveis, nem de meios financeiros e materiais necessários a sua realização. E ainda acrescentava: Les difficultés de l’Afrique resulte surtout du manque de cadres compétents et honnêtes, en quantité suffisante. Une petite insuffisance de connaissances peut, dans une certaine mesure, être compensée par une grande honnêteté, et vice-versa: mais la double déficience parait sans remede».

É curioso reparar tabém que, ao referir-se criticamente às elites africanas emergentes, Dumond dizia, desde essas altura, que «pour trop d'élites africaines donc, l'indépendance a consiste à prendre la place des blancs et à jouir des avantages, souvent exorbitants, jusque-là concedes aux «coloniaux». Aux soldes élevées, s'ajoutaient parfois les belles villas, toutes meublées, sinon les palais pour les gouverneurs, la nombreuse domesticité payée sur le budget, les autos avec chauffeur. Aux 403, après l´indépendance, succèdent les Chevrolet d'Abidjan, les Mercedes de Yaoundé; souvent renouvelées tous les six mois, ce qui fait grincer des dents lls petites gens. Quand on réduisit ces avantages, certains ont voulu les rétablir à leur profit, sans être difficiles sur les moyens d'y arriver».

Aliás, para Dumond, esta propensão das elites para a prática da corrupção em África explica-se porque «la brusque accession au pouvoir sans controle a trouble certain esprits - prossegue ainda Dumond - corrodé le sens moral (“le pouvoir corrompt, le pouvoir absolu corrompt absolument”). La corruption était, certes, connue du millieu colonial, spécialement des douanes d'Indochine. Depuis l’ indépendece, elle semble prendre dans certains pays, notamment du Centrefrique au Congo et au Gabon, de la Cote d'Ivoire au Dahomey, proportions effarantes. Le Cameroun a institué pour la combattre des commissions criminelles et certains prétendent que les détournements reconnus par celles-ci se monteraient au dixième du budget. Ce qui paraît beaucoup, mais il ne semble pas certain que les enquêtes aient pu remonter haut dans la hiérarchie ».

Analisando, outrossim, o papel dos militantes dos partidos políticos em África, Dumon considera que «les militants des partis au pouvoir en Afrique n'ont pás compris, ou pas voulu comprendre que leur role essentiel devrait être d'éducation civique, de création d’enthousiasme au travail, par une véritable «mystique » de réalisation du plan. II y faudrait des idéalistes, des militants dévoués, et non dês carriéristes, d'abord préoccupés d'accéder aux prebendes, par le moyen des élections, dans l'ambiance de caricature de la démocratie». Sobre o que Domon denominava de «caricatura de democracia», ele ainda profetizou que “ (...) l´Afrique risque d’ faire autant”.

Enfim, revisitar o “L´Afrique est mal partie”, de René Dumond não deixa de ser um exercício interessante, sobretudo para aquilatarmos comparativamente os problemas que a África apresentava e os que apresenta, bem como as soluções que Dumond propunha e aquelas que hoje são postas em prática. Porém, deste exercício, fica-se certamente com a impressão, certamente falaciosa, de que desde a data em que o livro veio a público – há justamente 44 anos – e não obstante as ajudas ao desenvolvimento, a solidariedade do ex-bloco comunista, o ajustamento estrutural e a globalização, ainda continua o nosso continente a apresentar os mesmos problemas, a par de outros entretanto surgidos (p. e. HIV-SIDA), uns e outros reclamando soluções prementes.

Ora, esta aparente sensação é, por incrível que pareça, a prova da vitalidade e da actualidade do livro de René Dumond, cujo título ele próprio confessou desejar que fosse desmentido pelo natural desenvolvimento dos acontecimentos e dos tempos em África. 44 anos passados sobre a data em que que foi escrito o livro, é tempo suficiente para interogarmos se a evolução do continente produziu, por si só, o esperado desmentido que autor tanto ansiava. As respostas à essas interrogação fica ao critério dos juízos de valor que cada um de nós possa fazer ao revisitar " l' Afrique est mal partie", de René Dumond, porque vale a pena o exercício!

Imagem: http://images.kapaza.com/photos/6500000/6586716.jpg

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