quarta-feira, 18 de março de 2009

O último navio negreiro



Praia da Aguada: o último navio negreiro

Janeiro 2005 - Cabo Verde ( do "diário de um turista" )

De Fogo (fomos à Caldera, aos pés do vulcão), para chegarmos até Praia, tivemos que passar por Brava. O mar é feio, mas sobretudo o pequeno porto de Furna é inadequado. Assim o navio aproxima-se da baía e os passageiros descem e sobem por meio de pequenas embarcações. Perdemos várias horas. Chegamos à Praia depois de 14 horas viagem (tempo real de navegação: 5 horas aproximadamente).

Viajamos com o navio Praia de Aguada. Aquele por mim definido como o último navio negreiro ainda em uso no século XXI. Uma viagem com este navio nos permite entender muitas coisas: o relacionamento do povo cabo-verdiano com o "poder", o sistema opressor de quem o exercita , a incompetência de quem permite estes verdadeiros e próprios abusos - reais limitações das liberdades pessoais. Analisemos uma viagem com este navio que a Arca Verde (a sociedade nacional de Navegação - quase extinta) define como a sua "pupila dos olhos".

A passagem custa até três vezes mais em relação aos outros navios. Qual o motivo ? As pessoas devem adquirir antes as passagens do salão da 2ª classe e depois aquelas da 1ª classe. Temos que considerar que 2900 escudos (cerca de 30 euros) é uma soma muito elevada para pessoas com uma renda mensal de 6000 escudos!
Toda bagagem, seja qual for o tipo, é entregue para depósito em grandes caixas que são colocadas a bordo e sobre as quais os estivadores passeiam alegramente, durante a execução de carga e descarga ( portanto, os passageiros que tiverem algum objeto frágil em sua bagagem....ou melhor dizendo, tinham...). Levar consigo, mesmo sendo uma bagagem de mão, seria um "transtorno".

Uma vez recepcionados pelos arrogantes e severos tripulantes de bordo (convém lembrá-los que são vocês que pagam os salários deles!) os passageiros são trancafiados na embarcação. Relegados em vossas poltronas deverão pedir licença para ir à toilette, para sair e fumar um cigarro, para não vomitar no passageiro que em frente. A licença é concedida por uma das senhoritas que com um controle remoto nas mãos ( uma espécie de cetro do poder ) decidem "o que" assistirão na televisão mais próxima.

Se e quando será dada a permissão para sair ( pois, a abertura do portão é controlada somente por dentro) saibam que será por vossa conta com risco e perigo. Quando quiserem retornar, é possível que o funcionário (cujo camisa branca e o porte autoritário o faz parecer um oficial!) faça um aceno com a mão para aguardar. No fundo, é compreensível, pois não pode ser importunado somente por vocês ! Freqüentemente lhes dirá de passar para o outro lado do navio (mais próximo dele) quando enfim abrirá o portão lhes fará entender claramente foi perturbado, solicitando para não se moverem mais até o final da viagem.

Para turistas como nós não se trata de uma horrível manifestação de arrogância e um tapa aos caprichos turísticos de Cabo Verde. Para os cabo-verdianos a demonstração que o próprio governo, além de suas intenções, não consegue defendê-los dos "poderosos" e dos "brancos" (não é por acaso que esta definição em Cabo-Verde prescinde da cor da pele) mal educados e insolentes. Para todos o risco de um acidente: um naufrágio seria para a tripulação e passageiros o que os marítimos definem como "extermínio de ratos".

Não é por acaso que a população cabo-verdiana prefere aguardar, por dias, as mais "humanas" Barlavento e Sotavento, dois navios que reconhecem, com o fim da escravidão, a liberdade e a igualdade de todos os habitantes de Cabo Verde e do gênero humano.

A&A (mail: bbalberto@cvfaidate.com)

http://www.ponto.altervista.org/Lugares/Capoverden/2005newspt.html

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