Beira – Está instalada na Beira mais uma revolta popular contra uma ordem do tribunal local que visa que património público municipal seja entregue ao Partido Frelimo.
Doze tiros foram ontem disparados por agentes da policia que se fizeram à sede do bairro do Matadurouro, na Beira, na perspectiva de dar cumprimento a uma ordem de despejo emanada pelo tribunal provincial de Sofala.
Não há vítimas humanas a relatar, mas o facto terminou com uma algazarra dos populares locais, e da chefe do bairro, Lucia Cipriano, contra a escrivã do tribunal, identificada apenas por Anita, e autoridades da lei e ordem que a acompanhavam.
Segundo o que apuramos, eram 10 horas quando a referida escrivã se fez ao local, para dar cumprimento à ordem de despacho do tribunal provincial de Sofala que obriga o Conselho Municipal da Beira a entregar 17 casas reclamadas pela Frelimo como sendo da sua propriedade, casas essas que sempre serviram como edifícios municipais e que o último presidente municipal eleito pela Frelimo, Chivavice Muchangage, alianou ao seu próprio partido.
Até à hora em que redigimos este artigo nenhuma sede dos bairros, das 17 visadas pela ordem judicial, fora entregue. Em todas elas a população estava posicionada para fazer justiça com as próprias mãos por entenderem que a Frelimo com a cumplicidade do tribunal está a querer apoderam-se do que é património municipal.
No confronto com a escrivã Lúcia Cipriano pediu que aquela exibisse o título de propriedade do imóvel, bem assim a decisão que ordenava o despejo. Não tendo a escrivã procedido conforme o seu pedido ela recusou-se a assinar e a receber os papéis da ordem do tribunal. Foi então que os policias intrometeram-se no assunto e ordenaram Lúcia Cipriano a sair, ao que esta disse fosse o que fosse não abandonaria o local.
Volta e meia um dos polícia disparou três tiros em direcção aos pés dela, sendo que outros disparam outros tantos tiros. Daí a multidão furiosa intrometeu-se no caso, afirmando que aquela é a sede do bairro e portanto não a deixariam ser retirada. “Nós estávamos a ocupar a sede do bairro a uns dois quilómetros daqui. Assim, este edifício pertencia a fundo do Fomento, que após concluir o projecto Inhamízua 2 cedeu-o ao CMB. É surpreendente que antes reivindicavam outro imóvel, hoje fazem-no a este,” palavras de Lúcia Cipriano.
Soubemos que no meio do motim a escrivã “perdeu” o processo e desatou a reclamar que o tinham roubado. O assunto foi depois encaminhado para a esquadra local da polícia. Até às 13 horas de ontem procurava-se uma saída mediante mediação policial, a qual contou com a participação do director da ordem do Comando Provincial da Polícia de Sofala, identificado apenas por Paulo.
Este processo tem o número 95/2005. Corre há mais de cinco anos. Teve inicio aquando da transmissão de poderes da administração subordinada ao Governo Central (Frelimo), à Renamo, representada por Daviz Simango que acabara de ser eleito pela primeira vez como edil da cidade. Agora Daviz Simango continua a ser edil da Beira, mas por ter vencido, já como independente, as eleições de 2008. Entretanto, Daviz Simango passou a dirigir um partido, o MDM, que foi criado já depois dele ter sido reconduzido no cargo de presidente do Município da Beira.
Recorda-se que em Dezembro de 2007 o Tribunal Judicial de Sofala proferiu uma sua sentença a favor do Partido Frelimo no litígio relativo à propriedade e usufruto de 17 imóveis que constavam do inventário de bens patrimoniais do Conselho Município da Beira apresentado por Chivavice Muchangage quando o actual administrador da Angónia, em Tete, fez a passagem do poder na autarquia da Beira para o seu sucessor, Daviz Simango
Os tais 17 edifícios, logo a seguir foram considerados propriedade do partido Frelimo e não do Estado. Alguns deles foram construídos com fundos do Estado de raiz e outros estavam arrendados à autarquia para funcionamento da administração local nos diversos bairros da capital da província de Sofala.
O Conselho Municipal da Beira (CMB) defende que a decisão do Tribunal Judicial Provincial não obedeceu aos factos e às provas apresentadas pela edilidade, as quais trazem a lume que o apossamento e a tomada dos imóveis pela Frelimo correu de forma obscura. Por exemplo, em Janeiro de 2003 a Frelimo registou os imóveis sem os ter antes alienado. Em Junho do mesmo ano pediu ao Governador local a passagem dos imóveis dos bairros à Frelimo. Só em Agosto de 2004 um anúncio convidava o partido Frelimo a alienar os imóveis.
“Se formos a ver a certidão de registo de imóveis não condiz em muitos pontos com as coordenadas dos imóveis reclamados pela Frelimo, o que seria um elemento que o tribunal deveria considerar para não dar por procedente o pedido da Frelimo”, defende o presidente da Beira, engenheiro Daviz Simango.
Apesar do referido recurso ter sido interposto em tempo útil o tribunal de Sofala está agora a agir sem que haja uma sentença transitada em julgado.
Daviz Simango diz-se surpreendido. Defende que uma decisão que não transitou em julgado não pode ser executada por um tribunal que não é agora competente. Ficamos surpreendidos ao saber que o nosso pedido de recurso ao surpremo só avançou há cinco dias, depois de o termos requerido a 1 de Março de 2007. “Só a 10 de Julho, há dias, é que o nosso processo deu entrada no Supremo, o que é estranho,” disse Simango.
Dois meses depois da posse do engenheiro Simango no seu primeiro mandato, o partido Frelimo apareceu a reivindicar a propriedade dos imóveis sob alegação que os mesmos lhe tinham sido atribuídos por via de contrato de arrendamento celebrado com o Estado e que tinham sido ilegalmente ocupados pelo Conselho Municipal da Beira.
Depois de um prolongado “braço de ferro” e que culminou com algumas escaramuças protagonizadas por membros do partido Frelimo que tentavam ocupar os imóveis à força, o caso acabou sendo julgado em Tribunal, depois de uma queixa intentada pelo Conselho Municipal da Beira, que antes reagira “às provocações da Frelimo” com uma providência cautelar, que não chegou a proceder.
A sentença do Tribunal Judicial Provincial de Sofala acabaria por dar razão à Frelimo, ordenando a restituição dos imóveis em disputa.
Na decisão judicial de primeira instância, vem expresso que o partido Frelimo alienou as casas ao Estado nos termos do artigo 2 da Lei 5/91 de 9 de Janeiro e Decreto 2/91 de 16 de Janeiro, tendo à data da prepositura da acção, pago os respectivos valores. O Município da Beira, por sua vez defendeu-se alegando não constituir a verdade que os imóveis foram ocupados de forma ilegal, dado que em 06 de Fevereiro de 2004, tinha recebido os imóveis em causa do Edil cessante, como património do Conselho Municipal da Beira, concretamente no que respeita aos imóveis com os registos prediais 1914, 10446 e 3487, bem como os que ostentavam os contratos de arrendamento n.ºs 2574, 4678, 4561 e 9011.
O CMB, referiu ainda que os imóveis com os contratos de arrendamento n.ºs 9004 e Registo Predial 10445, foram sempre património da Administração do Conselho Municipal da Beira, conforme a chapa constante da fotografia junto aos autos, a fls. 67, incluindo o imóvel com o contrato de arrendamento n.º 6410.
Na óptica do Conselho Municipal da Beira, de contrário, a Frelimo teria que explicar a utilização de fundos do Conselho Municipal na reabilitação de imóveis que diz serem sua propriedade, pois estar-se-ia se em presença de desvios de fundos do Estado, pelo que assunto deveria, sendo o caso, ser tratado em fórum próprio.
Por outras palavras, todas as verbas públicas gastas a reabilitar os edifícios que o partido Frelimo diz agora pertencerem-lhe terão sido usadas fraudulenta e abusivamente, se vingar a decisão do tribunal de primeira instância, facto que poderá dar aso a novo processo judicial, este já de desvio de fundos do Estado pelo Partido Frelimo.
Os imóveis reclamados pelo Conselho Municipal da Beira, serviram desde a independência nacional como sedes dos então grupos dinamizadores, substituídos por Secretariados de Bairros, desde 1998, sendo que o inquilino dos referidos imóveis era o Conselho Municipal e não o partido Frelimo.
O CMB sustenta ainda que os contratos foram feitos pelo pseudo locador em 06/07/2006, sendo tecnicamente impossível, que a APIE assinasse na mesma data os contratos 768, 7810 e 7042.
Mesmo com estes argumentos apresentados pelo Conselho Municipal da Beira, o Tribunal Judicial Provincial de Sofala, julgou procedente o pedido do partido Frelimo declarando-o como legítimo proprietário de todos os imóveis descritos nos autos.
Além da entrega e do reconhecimento do direito de propriedade do partido Frelimo, o Tribunal condenou também o Conselho Municipal da Beira ao pagamento de 792.502.000,00 MT (Setecentos e noventa e dois milhões e quinhentos e dois mil meticais da antiga família), a título de indemnização, pela privação do uso dos imóveis por um período de 13 meses.
Quando a sentença foi proferida a 18 de Dezembro do ano passado, o presidente do Conselho Municipal da Beira, eng.º Daviz Simango, já havia declarado que recorreria da sentença e que não haveria de entregar as sedes até que a justiça fosse reposta.
Na Beira está-se agora a viver momentos de grande tensão por causa deste caso. Não está posta de parte uma revolta popular de grandes dimensões se proceder a obrigação de entrega dos edifícios ao partido Frelimo. O ambiente está muito tenso. A população está disposta a fazer justiça pelas suas próprias mãos.
(Adelino Timóteo)
2010-07-13 07:00:00
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