Proporcionalmente, os gays constituíram o grupo social
tratado com maior intolerância pelo Santo Ofício, mas apenas aqueles que
praticaram a “sodomia perfeita” arderam nas fogueiras
Luiz
Mott
Depois
dos cristãos-novos judaizantes, os homossexuais foram os mais perseguidos pela
Inquisição portuguesa: trinta homens “sodomitas” foram queimados na fogueira.
Proporcionalmente, os gays constituíram o grupo social tratado com
maior intolerância por esse Monstrum Terribilem. Foram mais
torturados e degredados que os demais condenados e, não bastasse, receberam as
penas mais rigorosas. Metade foi condenada a remar para sempre nas galés del
Rei.
Mas
somente os praticantes do que a Inquisição classificava como “sodomia perfeita”
ardiam nas fogueiras. Esta perfeição consistia “na penetração do membro viril
desonesto no vaso traseiro com derramamento de semente de homem”. Os demais
atos homoeróticos eram considerados pecados graves ou “molice”.
Perseguição
irregular
A
sodomia, entretanto, não foi estigmatizada e perseguida em todos os tribunais
do Santo Ofício da Espanha, nem mesmo pela Inquisição portuguesa em seus
primeiros anos de instalação. Isto demonstra que inexplicáveis fatores
históricos, políticos e culturais estariam por trás do maior ou menor
radicalismo da homofobia católica.
Variações
e contradições da condenação moral dos desvios sexuais refletem a condição
pantanosa, imprecisa e ilógica do catolicismo em relação ao amor entre pessoas
do mesmo sexo. As razões cruciais que levaram a Inquisição a perseguir os
homossexuais masculinos teriam sido duas. Ao condenar à fogueira apenas os
praticantes da cópula anal, os Inquisidores reforçavam a mesma maldição bíblica
que condenava ao apedrejamento “o homem que dormir com outro homem como se
fosse mulher”. Ou seja, o crime é derramar o sêmen no vaso “antinatural”, uma
vez que judaísmo, cristianismo e islamismo se definem como essencialmente
pronatalistas, quando o ato sexual se destina exclusivamente à reprodução. Daí
a perseguição àqueles que ousassem ejacular fora do vaso natural da fecundação,
uma insubordinação antinatalista inaceitável para povos dominados pelo dogma
demográfico do “crescei e multiplicai-vos como as estrelas do céu e as areias
do mar”.
A
segunda razão tem a ver com o estilo de vida andrógino e irreverente, quiçá
revolucionário, dos próprios sodomitas, chamados de “filhos da dissidência”.
Eis o trecho de um discurso homofóbico lido num sermão de um Auto de Fé de
Lisboa em 1645: “O crime de sodomia é gravíssimo e tão contagioso, que em breve
tempo infecciona não só as casas, lugares, vilas e cidades, mas ainda Reinos
inteiros! Sodoma quer dizer traição. Gomorra, rebelião. É tão contagiosa e
perigosa a peste da sodomia, que haver nela compaixão é delito. Merece fogo e
todo rigor, sem compaixão nem misericórdia!”
Luiz
Mott é professor da Universidade Federal da Bahia e autor de Sexo
proibido: virgens, gays e escravos nas garras da Inquisição (Papirus,
1988).
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