O luto pelo chefe pode durar várias semanas e obriga a todos. O trabalho é proibido. Nalgumas partes, a infracção castigava-se com a morte. Os que morriam durante o luto não podiam ser enterrados.
Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Os escravos não tinham honras fúnebres visto que a sua nula influência social não os tornava temidos nem havia interesse algum em os prestigiar como antepassados.
Também não são necessárias quando morre um estrangeiro. Como este não participa da interacção derivada da consanguinidade, a comunidade não tem nenhum interesse em o naturalizar entre os antepassados.
A infâmia de certas enfermidades ou a brutalidade do rompimento da vida não oferecem garantias duma acção benéfica. Além disso, seria um insulto aos antepassados. Assim, são excluídos, os suicidas, os tarados psíquicos, os epilépticos e os celibatários.
Logo depois de morrer, enterram os feiticeiros, quase sempre mutilados (partindo-lhes as pernas, por exemplo) para que não voltem, ou abandonam-nos aos animais, ou queimam-nos e dispersam as suas cinzas ou lançam-nas à água.
Nalguns grupos, também sofrem esta sorte os que morrem de fome. Tem receio que, se forem enterrados dentro do território comunitário, a propaguem.
Há grupos que crêem que os condenados por feitiçaria se revestem, no além, de um corpo insignificante, repugnante, com um cheiro nauseabundo e com cabeleira encarnada. Levam uma vida errante por regatos e mananciais, encarnam em bestas ou em gatos (por isso, rejeitam este animal) e comem carne humana.
Castigados a não participar na vida dos seus parentes, dedicam-se a transtornar o ritmo de vida individual e comunitário. Pela sua índole malévola, inveja, ressentimento e vingança, podem ocasionar toda a espécie de males, inclusive convulsões sociais. Até conseguem possuir indivíduos. Rondam de noite pelas aldeias e intervém no feiticismo. Podem aparecer aos vivos em forma de espectros ou fantasmas. A sua visão produz a morte do visitado ou de algum familiar.
Logo que alguma pessoa morre, os seus familiares começam a chorar, a gritar e a dançar sem cessar, com um ritmo cadenciado e monótono. Lamentam a sua perda, chamam-no pelo seu nome, agradecem os seus favores, exaltam as suas virtudes, amaldiçoam o causador da morte e desejam a felicidade ao defunto.
Os parentes e amigos acompanham a gritaria com gestos, contorções e danças. Assim, demonstram aos antepassados a bondade do falecido, que procuram contentar para que não regresse carregado de influências nefastas. As festas, além disso, entretêm e dão coragem ao defunto enquanto espera a sua transformação em antepassado.
Lavam, o cadáver, vestem-lhe as melhores roupas, perfumam-no ou besuntam-no com óleo de palma. Alguns grupos, depois de o desnudar e antes que lhe chegue a rigidez, colocam-no na posição em que deve ser enterrado: sentado de cócoras, com os braços sobre o peito.
Cobrem-no com um pano, manto ou pele de boi e fica sentado numa cadeira ou deitado numa esteira. Assim preside às festas. Os familiares e amigos passam pela sua frente a saudá-lo antes de participar nos ritos.
Esta preparação do cadáver não só honra a sua família como privilegia o defunto, que se apresenta com dignidade no além-túmulo.
Não praticam nenhum género de mumificação, embora por vezes esvaziem o cadáver apertando-lhe o ventre.
Logo que uma pessoa morre, saem os emissários a comunicar a notícia à parentela. Todos têm de ser avisados ainda que se encontrem distantes. É que o parente que não vai aos ritos pode ser acusado da feitiçaria causadora da morte. Além disso, é um dos momentos em que mais se acentua o sentimento de solidariedade comunitária já que colaboram com o parente para que encontre paz.
Mesmo que trabalhem na cidade, deixam as obrigações e deslocam-se às suas aldeias. Só circunstâncias extremas podem impedir a participação nas festas fúnebres dum familiar.
As cerimónias duram dias. O cadáver costuma chegar a decompor-se. Abundam a comida e a bebida. Matam bois, cabras, porcos, e galinhas. Cada familiar contribui com algum presente. As mulheres preparam as bebidas tradicionais, os instrumentos de música arrancam e a dança começa.
Comendo e bebendo, conversando e dançando, passam vários dias. São as grandes festas da sociedade bantu. E, como a mortalidade é grande e a parentela extensa, encontramos o bantu em frequentes festas.
Não se esquecem de derramar um pouco de sangue das vítimas ao redor do cadáver para que participe também, ou com ele aspergem as paredes da casa para mostrar ao defunto e aos antepassados que os sacrifícios cruentos são propiciatórios e impetratórios. De vez em quando, um dos parentes chega junto do cadáver e oferece-lhe um bocado ou um gole que entorna a seus pés ou lhe introduz na boca.
Estas comidas e bebidas tentam diminuir a tristeza do morto para que se conforme com a mudança operada.
Suspeitamos também que estes sacrifícios de vítimas animais encerram um conteúdo sagrado, sacrificial e inclusive de aliança, que hoje se perdeu ou que não conseguimos captar. A dança e a alegria exteriorizam o prazer da participação conseguida «mistericamente». Assim, mundo invisível e visível fundem-se na mais eficaz comunhão e o defunto honrado torna-se definitivamente comungante-participante com os dois mundos
A maioria dos grupos sacrificam animais, sobretudo bovinos, somente nestas festas. Embora precisem de proteínas e sendo o bantu um apreciador incansável de carne, reservam os seus animais para os alambamentos e para aos sacrifícios propiciatórios. Os ritos fúnebres, pela abundância de animais mortos, desempenham uma missão compensatória do desequilíbrio alimentício e da errada dietética.
Estes ritos terminam com uma refeição que consolida a familiaridade. Decorre no meio de muita alegria porque o defunto já está satisfeito, em companhia dos seus antepassados e pronto a revigorar a sua comunidade.
O enterro
Muitos grupos enterram os defuntos perto de suas casas ou dentro delas e destroem-nas quando termina o luto.
É mais comum sepultá-los junto da aldeia e à beira dos caminhos para que os vivos lhes rendam uma pequena homenagem, todas as vezes que passam, inclinando a cabeça, guardando silêncio ou depositando alguma oferta no túmulo.
Encontram-se cemitérios em paragens solitárias e bem defendidas nas florestas. São cemitérios familiares, embora possam pertencer ao grupo. Normalmente cada aldeia tem um cemitério comunitário.
Os povos pastores enterram o chefe de família reduzida no curral dos bis ou no lugar onde se acende a fogueira, dentro da cerca de paus que rodeia a casa, onde enterram também as mulheres. As crianças sepultam-nas no curral dos vitelos, os jovens junto de sua casa, as raparigas iniciadas dentro da cerca onde guardam os pilões da farinha.
Os especialistas da magia, bem como os caçadores e guerreiros, quando tem renome, são enterrados à beira dos caminhos muito frequentados ou nas encruzilhadas, e sempre ao pé duma árvore para pendurar os seus instrumentos de trabalho, armas e troféus.
Pode-se deduzir que procuram contentar o defunto colocando o seu cadáver em lugares familiares e rodeado dos seus objectos e bens, ao mesmo tempo que fortificam com a sua presença a solidariedade.
Em alguns lugares, colocam o cadáver numa cubata especial onde permanece meses ou anos até ser enterrado.
Normalmente, cavam na terra sepulturas horizontais com quase dois metros de profundidade. No fundo e ao lado, abrem uma câmara mortuária onde colocam o defunto deitado ou de cócoras. Isolam-nas com ramos.
Quando enchem a sepultura, a terra não toca no defunto. A esta câmara podem vir visitá-lo os seus familiares antepassados, e ajudá-lo a completar o rito de passagem.
Outros grupos cavam as sepulturas em forma circular porque colocam o cadáver de cócoras. Alguns enterram-nos de pé.
Os Quibalas de Angola depositam os chefes sobre rocha e cobrem-nos com pedras bem trabalhadas, formando um sarcófago rectangular. Submetem os cadáveres a uma espécie de mumificação. Introduzem-lhes pela boca, com a ajuda dum funil, óleo de palma a ferver. Esta operação prolonga-se até que as vísceras desfeitas lhes saem pelo reto.
A prática muito espalhada de colocar o cadáver de cócoras, em posição fetal, simboliza o seu segundo nascimento. Talvez também o deixem assim porque é uma das posições preferidas pelos Bantus, que aguentam nessa posição horas seguidas.
Não há unanimidade na orientação do cadáver, se bem que a maior parte o coloca na direcção este-oeste; outros colocam-no na posição norte-sul. Pensamos que não dão importância a este pormenor pois não têm mitos nem crenças astrais.
Os participantes nas festas fúnebres acompanham o cadáver até à sepultura e observam silêncio. Só os mais chegados podem repetir os lamentos e enaltecer o defunto, que transportam aos ombros ou atado a um pau comprido.
Outros grupos permitem estas manifestações quando o morto sai de casa e é enterrado, pois durante o caminho não são permitidos. A comitiva avança a passo rápido com ruidosas manifestações de alegria.
Os que algum modo estiveram em contacto com o cadáver, ao que o transportaram e em geral os acompanhantes, depois do enterro têm de tomar banho num rio para «tirar o cheiro do morto», ou lavar as mãos.
Há grupos em que o viúvo e o homem que amortalhou a defunta ficam em interdito social pela sua excepcional impureza. Não podem fazer vida comunitária, enquanto a família da falecida não lhes proporcionar duas mulheres. As relações sexuais limpam a impureza e destroem o tabu.
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