quinta-feira, 15 de julho de 2010

Entrevista de José Gama a Radio Despertar


Luanda - Vivemos no mundo em constantes transformações com as novas tecnologias a facilitarem cada vez mais a aproximação entre indivíduos, povos e nações.

Fonte: Radio Despertar CLUB-K.NET

A internet trouxe novas formas de pesquisa e de comunicação rápida, que nos possibilita estarmos informados sobre o país e o mundo instantaneamente e a custos baixíssimos. A internet é um mundo livre em que flui a informação sem fronteiras. O governo angolano tenta travar o vento com as mãos.


José Gama é, activista cívico e um dos gestores do Club-K, site da internet que congrega vários angolanos em diferentes partes do mundo e está representado em 14 países. O site, segundo José Gama, permite aos angolanos o acesso a informação livre, não sujeita aos condicionalismos do governo angolano.

José Gama falou à Rádio Despertar numa entrevista conduzida pelo jornalista Joaquim Ribeiro.

RD- O Governo manifestou recentemente a intenção de criar uma lei para regulamentar ou gerir os portais. Que opinião tem sobre esta questão?

GAMA – O governo deve ter a sua justificação. É louvável que tenha procedido desta forma, criar uma lei que possa regularizar o tipo de jornalismo que se faz online. Há figuras que as vezes se queixam ou se sentem caluniadas via internet, nos Sites e Blogs, sem terem como recorrer em termos de justiça, e as autoridades sentem, por aquilo que temos estado a escutar, que não há pessoas responsáveis por aquilo que se escreve na internet. Mas, desde já, é importante realçar que será uma batalha que não creio que as autoridades terão forças para ir longe.

A China que é uma grande potência tentou fazer isso mas não conseguiu banir Sites como a Google. Não conseguiu porque hoje a internet é uma coisa globalizada. Eu acho que a única coisa que as autoridades podem fazer é, talvez, em termos de publicidade, que é a fonte de receitas dos Sites, obrigar nas empresas que queiram publicitar em Sites o façam apenas em Sites que estejam registados a nível da comunicação social. Em termos de criar leis não se vai a lado nenhum porque os Sites em referência, por exemplo o Club-K, não é gerido em Angola, não é registado ou criado em Angola. É um Site formado por Angolanos mas é um Site estrangeiro, porque ele é feito a partir de fora logo não tem nada a ver com as leis que se fazem ou que se regem em território angolano. A Internet é um espaço globalizado em que qualquer pessoa pode entrar e ler. Por isso mesmo a gente acha que as autoridades angolanas vão ter uma batalha muito forte e, repito, não terão forças para ir longe com essa medida. Mas entende-se o debate que pode ser no sentido de pressionar os responsáveis dos Sites a terem uma postura mais responsável.

Pode ser também que haja uma razão por detrás. Se formos a fazer uma leitura política podemos perceber que há um processo de monopolizar os órgãos de informação e a internet aparenta estar isenta e livre do controle das autoridades e dai que tenham pensado nisso numa fase semelhante a China que é um país de regime de partido único com característica ditatorial e penso que estamos a ir também pela mesma via.

As autoridades podem estudar seriamente, aprofundar o debate, convidar as pessoas que estão envolvidas nesses projectos e juntos acharem uma forma de mecanismo para acompanhar isso porque criar uma lei não se vai conseguir aquilo que se quer. Angola não tem servidores de Sites. Todos os Sites angolanos são feitos e registados fora do país. Há poucos Sites na internet. Nós não somos um país como o Brasil que chega a ter mil Sites ou mais de informação. Alguma coisa por detrás haverá certamente que as autoridades viram e que a gente não vê, mas precisávamos de perceber.

RD – Então não vê hipótese de sucesso nesta intenção?

GAMA – O sucesso que as autoridades poderão vir a ter é o debate que se está a criar. Debate que cria e que força as pessoas que estão por detrás destes Sites a ganharem um sentido de responsabilidade daquilo que vão informando. Os próprios gestores em si podem ter uma cultura de autocensura porque vão fazer tudo no sentido de não ferir as autoridades. Isso poderá ser um sucesso por parte das autoridades. Um debate é sempre um debate, trás sempre ideias, é algo valioso, as pessoas trocam opiniões, é algo frutífero. Não tem que ser necessariamente uma lei. Não há ainda registo de país algum no mundo que tenha este tipo de lei para regulamentar a internet. Eu penso também que as autoridades deveriam pesquisar os países fora em que se consome mais produto online, beber da sua experiência e contactar a própria China e saber como é que a China perdeu a batalha ao decretar uma guerra contra certos portais online que eles achavam que eram contra o regime Chinês. É dentro desta base que a gente está a analisar o discurso e as intenções das autoridades angolanas.

RD – Terá sido por alguma polémica criada pelos sites existentes que levou o governo a intenção de regulamentar a utilização da internet?

GAMA – Penso que sim porque os outros Sites da Angop, Jornal de Angola são progovernamentais e as autoridades têm o controlo dos mesmos. Não acredito que seria uma lei para regulamentar esses de que as autoridades já têm o controlo. Eles querem uma lei para controlar aqueles que estão fora do seu cerco. Mas, na verdade, no caso concreto do Club-K, eu acho que a preocupação não é naquilo que a gente vai divulgando em si. Eu acho que é no debate porque há um debate muito intenso entre os internautas. Eu penso que é isso que deve estar a incomodar as autoridades porque mesmo aqui em Angola a gente nota que por vezes há certos debates que se tenta impedir, manifestações e é tudo nessa vertente que a gente faz um paralelismo0 e compreende o que é que realmente está a incomodar ou a fazer com que as autoridades passem a tomar esse tipo de medidas.

RD – Quanto a liberdade de imprensa em Angola, qual é a opinião que tem?

GAMA – Em termos de lei, a Constituição garante a liberdade de imprensa mas por vezes notamos que as próprias pessoas têm-se autocensurado. Noto que as pessoas por vezes têm medo de falar porque já houve antecedentes de pessoas que escreveram e falaram e foram censuradas por usarem os seus direitos. Vimos tempos atrás o jornalista Rafael Marques que foi preso, foi molestado porque escreveu algo que as autoridades acharam contra a figura do presidente e ele foi preso. Há esses antecedentes que hoje fazem com que as pessoas tenham medo de falar, de fazer uso da sua liberdade de expressão.

A própria liberdade de expressão não é só naquilo que se escreve na imprensa. A liberdade de expressão também está no manifesto público que a gente vai fazer na rua. Veja que nos últimos dois meses as autoridades impediram uma manifestação em Benguela, impediram, abortaram uma manifestação em Cabinda que eram feitas por activistas cívicos. Mas momentos antes, em Janeiro, notamos que em Cabinda o próprio governador promoveu uma manifestação contra o terrorismo. Quer dizer que a liberdade de expressão pode ser exercida por parte dos membros das autoridades mas os activistas cívicos, a população é impedida de exercer esse direito. Até o próprio presidente do Tribunal Constitucional, o Dr Rui Ferreira, duas ou três semanas atrás, numa palestra em Luanda criticou a atitude de certos governadores provinciais de estarem a impedir as manifestações que não passam de uma liberdade de expressão. Se ele faz esta crítica quer dizer que como agente do Estado reconhece aquilo que temos estado a afirmar que a liberdade de expressão em Angola tem estado a ser amputada. Os direitos dos cidadãos têm sido violados pelas próprias figuras ligadas ao Estado angolano o que é uma acção muito negativa e que fere a Constituição.

RD – Que leitura faz da democracia que estamos a observar depois da aprovação da nova Constituição?

GAMA – A democracia é avaliada pela regularidade da realização de eleições em Angola, o que foi realizado em 2008. A democracia é avaliada pelo consenso e decisões que se vão tomando em torno do estado Foi realizada uma Constituição que infelizmente não reuniu consenso da população. Foi alvo de simulação. Colocaram pessoas nos órgãos de informação, simulando como se reunisse consenso. É uma coisa muito triste, muito errada. Quer dizer que hoje está-se a governar, está-se a viver mas com uma Constituição na qual as pessoas não se revêem.

Hoje as pessoas gostariam de ter uma constituição em pudessem votar livremente o seu Presidente. Quando isso não acontece quer dizer que temos um recuo democrático. Temos casos de violação das liberdades de expressão como referi atrás, pelos próprios governantes através do impedimento de manifestações de protesto. As autoridades precisam de se rever.

Esperamos que as autoridades se retratem porque Angola precisa de seguir um sentido democrático e ser um país de referência, semelhante a outros países como o Ghana, que hoje é uma referência em África e mundial quando se fala de democracia. Temos o caso da África do Sul onde existe de facto liberdade. Vimos em tempos atrás a forma como foi exposto o caso do Presidente Jacob Zuma que foi alvo de uma infidelidade por parte da mulher. Houve um debate muito consistente e aberto nos órgãos de informação porque desde o momento que ele é uma figura pública, a sua vida fica exposta ao público.

O outro caso que eu vejo como um desavanço democrático é o tipo de trabalho que os órgãos de informação fazem. Veja o que em tempos atrás o Jornal de Angola publicou o discurso do Senhor Presidente da UNITA, apresentando o Senhor como se fosse um apoiante das autoridades. Vemos como o Jornal de Angola, os órgãos de informação do governo acabam de ser um órgão de manipulação popular que é algo adverso a democracia. Mais uma vez ai nota o desavanço da democracia que passa a ser deturpada pelas próprias autoridades. Vejamos o caso da própria TPA, por vezes somos enxovalhados com noticiários repletos de propaganda do MPLA. Eu vi dois anos atrás na África do Sul que há um partido criado por elementos do ANC, organizou um Congresso e aquilo passou na televisão em directo, foi destaque nos jornais. É uma coisa que em Angola não acontece. Um partido realizar um Congresso os jornais estatais não fazem destaque porque aquele partido não faz parte do governo. É ai onde a gente também avalia o nível da democracia. Veja que no último Congresso do MPLA, a Angop passou cerca de 50 artigos por dia só a falar do Congresso. Houve um Congresso da UNITA e Angop passou uns 16 e da FNLA passou por ai 3. Vimos o que aconteceu durante as eleições.

As matérias sobre os partidos políticos eram retratadas de forma inversa, apresentavam os partidos num sentido negativo. Nós falamos com jornalistas destes jornais e eles explicaram-nos que de facto acompanharam os partidos só que – diziam em of – nós trazíamos as nossas matérias para a redacção e postos nas redacções havia outras figuras que invertiam os próprios artigos para dar uma impressão negativa. Vejamos o caso do Senhor David Mendes na altura das eleições ele tentava sair do país com uma certa quantia, bem, como jurista reprovamos pelo facto de não ter declarado os valores que estava a levar para o exterior, mas uma coisa que intrigou é que ao invés de chamarem primeiro a polícias autoridades colocaram primeiro a TPA, a rádio a divulgar aquilo. Quer dizer deu-se mais importância em fazer a divulgação do caso do Senhor em vez de dar um tratamento jurídico. A leitura política que se fez é que criou-se uma cabala contra o Senhor.

1 comentário:

  1. Este blog é muito interessante. Esta entrevista é de curiosidade de muitas pessoas. Estão de parabéns. Abraços

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