quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Tempos de horror





A tragédia de Charlie Hebdo serve para lembrar que no México foram assassinados 102 jornalistas nos últimos 14 anos


Camille Desmoulins, o advogado e jornalista que em 12 de julho de 1789 discursou para as massas nos jardins do Palais Royal para que tomassem a Bastilha, algo que aconteceu dois dias depois, acabou guilhotinado pela Revolução que ajudou a engendrar, exatamente por rir-se e denunciar em seu semanário satírico a violência posterior.
Se agora em nossos dias a tragédia do Charlie Hebdo reflete que a imprensa continua sendo o espelho do mundo em que vivemos, é inevitável voltar os refletores para a América. Por exemplo, o México foi, em 2014, segundo o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), o país mais perigoso para exercer o jornalismo no subcontinente e está em sétimo lugar no mundo. A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) anunciou que, dos 102 jornalistas assassinados entre 2000 e 2014, apenas em 10% dos casos houve sentença e 89 crimes continuam impunes. É muito perigoso opinar sobre um político corrupto ou a serviço dos cartéis.
Na Argentina, a pressão é enorme e eu entendo. Chegou um momento em que o quarto poder se tornou o primeiro. A luta entre a presidenta Cristina Kirchner e o grupo Clarín exige um esclarecimento fundamental, independentemente das razões de cada um. Kirchner, para o bem ou para o mal, foi eleita pelos argentinos; a equipe do Clarín é escolhida apenas pelo Clarín. O princípio da soberania do Estado está em quem é eleito e não em quem pode eleger. Os meios de comunicação se transformaram no principal eleitor até que, como dizia Stendhal, “tudo que é exagerado se torna insignificante”. Assim, seu poder chegou a ser tão imenso que se tornou —por uma questão de sobrevivência— insignificante.
No Equador, o presidente Correa, que se sentiu ofendido, mudou a Constituição e aprovou em 2013 a controversa Lei da Mordaça pela qual, se se considerasse que um meio de comunicação tivesse faltado com a verdade, seria sancionado economicamente de forma tão selvagem que equivaleria ao fechamento. Um exemplo é o jornal diário El Universo, cujos três diretores e um dos jornalistas foram condenados a três anos de prisão e a pagar uma multa exorbitante de 40 milhões de dólares. Na Colômbia, o diretor de El Espectador, Guillerme Cano, recebeu seus colegas do Charlie Hebdo no céu. Eles morreram pelas balas de um Kalashnikov e Cano pelas de Pablo Escobar, em 1986, mas no fim a causa da morte foi a mesma. No Brasil, diante do fluxo de inteligência, simpatia e mudanças sociais encarnado pelo ex-presidente Lula, apenas a atuação vigilante de alguns meios como a Folha expuseram o escândalo de corrupção da Petrobras, desafiando o Governo de Dilma a explicar os contratos firmados pela estatal. Além das numerosas prisões, ordenou-se o bloqueio de bens que ultrapassam os 300 milhões de dólares.
O tempo em que apenas os meios de comunicação eram a consciência dos povos passou, entre outras coisas pela emergência das redes sociais. Hoje devem encontrar seu próprio lugar no jogo de poder.
Não só porque os fanáticos, os ditadores e os poderosos têm pouco senso de humor, mas porque intuem —com razão— que por trás do humor costuma vir o senso crítico e que este pode estimular a única coisa que, ao lado do medo, é o motor dos seres humanos: a esperança. Quando a esperança é muita e de muitos, chama-se revolução, por isso é preciso cegá-la na origem.
O mapa da liberdade de expressão está em perigo. Há uma pergunta elementar: Quem manda, afinal? A mídia ou os Governos? Os Governos são melhores, pois no fim das contas os elegemos nas urnas. No entanto, também é verdade que enquanto a América Latina é ocupada pela China (que não é uma boa referência de liberdade de expressão) e Cuba se torna o fator chave para o diálogo entre as Américas, a falta de atenção dos Estados Unidos, junto com a prepotência dos Governos da zona do euro, colocaram os meios de comunicação latino-americanos em uma grave e definitiva crise de identidade.
O terror não é exclusivo de ninguém; é de todas as religiões, de todas as cores, de todos os deuses, de todas as bandeiras. É bom que nesse momento em que a Europa olha o terror de frente, os meios de comunicação saibamos que há todo um continente que fala espanhol, cujo rosto deformado reflete, há muito tempo, um estado de terror.

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