quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Transferência suspeita de 85 milhões de euros para a Suíça leva justiça portuguesa a questionar operação entre Sonangol e Grupo Espírito Santo


Lisboa – O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) está a investigar as circunstâncias em que o Grupo Espírito Santo (GES) vendeu a totalidade da sua participação na Escom à Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol). A empresa angolana pagou a título de sinal um valor de cerca de 15 milhões de euros ao GES que terá sido depositado em Lisboa. 
Fonte: Jornal i
Além deste montante, terão sido igualmente transferidos pelos angolanos mais 85 milhões de euros, cujo rasto está a ser investigado pelos procuradores do DCIAP. Este último valor terá sido depositado directamente no Crédit Suisse através da sociedade gestora de fortunas Akoya.

As suspeitas terão levado a que, no decorrer da investigação, o DCIAP tenha já solicitado a ajuda do Ministério Público de Lausanne, na Suíça. Os investigadores ainda estão a tentar descobrir o rasto dos 85 milhões de euros e quem terão sido os beneficiários deste valor, que poderá ter sido depositado em contas de empresas do GES.

A Akoya é uma empresa de direito suíço que está envolvida no processo Monte Branco, em que se investigam suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foi durante a investigação deste caso que o DCIAP se deparou com os indícios relacionados com o negócio da venda da Escom.

Confrontada com estes factos, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) limitou-se a afirmar que "o processo está em segredo de justiça".

De acordo com informações recolhidas pelo jornal i, o DCIAP terá tido acesso ao contrato-promessa de compra e venda da empresa Escom à Sonangol através de buscas judiciais realizadas ao escritório de advogados de Ana Oliveira Bruno, nas Amoreiras, em Lisboa, durante a Operação Monte Branco. A advogada acompanhou o negócio entre o GES e a Sonangol como representante da Akoya. O i enviou várias perguntas por escrito a Ana Bruno mas não obteve resposta.

COMO TUDO COMEÇOU

O negócio da venda da Escom - detida em 67% pelo GES, estando o restante capital nas mãos do luso-angolano Hélder Bataglia, presidente da empresa - ter-se-á iniciado no Verão de 2010. O GES propôs o negócio à Sonangol, tendo sido assinado em Lisboa um contrato-promessa depois do Verão que avaliava o negócio total em cerca de 800 milhões de euros.

Formalmente, a Espírito Santo Resources, uma holding da área não financeira do grupo GES, é a vendedora das acções da Escom à Sonangol. Na documentação pública sobre os negócios do GES não há informação sobre esta operação. No site da Rioforte, outra holding do grupo que congrega os interesses não financeiros, diz-se apenas que "a Escom, plataforma de investimento que concentrou nas duas últimas décadas a presença no GES em África, foi alienada".

Como sinal, a Sonangol, então liderada por Manuel Vicente - que agora é vice- -presidente da República de Angola -, terá pago cerca de 15 milhões de euros ao GES. Só que, ao que o i apurou, além do sinal, foram pagos mais 85 milhões que terão sido depositados directamente em contas bancárias do Crédit Suisse.

Após a transferência desses valores, a Sonangol não realizou mais nenhum pagamento. Manuel Vicente recusou-se a autorizar mais transferências, no que foi seguido por Francisco de Lemos Maria, novo presidente da Sonangol, desde 17 de Fevereiro de 2012. Lemos Maria chegou mesmo a pôr em causa a avaliação dos activos da Escom, tendo concluído que o valor da venda não poderia ultrapassar cerca de 200 milhões de euros.

Em Maio, Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo (BES), afirmou que o grupo ainda só tinha recebido a primeira tranche do pagamento e admitiu que tinham surgido "dificuldades" em concretizar a venda do conjunto de empresas que seriam integradas na Sonangol, e que era por isso necessário fazer "alguns ajustamentos", que estavam a ser negociados.

Também Hélder Bataglia, em declarações ao "Novo Jornal", de Angola, deu a entender que um dos pontos do impasse estaria no valor a pagar pelos projectos da Escom: "No início das negociações foi feita uma avaliação que chegou a números que, à época, indicavam um determinado valor de referência. Com o passar do tempo e atendendo à conjuntura nacional, e sobretudo internacional, tem decorrido um processo negocial necessário para a concretização da operação."

Depois de um impasse, o jornal "África Monitor" adiantava em Junho que o negócio da venda da Escom estava na recta final, tendo sido constituída uma sociedade angolana para esse efeito. Segundo aquele site, a Sonangol deveria fechar a aquisição de forma directa mas, na última fase, terá optado por uma nova estratégia de investimento.

Questionada pelo i sobre se a venda já tinha sido concretizada, e por que valor, fonte oficial da Rioforte afirmou: "As condições contratuais da operação de venda da Escom são confidenciais, por isso o Grupo Espírito Santo não as comenta.

"Confrontada com a não concretização do negócio devido a falta de pagamento, a mesma fonte assegurou que "a Escom foi vendida no final de 2010. Esse negócio ficou fechado nessa altura", acrescentando ainda que esta informação não é contraditória com as declarações de Ricardo Salgado de Maio passado que davam conta de um impasse no negócio.

O i enviou perguntas no passado dia 1 de Agosto para o GES, através do seu porta-voz, Paulo Padrão, mas apesar das insistências não obteve qualquer resposta.

SUBMARINOS. PROCURADORIA DE MUNIQUE LIGOU ESCOM A SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO

Esta não é a primeira vez que a Escom aparece visada num processo judicial. Um conjunto de documentos apreendido naquela empresa, em plena Operação Furacão, desencadeou um inquérito à compra dos dois submarinos pelo Estado português à German Submarine Consortium (GSC).

Em causa estavam “fortes suspeitas” de que os donativos de 1 milhão de euros, depositados numa conta bancária do CDS-PP em Dezembro de 2004, seriam “resultado de contrapartidas conseguidas no âmbito do referido contrato de aquisição dos submarinos”.

Neste caso, a intervenção da Escom – que negociou as contrapartidas do concurso dos submarinos entre o Estado português e o consórcio alemão – suscitou suspeitas. Os investigadores recolheram indícios de que os montantes pagos pelo consórcio alemão àquela empresa terão ultrapassado os 30 milhões de euros. Um valor “com aparente desproporção face à real intervenção de tal empresa portuguesa no desenvolvimento do negócio”, na perspectiva do Ministério Público.

O papel da empresa – que em sua defesa sempre disse ter actuado apenas como consultora do negócio – também não escapou aos olhos da Procuradoria de Munique. Nos autos do processo arquivado em Junho de 2012 pelo DCIAP, em que era arguido o advogado Bernardo Ayala (que representou o Ministério da Defesa no negócio), e que o i consultou, consta um email enviado a 10 de Fevereiro de 2010 pela Procuradoria de Munique às procuradoras do DCIAP Carla Dias e Auristela Pereira que compromete a Escom.

“No decurso das investigações soubemos de pagamentos a uma empresa chamada Escom UK, alegadamente uma subsidiária do Grupo Espírito Santo português. Temos a suspeita de que esses pagamentos terão sido corruptos”, informava Munique.

O DCIAP chegou a enviar cartas rogatórias para Inglaterra a solicitar o acesso a três contas da Escom em Londres, para poder averiguar “a proveniência do pagamento de elevadas quantias”. No entanto, o processo estagnou. Começou nas mãos do procurador Rosário Teixeira, saltou para as de Carla Dias e Auristela Pereira e foi depois transferido para João Ramos, procurador que está de saída do DCIAP. Mais uma vez, o processo, que teve início em 2006, vai mudar de mãos. S.C.

ANGOLA. UM DOS “MAIORES INVESTIDORES PRIVADOS”, FORTE EM DIAMANTES E IMOBILIÁRIO

Descrita no site como um dos maiores investidores privados em Angola, a Escom concentra as operações na exploração de diamantes e imobiliário e construção. O grupo chegou a ter projectos noutras áreas. Infra-estruturas (concessões portuárias), energia, agricultura, cimentos, estavam na rota dos planos de expansão, que apostavam no Congo, na África do Sul e em Moçambique.

Só nos projectos na construção, a desenvolver em parceria com a Opway (Grupo Espírito Santo), eram esperadas receitas de 500 milhões de euros. A operação também devia passar para a Sonangol com a compra da Opway Angola.

A jóia da coroa da Escom é um diamante, ou melhor, uma mina de diamantes. O projecto do Luó, descrito como uma das dez maiores explorações do mundo, entrou em operação em 2005. A Escom assumiu a posição da BHP Billiton e ficou com 45% da concessão em que estão accionistas angolanos e a companhia estatal Endiama. O grupo operava em 15 concessões e há um ano surgiram notícias de que estaria envolvido num projecto de 425 milhões no Lunda Sul.

A Escom chegou a empregar 1800 pessoas, a maioria em Angola. O último volume de negócios conhecido é de 250 milhões de euros anuais, modesto comparado com um plano de investimentos que triplicava esse valor. A crise financeira que retirou margem de manobra à banca e ao BES e a queda no preço dos diamantes em 2009 terão comprometido o financiamento dos investimentos da Escom e empurrado o maior accionista, o GES, para a alienação em 2010.

Há pelo menos um ano que a empresa transferia operações e recursos para Luanda, palco do outro negócio forte: o imobiliário. A Torre Escom é um das edificações emblemáticas da capital angolana e a âncora do projecto Sky Center, que prevê mais três edifícios, residenciais e de escritórios.

Ainda antes do acordo para a alienação, a Escom saiu dos negócios da aviação e das pescas para se centrar na mineração e no petróleo, em que tem 2,5% num bloco no offshore angolano operado pela Petrobrás. Desde 2010 que não há novos comunicados de imprensa no site da Escom, onde ainda consta a participação accionista do GES e de Hélder Bataglia. O empresário luso-angolano mantém-se à frente da gestão da empresa.
A.S.

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