por Margarida Davim
Clientes do
Private Banking do BCP investiram milhões num produto financeiro que pensavam
ser seguro. Perderam tudo. E acusam o banco de os ter enganado e falsificado
assinaturas.
Há dezenas
de clientes do departamento de Private Banking do BCP que dizem ter sido
burlados pelo banco. Cada um deles investiu em média um a dois milhões de
euros, num produto financeiro que lhes foi apresentado nos anos de 2005 e 2006
como não tendo qualquer risco – mas todos perderam as economias de uma vida.
O investimento era, muitas vezes, apresentado em jantares com clientes seleccionados ou através dos gestores de conta, que explicavam tratar-se de um produto que dava até 7% de juros ao ano, com capital garantido. «Em Paris, chegaram a ir porta-a-porta, falar com os emigrantes», conta ao SOL Alexandre Guedes, um dos clientes que acusa o banco de o ter enganado.
Depois disso, era apresentado um contrato entre o BCP e uma offshore – numas vezes a Beyla, noutras a Merci –, que o cliente devia assinar. Esse documento servia para abrir uma conta de crédito sob a forma de conta corrente caucionada. O crédito era usado para financiar a compra de títulos, que o banco geria, havendo ainda contratos de penhor de valor mobiliário, que garantiam que sempre que houvesse uma determinada desvalorização das acções e obrigações da carteira de investimento, a offshore (titular da carteira) devia reforçar a conta existente, injectando mais dinheiro.
«Levavam-nos a jantares e ofereciam-nos presentes. Diziam-nos que o dinheiro estava seguro», recorda Alexandre Guedes, que assegura não ter assinado os contratos para fazer o negócio. «Assinei alguns papéis, mas há documentos onde aparece uma assinatura que não é sequer parecida com a minha», acusa.
O empresário, que vive em Paris, estava «convencido de que o dinheiro estava a salvo», quando em 2008 abriu uma conta para onde foram transferidas todas as suas poupanças, num valor que não quer revelar publicamente.
De investidores a devedores
Alexandre só se apercebeu de que tinha ficado sem nada, quando há dois anos recebeu uma carta «a dizer que devia dinheiro ao banco». As acções em que investira tinham desvalorizado, o capital estava perdido e o banco exigia o pagamento relativo ao empréstimo concedido. A dívida ultrapassava os três milhões de euros.
«O meu pai descobriu que estava sem nada porque ligou para o banco a pedir 30 mil euros, uma quantia normal para ele, e disseram-lhe que ele não tinha esse dinheiro» – conta Alejandro Suárez, filho de um empresário das Canárias que tinha conta aberta no BCP na Madeira desde os anos 90 e que afirma ter sido alvo do mesmo «esquema», mas também não dá números sobre em quanto terá sido lesado.
O telefonema serviu só para descobrir a ponta do icebergue. «Fui à agência do Funchal, tentar perceber o que se tinha passado. Mas só para ter acesso aos extractos tive de esperar quinze dias», conta o espanhol, que não conseguiu ainda ver os papéis que terão sido assinados pelo seu pai para adquirir o produto de investimento. «Não há papéis com nada. Não há assinaturas. O dinheiro simplesmente desapareceu».
Queixas da Suíça à África do Sul
Desde 2010 que Alejandro tenta perceber o que aconteceu ao dinheiro que o seu pai levou toda uma vida a amealhar. «Mas do banco não há explicações. Nem me atendem o telefone».
Relatos como o seu vêm de vários cantos do mundo onde há comunidades de portugueses e têm chegado aos escritórios dos advogados José Carlos Augusto e Raquel Faísca. «Com dois ou três telefonemas, descobrimos que havia dezenas de casos semelhantes aos nossos», assegura Alejandro Suárez. Até agora, os dois advogados já encontraram casos semelhantes em França, na Suíça, no Brasil, na África do Sul e em Madrid.
«Em Paris, há centenas de portugueses que estão na mesma situação que eu. Muitos não sabem é a quem se dirigir para reclamar», diz Alexandre Soares, que pensa mesmo constituir uma associação para dar apoio a clientes do BCP que estejam na mesma situação.
Para já, tanto Alejandro Suárez como Alexandre Guedes vão avançar com queixas para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para o Banco de Portugal e para os tribunais. «Vamos interpor uma queixa-crime por burla e vamos aos tribunais cíveis pedir para anular os contratos por má-fé e cláusulas leoninas, porque toda a gestão das carteiras era feita pelo banco», avança Alejandro Suárez, que ficou indignado com a informação que descobriu nos extractos da conta do pai. «Fizeram investimentos em acções de bancos irlandeses e gregos, numa altura em que já era óbvio que era um investimento tóxico. O meu pai é economista e nunca teria permitido isso», garante. Na sua opinião, este produto financeiro foi «um esquema montado pelo banco para equilibrar a contabilidade e tapar os maus investimentos feitos em activos tóxicos».
Alejandre Suárez diz ainda estar consciente de que esta «é uma luta de um David contra um Golias», mas afirma estar disposto a ir até ao fim para recuperar as poupanças do pai. «Não tenho nada a perder. A minha família já está a passar dificuldades. Se me acusarem de difamação, então que provem que estou a mentir».
Banco culpa crise financeira
Contactado pelo SOL, o Millennium BCP explica que «o sigilo profissional» a que obedece a actividade bancária impede a instituição de «fornecer quaisquer informações ou tecer quaisquer comentários sobre o relacionamento do banco com os seus clientes, ou as actividades e negócios destes, nem sobre qualquer processo judicial que eventualmente esteja em curso».
O banco assegura, porém, não ter conhecimento «de operações comerciais efectuadas com clientes que não estejam devidamente contratualizadas». E afirma que «em nenhum momento é recusado qualquer contacto de clientes, nem o banco recusa prestar informação».
De resto, o BCP lembra que «a crise financeira global dos últimos anos resultou na perda de valor de muitos activos». E diz compreender «o desagrado dos clientes afectados por esta evolução dos mercados internacionais».
margarida.davim@sol.pt
O investimento era, muitas vezes, apresentado em jantares com clientes seleccionados ou através dos gestores de conta, que explicavam tratar-se de um produto que dava até 7% de juros ao ano, com capital garantido. «Em Paris, chegaram a ir porta-a-porta, falar com os emigrantes», conta ao SOL Alexandre Guedes, um dos clientes que acusa o banco de o ter enganado.
Depois disso, era apresentado um contrato entre o BCP e uma offshore – numas vezes a Beyla, noutras a Merci –, que o cliente devia assinar. Esse documento servia para abrir uma conta de crédito sob a forma de conta corrente caucionada. O crédito era usado para financiar a compra de títulos, que o banco geria, havendo ainda contratos de penhor de valor mobiliário, que garantiam que sempre que houvesse uma determinada desvalorização das acções e obrigações da carteira de investimento, a offshore (titular da carteira) devia reforçar a conta existente, injectando mais dinheiro.
«Levavam-nos a jantares e ofereciam-nos presentes. Diziam-nos que o dinheiro estava seguro», recorda Alexandre Guedes, que assegura não ter assinado os contratos para fazer o negócio. «Assinei alguns papéis, mas há documentos onde aparece uma assinatura que não é sequer parecida com a minha», acusa.
O empresário, que vive em Paris, estava «convencido de que o dinheiro estava a salvo», quando em 2008 abriu uma conta para onde foram transferidas todas as suas poupanças, num valor que não quer revelar publicamente.
De investidores a devedores
Alexandre só se apercebeu de que tinha ficado sem nada, quando há dois anos recebeu uma carta «a dizer que devia dinheiro ao banco». As acções em que investira tinham desvalorizado, o capital estava perdido e o banco exigia o pagamento relativo ao empréstimo concedido. A dívida ultrapassava os três milhões de euros.
«O meu pai descobriu que estava sem nada porque ligou para o banco a pedir 30 mil euros, uma quantia normal para ele, e disseram-lhe que ele não tinha esse dinheiro» – conta Alejandro Suárez, filho de um empresário das Canárias que tinha conta aberta no BCP na Madeira desde os anos 90 e que afirma ter sido alvo do mesmo «esquema», mas também não dá números sobre em quanto terá sido lesado.
O telefonema serviu só para descobrir a ponta do icebergue. «Fui à agência do Funchal, tentar perceber o que se tinha passado. Mas só para ter acesso aos extractos tive de esperar quinze dias», conta o espanhol, que não conseguiu ainda ver os papéis que terão sido assinados pelo seu pai para adquirir o produto de investimento. «Não há papéis com nada. Não há assinaturas. O dinheiro simplesmente desapareceu».
Queixas da Suíça à África do Sul
Desde 2010 que Alejandro tenta perceber o que aconteceu ao dinheiro que o seu pai levou toda uma vida a amealhar. «Mas do banco não há explicações. Nem me atendem o telefone».
Relatos como o seu vêm de vários cantos do mundo onde há comunidades de portugueses e têm chegado aos escritórios dos advogados José Carlos Augusto e Raquel Faísca. «Com dois ou três telefonemas, descobrimos que havia dezenas de casos semelhantes aos nossos», assegura Alejandro Suárez. Até agora, os dois advogados já encontraram casos semelhantes em França, na Suíça, no Brasil, na África do Sul e em Madrid.
«Em Paris, há centenas de portugueses que estão na mesma situação que eu. Muitos não sabem é a quem se dirigir para reclamar», diz Alexandre Soares, que pensa mesmo constituir uma associação para dar apoio a clientes do BCP que estejam na mesma situação.
Para já, tanto Alejandro Suárez como Alexandre Guedes vão avançar com queixas para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para o Banco de Portugal e para os tribunais. «Vamos interpor uma queixa-crime por burla e vamos aos tribunais cíveis pedir para anular os contratos por má-fé e cláusulas leoninas, porque toda a gestão das carteiras era feita pelo banco», avança Alejandro Suárez, que ficou indignado com a informação que descobriu nos extractos da conta do pai. «Fizeram investimentos em acções de bancos irlandeses e gregos, numa altura em que já era óbvio que era um investimento tóxico. O meu pai é economista e nunca teria permitido isso», garante. Na sua opinião, este produto financeiro foi «um esquema montado pelo banco para equilibrar a contabilidade e tapar os maus investimentos feitos em activos tóxicos».
Alejandre Suárez diz ainda estar consciente de que esta «é uma luta de um David contra um Golias», mas afirma estar disposto a ir até ao fim para recuperar as poupanças do pai. «Não tenho nada a perder. A minha família já está a passar dificuldades. Se me acusarem de difamação, então que provem que estou a mentir».
Banco culpa crise financeira
Contactado pelo SOL, o Millennium BCP explica que «o sigilo profissional» a que obedece a actividade bancária impede a instituição de «fornecer quaisquer informações ou tecer quaisquer comentários sobre o relacionamento do banco com os seus clientes, ou as actividades e negócios destes, nem sobre qualquer processo judicial que eventualmente esteja em curso».
O banco assegura, porém, não ter conhecimento «de operações comerciais efectuadas com clientes que não estejam devidamente contratualizadas». E afirma que «em nenhum momento é recusado qualquer contacto de clientes, nem o banco recusa prestar informação».
De resto, o BCP lembra que «a crise financeira global dos últimos anos resultou na perda de valor de muitos activos». E diz compreender «o desagrado dos clientes afectados por esta evolução dos mercados internacionais».
margarida.davim@sol.pt
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