segunda-feira, 4 de junho de 2012

Exclusivo com Coréon Dú: “Angola é uma sociedade conservadora”



Luanda - Filho do Presidente da República José Eduardo dos Santos, Coréon Dú, de seu nome artístico, encontrou nas «artes de palco» o seu caminho. Estreou-se recentemente no cinema com o projecto Festa de Quintal, que está a ser bem acolhido pelo público e pela crítica. Uma nova faceta de um homem que tem duas paixões na vida: a música e Angola.

Fonte: SOL Club-k.net
O meu pai foi compositor de uma banda nos 50/60
Festa de quintal é um evento tradicional angolano. Como surgiu a ideia de pegar nessa festa tão popular e transformá-la em dois filmes: no documentário Festa de Quintal e na curta-metragem homónima sobre a dança?
Durante a minha tese de mestrado [em Dance Theatre, na escola de dança Laban que faz parte do Trinity Laban Conservatoire of Music and Dance, em Londres, Reino Unido], interessei-me por criar um debate saudável sobre a diferença entre a dança formal – académica e profissional – e a dança social, aprendida no meio familiar ou social. Esta reflexão teve origem num antigo e conhecido ditado que diz que ‘a educação começa em casa’. Não sou bailarino profissional, mas aprendi a dançar em casa nas festas de quintal promovidas pela minha família. Só mais tarde tive algumas noções de dança profissional, quando, no ensino médio, fiz workshops de dança jazz para uma peça de teatro musical em que participei. Tive também uma breve passagem pelo ballet clássico, quando fiz uma cadeira de introdução a este estilo de dança no último ano da faculdade. Este projecto nasce, de facto, da comemoração da minha cultura, enquanto angolano e como artista. É o meu contributo para que haja uma valorização tanto do ensino formal, mas também uma pesquisa do que se aprende no ensino informal, no seio familiar e social.

Os filmes são legendados em inglês. Pensa projectá-los a nível internacional?
Sim, este projecto foi exibido, pela primeira vez, em Inglaterra e foi submetido a concurso em vários festivais internacionais. Os filmes foram, inclusive, escolhidos para participar no FESTin – Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa.

Sente que escolheu os profissionais certos para fazer o documentário?
É sempre um desafio, mas tive o enorme prazer de ter recebido o grande contributo dos vários intervenientes que partilharam a sua sabedoria no documentário. Já para a curta-metragem foi mais difícil, pois a formação artística em Angola ainda tem um longo caminho a percorrer, mas acredito que o potencial dos artistas e intérpretes que participaram foi reconhecido não só por mim, mas também quando mostrei este trabalho fora do país.

Quanto tempo levou a preparar a trama da curta, desde a escolha do elenco até à sua estreia?
Comecei a desenvolver o guião no fim de 2009 e ia-o redigindo de acordo com a pesquisa que fiz para o documentário. A preparação do elenco decorreu entre Abril e Junho, já o resto do cacimbo de 2010 foi dedicado à rodagem e à edição da curta-metragem.

À parte do cinema, tem outros eventos de sucesso como o Elite Model Look, o Angola Encanta, o Bounce, o Divas Angola, entre outros. Como desenvolveu esses conceitos?
O Bounce foi inspirado numa ideia de um primo meu, Ricardo Abrantes, que pretendia fazer uma battle, u chamada Big Bounce, em 2007, entre vários bailarinos de hip hop em Angola. Como não tinha apoios, juntei-me a ele e reformulei o projecto, introduzindo a componente de formação e sugerindo ainda que se retirasse o Big do nome e que se adicionasse o kuduro ao concurso. Ficámos mais de um ano a tentar promover a ideia sem conseguir apoios, já que muitas pessoas gostavam do projecto, mas não queriam estar conotadas com o hip hop nem com o kuduro, porque achavam que eram estilos associados à delinquência. Em 2008 transformei o projecto por completo num concurso televisivo mais virado para a formação de bailarinos, testando a sua capacidade de aprendizagem e versatilidade e feito maioritariamente com música angolana. Felizmente os meus sócios da Semba acreditaram no projecto e a empresa investiu.

O Divas também foi uma parceria familiar, não foi?
O Divas Angola foi uma ideia desenvolvida em conjunto com a minha prima Emília Abrantes e ex-sócia na empresa Z|E Designs [mais tarde conhecida como Z|E Produções antes de encerrar em 2008]. Isto aconteceu em 2006, para distinguir as mulheres angolanas nas várias áreas profissionais e servirem de exemplo às mais jovens. Hoje estamos em empresas diferentes. Eu estou na Semba Comunicação e ela na Glamour em Festas, mas continuamos a acreditar no importante papel da mulher na sociedade e, por isso, continuamos a colaborar neste projecto anualmente, espero que assim continue. Quanto ao Angola Encanta, era um conceito que tínhamos em carteira já há algum tempo, aguardando a altura ideal para o concretizar. Tivemos o prazer de ter a colaboração e a sinergia de Patrícia Pacheco e Jorge Antunes que contribuíram com a experiência que já tinham do Estrelas ao Palco, um concurso mais centrado na imitação de cantores. O Angola Encanta não procura imitações, já que o seu foco é o de encontrar jovens cantores, com a sua própria voz, que possam contribuir com o seu talento para a cena musical angolana.

E como passa da música à moda?
O Elite Model Look é um concurso que existe há vários anos no mundo inteiro, mas não existia em Angola. Desde a minha adolescência que sonhava fazer da moda uma referência angolana, dos manequins aos criadores. Observava a fisionomia e a personalidade das grandes top models internacionais e reparava que Angola tinha pessoas com aquele grau de beleza e de potencial, mas faltavam oportunidades. É só olhar para dois casos de duas gerações distintas, a Nayma Mingas e a Karina Silva. Por acaso, em 2009, conheci uma pessoa da direcção do grupo Elite que estava à procura de mais parceiros em África, especialmente em Angola, para encontrar modelos que tivessem potencial para participar no Elite Model Look Mundial, com a possibilidade de serem agenciadas pela Elite Model Management. Decidi aceitar o desafio e, desde 2010, a Semba tem organizado o Elite Model Look Angola. O êxito do concurso em Angola resultou no convite para organizarmos o Elite Model Look Moçambique e o Elite Model Look Cabo Verde.

E o sucesso desta participantes já se estende ao panorama internacional.
Claro que sim. É um enorme orgulho ver que estas jovens estão a ter um início de carreira muito promissor, dentro e fora de Angola, já que a intenção do concurso é mesmo essa, criar oportunidades e divulgar todo o seu potencial em Angola e no mundo. Acho que a Roberta Narciso [que no Elite Model Look Mundial de 2010 ficou entre as 15 melhores top models, conseguindo um contrato com a Elite Model Management que a representa em Paris, Milão e Nova Iorque] é uma verdadeira história de sucesso, tendo saído do anonimato para ser uma das jovens modelos mais promissoras. Foi também uma enorme felicidade a Elsa Baldaia ter conseguido trazer mais uma vitória para Angola em 2011, tendo ficado nas top 15 e também ter conseguido um contrato com a Elite Model Management. Espero que a Verónica agora consiga fazer jus ao legado deixado pelas suas antecessoras. E mesmo entre as finalistas do concurso de 2010 e de 2011, muitas estão a dar os primeiros passos em carreiras muito promissoras dentro e fora do país, sendo que algumas delas já conseguiram lugares de destaque nos mercados africano, europeu e americano. Fico muito feliz por cada conquista e com o facto de serem jovens que representam o potencial de toda uma geração angolana.

Quando descobriu a paixão pela música e começou a dar os primeiros passos nessa área?
Foi com os meus 12,13 anos que descobri que tinha uma voz apreciada, quando fiz um teste na aula de canto coral, durante o ensino médio. Na faculdade, participei em várias actividades escolares e extra-curriculares ligadas ao canto coral e ao teatro, mas foi só recentemente, já como adulto, que comecei a trilhar o meu caminho rumo a uma carreira profissional, foram praticamente sete anos de caminho até lançar um disco. Não deixa de ser curioso, já que sempre tive mais queda para a dança do que para a música. Mas na minha infância já me diziam que tinha jeito para cantar, embora eu não gostasse muito da u minha voz. Era a criança mais nova e tinha a voz mais grossa de todas.
Então desde sempre que teve uma veia artística?
Sim, desde muito cedo que tive a intenção de virar-me para as artes de palco, concretamente a música e a dança. Aliás, a música está no meu ADN familiar. O meu pai foi compositor de uma banda nos 50/60 e escreveu letras para vários artistas. Quase todos cantamos ou tocamos algum instrumento. Posso dizer que os meus irmãos são dos meus maiores fãs.

Mas depois acabou por seguir outra via, a nível académico.
Sim, depois acabei por fazer os cursos de Gestão de Empresas e Ciências da Comunicação fora do país, e aí não cantava. Quando voltei a Angola, a intenção era focar-me na música, mas nunca perdi o interesse pelas minhas raízes, daí que decidi investir nessa área, e comecei a pensar no lançamento do álbum The Coréon Experiment. Não foi muito difícil, já que tive a sorte de trabalhar com excelentes profissionais ligados à música, como Simon Massini, Heavy C, Filipe Mukenga, Filipe Zau, André Mingas, ToTó, Djeff Brown, DJ Mania e Ivan, na produção. Este trabalho é, basicamente, uma experiência de laboratório musical. Quando me perguntam qual é o meu género musical, normalmente respondo que faço música. Existem alguns géneros musicais que gosto mais do que outros, mas neste momento não quero ser conotado com apenas um género musical, porque acho que o tipo de música que pretendo fazer, e falando deste álbum em concreto, vai muito mais além do que um género especifico.

Como classifica o feedback do público em relação ao seu álbum de estreia?
Foi positivo. E um dos motivos para isso acontecer é que o meu trabalho, antes do disco, já era conhecido, como produtor e como empresário. Isso, de certa forma, influenciou, porque é mais fácil lançar-se um trabalho quando já se é conhecido e aparecer com algo diferente e inesperado. Graças a Deus tive muita boa aceitação e várias pessoas abordam-me na rua. Ao mesmo tempo, foi uma boa surpresa, já que muitos achavam que o meu disco seria para um nicho de público mas, afinal, parece que agradou ao público em geral, várias pessoas se revêem na minha obra.

Em que se inspira para compor as suas músicas?
Faço pesquisa das coisas que me interessam, sejam canções, imagens ou textos, depois deixo o processo desenrolar-se naturalmente. A minha inspiração baseia-se sempre neste processo, seja algo propositado ou algo que acontece de forma natural. Há momentos em que que escrevo, mas depois corrijo tudo, ou quase tudo. Há outros momentos em que componho com base numa ideia específica. Já aconteceu outros músicos terem uma determinada ideia e pedirem-me para escrever sobre um certo tema, não é um processo fácil mas, às vezes, acontece, principalmente se encontrar algo que me motive, porque é muito importante a motivação para a composição musical. Há uma música deste álbum que comecei a escrever quando tinha 13 anos, mas que só a acabei aos 24. Há outras que escrevi durante a faculdade e ainda outras que eram simples rascunhos e transformei em músicas. As minhas letras falam mais de relações humanas, principalmente amorosas mas, no fundo, falam do ser humano em si, como se relaciona com o mundo e com as outras pessoas.

O que retrata na música que levou mais de sete anos para a compor?
Na verdade, é interessante, já que essa música comecei a escrevê-la na minha adolescência. É fruto de uma reflexão interior, reflecte alguns momentos de turbulência. Mas reparei que uma coisa que tinha escrito há tanto tempo, era muito actual. É uma reflexão de como encaramos as dificuldades e como as superamos. Canto-a em inglês, parece uma canção muito triste, mas, ao mesmo tempo, demonstra que em tempos de dificuldades a nossa força interna ajuda-nos a superar tudo. O título da musica é ‘My Heart’ e também tem um sentido muito espiritual, já que toda a minha vida tive um acompanhamento religioso, na Igreja Católica, especificamente. A espiritualidade está muito presente na minha vida, de forma directa e indirecta, e isso reflectiu-se na minha música.

Para quando o próximo álbum?
Os álbuns não são um propósito, mas sim uma consequência do trabalho e também uma ferramenta de promoção para o artista. Não acho que seja o mais importante para já. Prefiro focar-me em continuar a construir uma relação com o público. Um novo álbum surgirá em tempo oportuno, quando o mesmo fizer mais sentido.

Que opinião tem sobre a música angolana?
Está a crescer, com toda a certeza. Acho que é apenas necessária uma maior aposta na variedade de estilos musicais, para que os artistas se sintam mais à vontade em experimentar novas abordagens, sem medo de ‘não bater’.

Também é produtor e director criativo. Como surgiram essas suas outras facetas?
Na verdade, iniciei a minha carreira profissional na produção de eventos, com uma breve passagem pelo design de moda, e fui ganhando experiência a partir daí para produzir outros tipos de projectos. A minha licenciatura em Comunicação Social e Gestão de Empresas também contribui bastante para estas escolhas, deu-me alguns conhecimentos, e acabei por me focar na publicidade, umas das áreas do meu curso de Comunicação, e a minha veia para a direcção criativa foi-se evidenciando cada vez mais.

De que forma harmoniza a sua vida pessoal com a profissional?
É bastante difícil, pois tenho sempre muito trabalho a desempenhar, mas tento manter o máximo de equilíbrio possível. Claro que alguns sacrifícios têm de ser feitos, pois é humanamente impossível fazer tudo.

Os seus pais sempre o apoiaram?
Nem sempre. Angola é uma sociedade conservadora e um país com uma história muito recente. Para muitos pais, a profissão de artista não garante muita segurança, especialmente para os meus, que sempre esperaram que eu viesse trabalhar e viver em Angola, onde as artes ainda dão os seus primeiros passos num mercado muito pequeno e altamente competitivo.

É assediado. Como reage?
O assédio faz parte da minha vida e tento lidar com ele da melhor forma possível, mantendo o respeito entre mim e os outros.

Quais são as suas grandes paixões?
A música e Angola.

Quais os projectos que tem para o futuro?
Não gosto muito de falar sobre os meus projectos antes de os realizar. Como pessoa introvertida que sou, prefiro trabalhar para concretizá-los.

E a sua filosofia de vida?
Lá está, é fazer mais e falar menos.

Como define Angola?
Um sitio único, cheio de energia e muito para descobrir

O casamento e filhos estão nos seus planos?
Infelizmente, não é o tipo de coisa que se prevê. Ainda sou solteiro e acredito que se o casamento e os filhos tiverem de acontecer será de forma natural e espontânea.

O faz para se divertir?
Passo tempo com a família e com os amigos.

Tem alguma arma de sedução?
Será que tenho? [risos]...

E a sua viagem de sonho?

É concluir a visita às 18 províncias de Angola, conhecer todo o país.
O que mais admira e o que menos gosta nos seres humanos?
Admiro a honestidade, não detesto nada em particular. Mas a falta de bom senso faz-me alguma confusão.

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