sábado, 29 de maio de 2010

Textos sobre especulação imobiliária


Texto I – Produção do perto e do longe
(Do livro: "O que todo cidadão precisa saber sobre habitação", Flávio Villaça, Editora Global, 1986, São Paulo, pág.86 a 89)

A inserção da casa na cidade toma-se uma questão cada vez mais vital. Não só a inserção da casa, como mais comumente se costuma pensar. Também a do supermercado, da Prefeitura, do escritório, da delegacia de polícia, da escola maternal, das enchentes, do pronto-socorro, do restaurante, da poluição, do salão de beleza, da praia etc.

http://www.cefetsp.br/edu/eso/geografia/textosespeculacao.html

Note-se que não estamos falando do processo de urbanização nem do crescimento das cidades, mas do processo da distribuição interna de seus componentes, seus centros de emprego, seus bairros, seus sistemas de transporte. Falamos da cidade como um enorme ninho que envolve os diversos locais onde se dão, de um lado o trabalho e de outro, os inúmeros locais onde a vida se reproduz. A produção desse ninho, pois ele é um enorme produto de trabalho coletivo, se dá sob a égide de uma acirrada disputa: a disputa pelo controle dos tempos e custos despendidos em transporte. A disputa em torno do "perto" e do 'longe".

Essa disputa não significa que o "perto" é sempre procurado. Como explicar que a burguesia brasileira esteja hoje residindo em subúrbios longínquos? Significa que o "perto" é determinante (no sentido althusseriano) na produção do ambiente construído. Ele explica porque, somente hoje, a procura do ar puro e do verde dos subúrbios passou a dominar dentre os critérios de escolha do local de morar por parte de certas parcelas da nossa burguesia. Somente a partir da década de 70, a difusão do automóvel e das auto-estradas encurtaram as distâncias e permitiram que essas parcelas se espalhassem espacialmente. Não só se espalharam seus bairros residenciais, mas também seus escritórios, seus shopping centers e seus locais de lazer.

Pelas razões acima expostas é que os sistemas de transportes são vitais na modelagem das cidades, a ponto delas serem classificarias e periodizadas em função desses sistema : Cidade da caminhada a pé (até a Idade Média), cidade das carruagens (cidade barroca, quando aparece a avenida , cidade do trem, do metrô, do bonde, do ônibus e do automóvel.
Dadas as diferentes condições de transporte das distintas classes sociais em nossas cidades, cada ponto de seu território oferece diferenciadas possibilidades de deslocamento para os demais pontos da cidade. A ampla possibilidade de deslocamentos é vital para o homem urbano, sendo inclusive um índice revelador de riqueza e desenvolvimento. David Harvey disse, com muita propriedade, que os ricos comandam a produção do espaço urbano, mas este, para os pobres, é uma arapuca que os aprisiona. Os especialistas em transporte medem as viagens feitas pelos habitantes das cidades e sabem que o número de viagens (por habitante por dia) é muito maior entre as classes de mais alta renda do que entre as de renda mais baixa.

Ressalte-se entretanto - é isso que desejamos destacar aqui - que a produção do perto e do longe já acontece na própria produção do espaço urbano. Ela envolve os meios de transporte, porém vai além deles.
Há uma forte disputa entre as classes sociais em torno da produção do ambiente construído. Entretanto, o que as classes sociais realmente disputam quando da produção desse ambiente, é mais que o comando do espaço urbano em si: é o controle do tempo despendido em deslocamentos intra-urbanos, já que o tempo não pode ser controlado diretamente. O homem controla o tempo indiretamente, atuando sobre o espaço. É assim que se diz, por exemplo, que com a invenção do avião (rapidez, tempo) o mundo (espaço) encolheu

Portanto, na medida em que os homens produzem as cidades enquanto espaço físico, estão produzindo simultaneamente as condições de deslocamento espacial, as condições de gasto de tempo e energia nos deslocamentos, as condições do seu consumo. Simultaneamente com a produção do espaço urbano é produzido o "perto", o "longe o "fora de mão".

Perto para alguns, longe para outros.
A disputa que se trava em torno da produção do "longe" e perto" é mais vital do que aquela que se trava em torno do acesso à rede de água, de esgoto ou de iluminação pública. Esses melhoramentos podem ser (e tendem a ser, embora muito a longo prazo) implantados por toda a cidade. Nos países ricos, por exemplo, eles existem em todos os locais das cidades e mesmo do campo. Ao contrário, o tempo dispendido em transporte, nunca poderá ser eqüitativamente repartido por entre todos os habitantes de uma cidade. A classe dominante então, luta para produzir o "perto" para si e o "longe para os outros.

Evidentemente o "perto" e "Longe" não podem ser reduzidos a simples distâncias físicas. São produzidos através dos sistemas de transportes, através da diferente disponibilidade de veículos por entre as diferentes classes sociais, (automóvel x transporte público) através da, distribuição espacial das classes sociais, dos locais de emprego, das zonas comerciais e de serviços etc. Nessas considerações está, por exemplo, a chave da compreensão das razões pelas quais as camadas de mais alta renda crescem mais em certas direções das cidades do que em outras; ou das razões pelas quais os centros das cidades crescem mais em certas direções do que em outras

A cidade, por outro lado, ajusta-se ao veículo que predomina na classe dominante. O automóvel "pede" um tipo de cidade e a classe dominante produz (pelo menos na região onde ela trabalha e mora) esse tipo de cidade na qual é extremamente difícil viver sem automóvel. As auto-estradas fazem nascer os subúrbios residenciais "longínquos" (tornando-os assim "perto"), os shopping centers, os afastados "centros empresariais" ou edifícios de escritórios, que por sua vez, mais exigem auto-estradas e automóveis, viadutos e minhocões. Ao, ser proposto um terna como o da inserção da habitação na cidade, é possível que as idéias que mais freqüentemente vêem à mente das pessoas possam ser expressas através de perguntas tais como: em que bairro está sua casa? É longe do centro? Tem condução fácil? Tem comércio e serviços próximos? A rua é pavimentada? Essas perguntas exprimem a questão vital das relações entre a cidade e a casa. Mostram bem que a questão da moradia não se limita à casa, sua forma, seu tamanho, sua solidez. Interessa também, e muito, sua localização, sua vizinhança, os serviços e comércio próximos, as distâncias aos locais de emprego. Interessa enfim, o próximo e o distante, o bom "ponto" e o "fora de mão".

Texto II
PRODUÇÃO SOCIAL E APROPRIAÇÃO INDIVIDUAL
(Do livro: "Moradia nas cidades grandes" – Arlete Moysés Rodrigues – Ed. Contexto – 1988 – pág. 20)

Dentre os vários agentes que produzem o espaço urbano, destaca-se o Estado, que tem presença marcante na produção, distribuição e gestão dos equipamentos de consumo coletivos necessários à vida nas cidades. Entre os consumos coletivos mais importantes no atual contexto histórico, destacam-se: abastecimento de água, luz, telefone, e a instalação de redes correspondentes; sistema viário e transporte coletivo; espaços coletivos de lazer e esporte, equipamentos e serviços de saúde, educação e habitação para as chamadas classes populares 'trataremos deste último aspecto no capítulo referente à atuação do Estado).

Quando o Estado assume a provisão de um destes valores de uso, está canalizando, através de impostos e taxas - diretos e indiretos - parte do trabalho global da sociedade. O Estado reúne estes recursos escassos - porque cada capital aspira obter as vantagens da urbanização, mas quer que seus custos sejam pagos por outros - e, atua de forma não homogênea no espaço urbano. Esta atuação dependerá de uma multiplicidade de determinantes, que se estendem desde a lógica de cada um destes valores de uso-rentabilidade, necessidade, existência de recursos, etc., até os interesses políticos e econômicos. A heterogeneidade de atuação no espaço urbano acentua uma "valorização" diferencial de uma área para outra.

As diferenças de preço relativas à localização, em áreas beneficiadas ou não, com os equipamentos de consumo coletivos, referem-se à produção social da cidade, ao investimento realizado na área onde se localiza a terra e não necessariamente na própria terra. A apropriação dessas condições gerais de existência na cidade é feita individualmente pelos proprietários de terras. Obtém-se para as áreas bem localizadas um lucro extra na venda da casa/terreno, além de usufruir de uma cidade bem equipada. Cidade produzida socialmente e renda apropriada individualmente.

Todos os cidadãos contribuem para esta produção, seja pelo pagamento direto ou indireto de taxas e impostos, seja pela produção de sua casa na cidade. Um dos casos mais comuns de contribuição direta na produção, ocorre quando se compra um terreno numa área pouco ocupada e se constrói (autoconstrução, empreitada). Logo após as primeiras construções, os lotes vagos são vendidos, a preço mais elevado que o dos primeiros, sem que os terrenos vagos tenham sofrido qualquer transformação.
Muitos loteamentos são realizados e colocados á venda, com pouca ou nenhuma infra-estrutura, o que significa que de várias formas os compradores se organizam e lutam para obter os equipamentos e serviços coletivos – asfalto, transporte coletivo, luz , água, escolas, creches, postos de saúde, etc. Beneficiam, sem dúvida, aqueles que estão produzindo seu espaço, mas beneficiam principalmente aqueles que deixaram as terras vazias aguardando "valorização".

Texto III - Formas de especulação
(do livro: "Moradia nas cidades brasileiras", Arlete Moysés Rodrigues. Ed. Contexto, 1988, p. 21-23)
Os mecanismos da chamada especulação imobiliária relacionada coma a ocupação da cidade, podem ser praticados de várias formas. A mais comum, por estar relacionada a um único grupo incorporador, refere-se ao interior da área loteada e diz respeito à retenção deliberada de lotes. Em geral, vende-se inicialmente os lotes pior localizados – em relação aos equipamentos e serviços - para, em seguida, gradativamente e à medida que o loteamento vai sendo ocupado, colocar-se os demais à venda. A simples ocupação de alguns já faz aumentar o preço dos demais lotes, "valorizando" o loteamento. Esta é uma forma de ocupação programada, onde é também comum deixar-se lotes estrategicamente localizados para a instalação de serviços e comércio de abastecimento diário - padarias, açougues, farmácias, etc. - ou então os conjuntos comerciais.

Estes lotes obviamente terão seu preço elevado em relação aos residenciais, porque visam à conquista de um mercado que se amplia e consolida.
Uma outra forma de atuação da "especulação" imobiliária refere-se ao loteamento de glebas, que, via de regra, consiste em não fazer um loteamento vizinho ao já existente, mas deixar-se uma área vazia entre dois loteamentos. Esta segunda maneira é mais difícil de ser concretizada se as glebas não fizerem parte de um monopólio de terras. Mesmo porque não se deve considerar que haja uma solidariedade entre dois proprietários para se extrair conjuntamente uma renda. Ou seja, as glebas vazias existentes entre dois loteamentos, beneficiarão os proprietários dessas glebas, (não se conhece nenhum caso em que a renda extra obtida por esse processo tenha sido apropriada coletivamente por proprietários de terras). Ou seja, há também urna concorrência entre os proprietários de terras, buscando cada um obter a maior renda possível. Assim, os proprietários se beneficiam não só da produção social da cidade, mas também da produção que ocorre nos terrenos vizinhos.

Estranha contribuição para a produção social da cidade: os proprietários que deixam a terra vazia, ociosa, sem nenhum uso, apropriam-se de uma renda produzida socialmente.
Por outro lado, os que mais precisam usufruir de uma "cidade com serviços e equipamentos públicos" – aqueles que têm baixos salários – compraram lotes/casas em áreas distantes, onde o preço é mais baixo. Gastam um tempo elevado – de duas a três horas – em deslocamentos casa/trabalho/casa. Além do custo do transporte, constróem suas casas, em geral, nos fins-de-semana, organizam-se para obter serviços públicos necessários á sobrevivência e assim, através do seu trabalho, conseguem obter "melhorais" para estes bairros, aumentando ao mesmo temo o preço da terra, que beneficiará os proprietários de terras vazias. Não puderam pagar por estes serviços, lutaram para consegui-los, inclusive até perdendo vários dias de trabalho remunerado, e elevam o preço da terra, que será apropriada por outros.

Muitas vezes, quando a "valorização" do lugar faz aumentar em demasia o preço da terra e os impostos, parte daqueles que lutaram por esta transformação são, pela impossibilidade de pagar estas taxas, "empurrados" para mais longe, para recomeçar a produção social da cidade em outro lugar e de novo propiciar a apropriação de renda por apenas uma parcela, na qual não está incluído.
Também conseguem, é claro, aumentar o preço de suas casas/lotes, mas sempre como produto de um sobre-trabalho, enquanto as glebas e os lotes vazios beneficiam alguns proprietários por esta lógica da "valorização" de um bem sem valor.

É evidente que esta "valorização" também ocorre nas áreas dos denominados loteamentos de alto padrão, condomínios fechado, bairros-jardins, onde se vende, além da terra, segurança, homogeneidade de classe social, equipamentos e serviços coletivos, ar limpo puro, verde, local para lazer, etc., comércio em supermercados e shopping-centers. E aqui como nos loteamentos da "periferia pobre" (porque estes também estão espacialmente localizados na periferia, ma na "periferia rica"), o processo é basicamente o mesmo. Vende-se alguns lotes que "viabilizam" o investimento, e quando começa a ocupação, os demais serão colocados à venda, como expansão do loteamento, face ao sucesso alcançado, por um preço mais elevado que os anteriores. Ou então vende-se os lotes mais bem localizados prevendo-se uma valorização futura.

Os investimentos de incorporação ao espaço urbano e que demandam trabalho são adicionados à renda da terra e, também, provocam uma valorização diferencial no espaço urbano, por suas características diferentes - cada um deles dirigido a uma determinada fração de classe social.
Esta mercadoria "sui generis", a terra, tem um preço que é de definido pela propriedade, pela capacidade de pagar dos seus compradores e não pela sua produção. Desta mercadoria se obtém renda. Para determinar-se o preço da habitação acrescenta-se a renda da terra-absoluta e diferencial os lucros dos investimentos de incorporação, da construção da casa, e os juros do capital financeiro – o que atingirá um número extremamente elevado e inacessível para a maioria dos trabalhadores.

Texto IV - Espaço urbano e Estado
(Do livro: "O que todo cidadão precisa saber sobre habitação", Flávio Villaça, Editora Global, 1986, São Paulo, pág. 98 a 101)

E o Estado? Como se comporta diante dessas transformações territoriais comandadas pela classe dominante e pelo seu sistema de mercado imobiliário?
O Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram as camadas de mais alta renda, enormes investimentos em infra-estrutura urbana, especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo que abre frentes pioneiras para o capital imobiliário, como o Centro Administrativo de Salvador, a Avenida Rio Branco ou a esplanada do Castelo, no Rio ou a Avenida Faria Lima, em São Paulo. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor que no restante da cidade, não só para atender o maior número de automóveis, mas também para abrir frentes de expansão para o capital imobiliário.

São inúmeras as obras públicas feitas para melhorar a região central da cidade onde se instala a burguesia, inclusive na face do centro da cidade para ela voltada. A abertura das Avenidas Central e Beira Mar no Rio de Janeiro, foi uma obra custosíssima proporcionalmente aos recursos e ao tamanho da cidade na época. Obras igualmente enormes e custosas foram os desmontes dos morros. É significativo que os morros arrasados tenham sido exatamente aqueles que se encontravam na extremidade sul do centro. Para abrir espaço para a renovação e modernização do centro do Rio foram removidos os morros do Castelo, do Senado e de Santo Antônio, enquanto que os morros da extremidade norte - o morro de São Bento e o da Conceição - permanecem lá até hoje. A seqüência de obras gigantescas no eixo sul do Rio de Janeiro é impressionante.

As Avenidas Mem de Sá, Henrique Valadares e outras, ocuparam a área do morro do Senado. Vastas áreas, todas na extremidade sul do centro, foram oferecidas ao capital imobiliário para as maiores obras de remodelação urbana já realizadas no país: as valorizadíssimas terras centrais obtidas com o desmonte dos morros do Castelo e depois o de Santo Antônio. A essas obras deve ser acrescentada uma grande quantidade de aterros da orla marítima, do aeroporto Santos Dumont a Botafogo, os gigantescos aterros do Flamengo e de Copacabana, e ainda o elevado do Joá e inúmeros túneis. Note-se que tais obras atendem exclusivamente à Zona Sul, ou seja, são obras que nem parcialmente atendem aos interesses de outras regiões da cidade.

O contrário se deu na Zona Norte. As obras de vulto da região, corno a Avenida Presidente Vargas, a Avenida Brasil, ou os elevados associados à Ponte Rio-Niterói, destinam-se também a atender o escoamento do tráfego rodoviário extra-urbano e portanto não são obras destinadas a atender exclusivamente aos interesses da Zona Norte. O mesmo se deu com as ferrovias e depois com as rodovias. Essas obras foram construídas para atender a interesses regionais extra-urbanos e a população da Zona Norte apenas tirou partido delas. Mesmo assim as ferrovias sofreram um violento processo de deterioração dado o abandono a que foram relegados os seus serviços suburbanos de passageiros.

O que fez o governo baiano ao construir o Centro Administrativo de Salvador numa região quase virgem, porém, estrategicamente localizada na direção da cidade para onde a média e alta burguesia vêm se deslocando há décadas? Não só colocou o aparelho do Estado bem mais acessível a essas classes (e mais longe das classes subalternas) e melhorou o acesso a elas através de novas e rápidas avenidas expressas, mas também desbravou inúmeras novas fronteiras e oportunidades fabulosas para a especulação imobiliária. Além disso - em que pese alegar o contrário - colocou o aparelho do Estado muito afastado (em termos de distância, mas especialmente em termos de tempo e oportunidades de viagem) das classes subalternas.

Em São Paulo não foi menor a ação do Estado para preparar a expansão das chamadas "zonas nobres" da cidade e ainda abrir novas fronteiras para a especulação imobiliária. Através de um de seus mais conhecidos prefeitos, Prestes Maia, renovou toda a região do centro da cidade voltada para o quadrante sudoeste e sobre a qual incidia o interesse da burguesia. A maioria das grandes avenidas que abriu localizam-se nessa região.

Não só a mais famosa e importante delas, a Avenida Ipiranga, mas também a Avenida Vieira de Carvalho e o novo Largo do Arouche, a Avenida Duque de Caxias, a Avenida Rio Branco, Rua São Luís e a nova Rua da Consolação. Porém, bem antes disso, o Estado já vinha preparando a cidade para os interesses da burguesia. A construção do Viaduto do Chá, obra arrojada e da mais avançada tecnologia da época (estrutura de ferro), custosíssima para uma pequenina cidade de algumas dezenas de milhares de habitantes, não representava outra coisa senão a oferta de acesso mais direto entre o centro e a região que as elites queriam ocupar, ou seja, as encostas de Santa Cecília, Vila Buarque, Avenida Paulista e depois seu próprio espigão. Antes, a ligação entre o centro e essa região era pelo Acú, atual ponto de onde a Avenida São João cruza o Vale do Anhangabaú e representava um percurso longo. O Viaduto do Chá veio a representar uma significativa melhoria daquela ligação. O alargamento da Rua Libero Badaró e da Rua São João, a urbanização do Vale do Anhangabaú (todas no quadrante sudoeste) são outros exemplos de melhoramentos, que beneficiaram a faceta sudoeste do centro.

Em segundo lugar o Estado transfere suas próprias instalações para a mesma direção de crescimento da classe dominante, mostrando claramente através do espaço urbano, seu grau de captura por essa classe. O já citado exemplo de Salvador não é o único. O Palácio do Governo do Estado de São Paulo era inicialmente no Pátio do Colégio, no coração da cidade. Transferiu-se daí para o Palácio dos Campos Elíseos e depois para o Morumbi. A Assembléia Legislativa saiu do Parque D. Pedro 11 e foi para o Ibirapuera. O Gabinete do Prefeito saiu do Anhangabaú e foi para o Ibirapuera e a absoluta maioria das repartições e empresas públicas transferiu-se para a região da Paulista-Faria Lima. No Rio, tanto o Senado como a Câmara Municipal eram no Campo de Santana, e transferiram-se para a nova "zona nobre" do centro que passou a ser sua extremidade sul, a Praça Floriano Peixoto. Também o Executivo, assim que foi proclamada a República, instalou-se na direção norte, no Palácio do ltamarati, e depois transferiu-se para o Catete. Processos idênticos ocorreram em maior ou menor escala em muitas cidades brasileiras até mesmo entre as pequenas.

Imagem: eliasrodrigues.wordpress.com/

Sem comentários:

Enviar um comentário