terça-feira, 18 de novembro de 2014

Gula humana aumenta para 22.400 as espécies ameaçadas de extinção





Lista Vermelha inclui o atum de aleta azul do Pacífico, muito pescado para fazer sashimi


Imagine que um animal começasse a devorar, um por um, os 7.200 milhões de humanos que habitam o planeta e perto do ano de 2050 só restassem 720.000 pessoas na Terra. O predador teria aniquilado toda a humanidade exceto uma população do tamanho da cidade espanhola de Sevilha. Foi isso o que aconteceu com o baiacu da China, um animal dotado, depois de milhões de anos de evolução, de veneno e da capacidade de inchar-se para assustar seus inimigos, mas que não conseguiu vencer um novo perigo: a moda do sashimi. O excesso de pesca para abastecer o mercado japonês reduziu sua população em 99,99% nos últimos 40 anos, segundo a última edição da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, apresentada nesta segunda-feira.
O catálogo, elaborado desde 1964 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), já inclui mais de 76.000 espécies avaliadas, das quais quase 30%, mais de 22.400, estão ameaçadas de extinção, 4.635 delas em perigo crítico.
O crescente mercado da alimentação está exercendo uma pressão insustentável sobre muitas espécies”, declarou Jane Smart, diretora do grupo de Biodiversidade da UICN, na apresentação do informe no Congresso Mundial de Parques, em Sidney. “A Lista Vermelha é uma chamada à ação. Estamos muito preocupados, porque o que estamos fazendo não é suficiente”, afirmou Smart.
A gula humana também levou o atum de aleta azul do Pacífico, ingrediente do sushi e do sashimi, a passar para a categoria de “vulnerável à extinção”. A indústria pesqueira, sobretudo a asiática, captura esses peixes quando são jovens, antes de reproduzirem, e a UICN calcula que a população pode ter caído 33% nas últimas duas décadas. A indústria de criação de enguias na Ásia, que agora se abastece de enguias americanas depois de esgotar as japonesas, também obrigou a classificação da espécie como ameaçada.
Smart exigiu que sejam impostos limites estritos à captura dessas e de outras espécies e pediu que sejam colocadas em andamento o quanto antes medidas para proteger seus habitats. A metade das 2.000 espécies cujo estado foi avaliado pela primeira vez na Lista Vermelha se encontra em regiões teoricamente protegidas. “Apenas 25% das regiões protegidas são bem geridas e isso é um problema muito sério”, recordou Smart.
O número de espécies ameaçadas de extinção na Lista Vermelha não deixa de crescer. Em 2013 eram pouco mais de 21.000. Em 2004, rondavam as 15.000. E em 1996 passavam pouco das 10.000. Na Espanha há 552 espécies ameaçadas, mais do que o dobro de países do entorno, como França e Portugal.
A cobra chinesa é um bom exemplo do fracasso da conservação de alguns santuários naturais. Ela vive nas reservas chinesas de Ailaoshan e Dawesihan, além do Parque Nacional de Kenting, em Taiwan, mas sua população caiu nos últimos 20 anos devido à caça para fornecer exemplares às cozinhas de Hong Kong, onde é considerada uma iguaria.
A nova Lista Vermelha também constata a extinção total de duas espécies pela destruição de seus habitats. O caracol Plectostoma sciaphilum vivia apenas em uma colina de pedra calcária de Bukit Panching, na Malásia peninsular. Em 2007, uma empresa cimenteira arrasou a colina para extrair a pedra e o caracol desapareceu definitivamente da face da Terra. Também sumiu a maior tesourinha do planeta, a tesourinha gigante de Santa Helena, um inseto de oito centímetros que vivia na ilha britânica de mesmo nome, a mais de 2.000 quilômetros da costa de Angola. O desenvolvimento urbanístico, os ratos e as espécies invasoras de invertebrados que chegaram em barcos eliminaram o inseto, avistado pela última vez em 1967.
Com essas duas extinções, já são 832 as espécies cuja extinção constatou-se em meio século de história da Lista Vermelha, apesar de o número real ser “muito maior”, segundo alerta Craig Hilton Taylor, responsável pela listagem. Outras 69 espécies se extinguiram em liberdade e só sobrevivem em cativeiro.
O presidente da Comissão para a Sobrevivência das Espécies da UICN, Simon Stuart, pediu “uma multiplicação dos esforços de preservação”. O especialista recordou que, quando há recursos e vontade política, é possível reverter o estado crítico das espécies, como aconteceu com a Reserva Natural da Rãzinha Dourada, no departamento colombiano de Tolima. Essa área protegida foi criada em 2008 para proteger um fragmento de bosque úmido no qual vivem duas espécies de rãs venenosas descobertas na última década. Elas estão se recuperando.
“Os especialistas nos advertem que as espécies ameaçadas que estão mal representadas nas áreas protegidas estão diminuindo duas vezes mais rápido do que as que estão bem representadas. Nossa responsabilidade é aumentar o número de áreas protegidas e garantir sua gestão eficaz”, afirmou em um comunicado a diretora geral da UICN, Julia Marton-Lefèvre.
A nova lista mostra centenas de espécies que estão sofrendo a destruição de seus habitats, incluindo 66 espécies de camaleões. O camaleão gigante de três chifres, exclusivo das montanhas do Leste de Usambara, na Tanzânia, foi incluído na lista como ameaçado de extinção, apesar de se concentrar na Reserva Natural de Amani. Essa região teoricamente protegida está sendo afetada pelo desmatamento para a criação de plantações agrícolas, pela mineração em busca de carvão e pela derrubada de árvores para produzir madeira.
A Lista Vermelha é o catálogo mais completo que existe sobre as espécies ameaçadas do planeta, mas está longe de ser exaustivo, já que avalia apenas 76.000 dos 1,7 milhões de espécies descritas.
Imagem: Um atum de barbatana azul do Pacífico em aquário dos EUA. / Randy Wilder

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