sábado, 14 de julho de 2012

8 Fatos fundamentais sobre a seleção natural


A seleção natural é um dos núcleos da Teoria Sintética da Evolução, mas muita gente não sabe exatamente o que ela é.
Nas palavras de Stephen Jay Gould, a seleção natural é mal compreendida, mal ensinada e mal citada, o que gerou muitos equívocos, sendo o pior deles o darwinismo social: a ideia de que a ciência poderia ser utilizada para justificar a eliminação sistemática de grupos humanos “indesejados”.
Confira aqui alguns fatos sobre essa teoria famosa:
1 – A Teoria da Seleção Natural não nasceu junto com a Teoria da Evolução
Charles Darwin, quando começou a esboçar sua Teoria da Evolução em 1842, não estava inventando nada novo. Outros já haviam demonstrado o fato da evolução, como Lamarck, e Darwin estava palmilhando caminho já trilhado. Porém, ainda não se tinha um mecanismo para explicar como as espécies se modificavam.
A inspiração veio do trabalho do Reverendo Malthus (1766 – 1834): a ideia de que os recursos crescem em progressão aritmética e os consumidores em progressão geométrica leva à conclusão imediata: não é possível que toda a prole dos consumidores sobreviva para passar seus caracteres adiante. E quem é que sobrevive? Como cada animal tem uma ligeira variação em relação aos de sua espécie, sobrevive quem tem alguma vantagem sobre a concorrência, na competição pela sobrevivência e reprodução. E, ao reproduzir, passa adiante suas características.
2 – A Seleção Natural não se chamava isso originalmente
Darwin tinha um grande receio de passar a ideia errada sobre a sua descoberta, e evitava termos que levassem a uma compreensão teleológica (ou seja, de que tudo tem um objetivo) das coisas. A expressão “seleção natural” não aparece em seus livros, mas sim “sobrevivência do mais apto” (“survival of the fittest”).
Curiosidade, o geneticista japonês Motoo Kimura sugeriu outro nome, a “sobrevivência do mais sortudo”. Os sortudos que nascessem com o gene “certo” acabavam sobrevivendo.
3 – A Seleção Natural demorou a ser aceita
Praticamente 80 anos. Desde a publicação da primeira edição, em 1859, até a década de 1940, a seleção natural não foi aceita por um número expressivo de cientistas. Não que não houvesse uma demonstração da seleção natural. O trabalho de James William Tutt, em 1846 (borboletas Biston Betularia), já havia demonstrado a seleção, coisa que voltou a ser feita por Haldane em 1924.
Outras propostas existiam para explicar como as espécies surgiam com o tempo, como o pontualismo, e mesmo teorias criacionistas, mas o fato é que antes so biólogo e geneticista Theodosius Dobzhanksy fazer a síntese do trabalho genético de Mendel com a Teoria da Evolução, a seleção natural conforme proposta por Darwin foi rejeitada por uma boa parte dos biólogos evolutivos.
Uma das razões para esta rejeição era que a ideia de um processo não direcionado, e que não levasse a um progresso garantido, ia contra a ideologia otimista vitoriana, que queria ver progresso em todas as transformações e alterações, mesmo as naturais. De certa forma, Darwin estava bem adiante de seu tempo.
4 – A Seleção Natural não é “a sobrevivência do mais forte”
Este é um erro comum: colocar a seleção natural como a sobrevivência do mais forte. A seleção natural não privilegia, necessariamente, o mais forte, mas o mais apto. E o mais apto pode ser o mais forte, ou o mais rápido, ou o maior, mas nem sempre é este o caso.
Em 1977 aconteceu uma seca nas Ilhas Galápagos. As plantas produziram sementes menores e mais duras. No mesmo período, os cientistas observaram que os bicos dos tentilhões Geospiza fortis estavam 5% maiores que antes da seca. Em 1983 houveram chuvas torrenciais e as plantas produziram sementes mais macias. O tamanho médio do bico dos tentilhões voltou ao que era antes da seca. Neste caso, a seleção natural deu vantagem aos bicos mais fortes durante a seca. Depois da seca, um bico mais forte custa mais, em termos de metabolismo, e não dá vantagem nenhuma, assim o bico menor prevaleceu novamente.
Outro exemplo é o dos animais de cavernas. Em um ambiente escuro, animais que têm olhos não têm vantagem alguma, e qualquer espécime que tivesse a sorte de nascer sem olhos estaria em vantagem, por que para desenvolver e manter os olhos, é preciso desviar um pouco da escassa energia obtida na caverna com a alimentação. Fora da caverna, quem nasce sem olhos está em desvantagem, por que não vê (o perigo) e é visto (pelos predadores), sendo eliminado pela predação.
5 – A Seleção Natural continua agindo no ser humano
Durante algum tempo se questionou se o ser humano, vivendo em um ambiente artificial e sem predadores naturais, continuaria sofrendo a ação da seleção natural (e por conseguinte da evolução).
Entretanto, pesquisas recentes demonstraram que o ser humano continua sendo selecionado. Por exemplo, a idade do primeiro filho mudou nos últimos 150 anos de 26 para 22 anos em uma região da Finlândia. A pesquisa conseguiu demonstrar que se trata de um traço genético, não cultural, e só tem uma maneira de uma característica genética se tornar comum ou predominante: através de processos de seleção natural e hereditariedade – evolução.
Existem outras adaptações na raça humana. Os povos Inuit, que vivem nas regiões árticas, tem o corpo curto, atarracado, e membros pequenos, o que diminui a perda de calor. Os etíopes, por outro lado, são altos, longilíneos, com extremidades longas, para perder calor mais rapidamente.
Outra característica genética é a manutenção da capacidade de digerir leite na idade adulta. Normalmente os mamíferos perdem esta capacidade quando crescem, mas em alguns seres humanos esta característica permanece, permitindo que eles tenham acesso a mais uma fonte de proteínas, gordura e açúcares.
Finalmente, existem casos em que uma doença genética pode ser favorecida. Algumas pessoas possuem uma doença hereditária, uma mutação que altera a forma das hemácias, a “anemia falciforme” e a “talassemia”. Esta é uma condição que pode causar a morte na infância, além de sérios problemas, mas em ambientes onde a malária é endêmica, estes indivíduos têm vantagem, por que o parasita não consegue se adaptar a eles.
6 A Seleção Natural só funciona até a idade reprodutiva
Um dos questionamentos que existem é por que temos o dente do siso, que se não tratado pode causar a morte do seu portador por septicemia. Ou do mal de Alzheimer, que causa demência.
A resposta para isto é que os genes do dente do siso, do mal de Alzheimer e outras doenças genéticas degenerativas não são selecionados por que estes males se manifestam depois que a pessoa já teve filhos. Ou seja, os genes que determinam estas características são passados adiante, sem sofrer seleção.
Outro erro comum é pensar que a Seleção Natural aumenta a longevidade, já que os humanos, por exemplo, tem vidas em média cada vez mais longas. Na realidade ela maximiza a reprodutividade e as características que são importantes até a idade reprodutiva.
7 – A Seleção Natural não “pega” tudo
Uma das contribuições do biólogo Motoo Kimura para a Teoria da Evolução foi a Teoria Neutralista da Evolução, que diz que a maioria das mutações a nível molecular não tem influência na adaptação e seleção natural do indivíduo, e acabam se tornando comuns na espécie por um mecanismo chamado de “deriva genética”.
De acordo com Kimura, a deriva genética é um mecanismo evolutivo que acontece sem seleção natural. Um gene se torna comum em uma população simplesmente por sorte: ele não aumenta nem diminui a adaptação dos indivíduos e acaba sendo passado adiante “de carona” com o resto do código genético que está sujeito à seleção natural.
Entretanto, as mutações que hoje são neutras podem não ser amanhã. Uma mudança no ambiente e uma característica que antes era neutra pode passar a se constituir em vantagem ou desvantagem na luta pela sobrevivência, sendo então passível do mecanismo da “seleção natural”.
8 – A Seleção Natural é o ambiente moldando o ser
Em qualquer ambiente que você for, vai encontrar animais adaptados a ele, por que a seleção natural não para nunca, e começou desde sempre. Ambientes desérticos contam com animais que conseguem guardar mais água. Ambientes aquáticos contam com animais com corpo fusiforme, que gasta menos energia ao nadar. Ambientes de savana têm mais animais que conseguem ver melhor à grandes distâncias. A existência de predadores favorece os animais que conseguem ver mais em todas as direções, por isto a maioria das presas tem os olhos dos lados da cabeça, com praticamente nenhum ponto cego na visão. A existência de predadores rápidos favorece também as presas que são mais rápidas.
Todo animal guarda no corpo e nos genes as informações sobre o ambiente em que vive. Mudando o ambiente, as informações mudam também. É a seleção natural que dá aos seres vivos o aspecto de terem sido projetados, “analisando” cada mínima alteração e adaptação do indivíduo, eliminando do jogo da vida todos os indivíduos que não estão tão aptos quanto seus concorrentes. Cada nova geração foi afiada um pouquinho mais nesta pedra de moer carne e sangue; a luta pela vida.
Com o passar das gerações, as mudanças se espalham na população. Novas mutações acontecem e os corpos são mais uma vez burilados. Se uma asa um pouquinho maior permitia voar uma distância maior ou então gastar menos energia para voar a mesma distância, milhares de gerações depois o animal parece ter sido projetado para voar daquela forma.
Sir Charles Darwin, com o mecanismo da sobrevivência do melhor adaptado, conseguiu uma ferramenta simples e ao mesmo tempo poderosa para explicar como as espécies se alteram com o passar do tempo, mas não foi o único mecanismo. Darwin também propôs a revolucionária ideia da seleção sexual, “tão revolucionária” que só foi aceita a partir da década de 1970, um século depois da publicação de “A Origem das Espécies”, depois que o homem já havia dividido o átomo e pisado na lua. [Evolução 101, Profa. Silvia R. Gobbo]
Agradecimentos: a professora de biologia Silvia R. Gobbo, por sua colaboração e revisão do artigo.

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