Apesar de ser um dos grandes nomes da literatura mundial, a verdade é que são raras as biografias sobre Fernando Pessoa, podendo ser contadas com os cinco dedos de uma mão. Ex-Ministro da Justiça do Brasil, José Paulo Cavalcanti Filho foi portanto à procura do Homem em vez de «A OBRA». E o que encontrou foi realmente algo surpreendente, como a natureza homossexual do poeta, além da extrema vaidade e da pouca imaginação. Está tudo em «Fernando Pessoa - Uma quase-autobiografia», agora editada em Portugal pela Porto Editora, «que está mais completa que a edição brasileira», reconhece o autor, amante do diálogo e… do charuto.
Por Pedro
Justino Alves DIARIODIGITAL
Orgulhoso da origem pernambucana e sempre acompanhado de um charuto, «um
manjar para o paladar», José Paulo Cavalcanti Filho é um admirador da conversa,
uma pessoa onde o tempo é um conceito vago aquando «duas trocas de palavras».
Entrevistar (ou melhor, conversar) o brasileiro é portanto um exercício de
tranquilidade, mas acima de tudo de prazer, pois as histórias que desvenda,
umas atrás das outras, seriam suficientes para escrever um livro.
No entanto, neste momento, José Paulo Cavalcanti Filho fala e recorda sobre
a sua mais recente obra, que demorou oito anos a ser escrita. No Brasil é um
autêntico bestseller e já ganhou o primeiro prémio literário do ano em termos
de importância no país (são três no total), o Prémio da Bienal do Livro de
Brasília. Mas devem estar a caminho outros, garante a crítica.
Afinal, o que tem de especial «Fernando Pessoa - Uma quase-autobiografia»?
«Por detrás da obra há sempre um homem e a verdade é que os livros sobre
Pessoa incidem-se sobre a sua obra. Eu queria saber onde era a Tabacaria, onde
estavam os seus locais preferidos, as pessoas que ele conhecia. Escrevi antes
de tudo para mim, ignorando por completo os académicos, os seus cânones e as
suas regas para o uso de citações e notas de rodapé, que ninguém lê e é uma
enorme chatice. A Academia que se dane! Há um enorme descompasso entre os
académicos e o leitor geral.»
A editora brasileira pensava que o livro venderia no máximo dois mil
exemplares, quando a média no Brasil é de mil para as obras de Pessoa. Mas não
foi o que aconteceu, já que os números ultrapassam hoje os 40 mil em pouco mais
de quatro meses. José Paulo Cavalcanti Filho aproximou assim ainda mais
Fernando Pessoa dos brasileiros, que consideram o poeta português um verdadeiro
mito. «É muito mais reconhecido lá do que aqui», sentencia.
A verdade é que temos em «Fernando Pessoa - Uma quase-autobiografia» um
livro diferente do que já foi tudo editado. A obra esmiúça ao máximo a vida do
poeta, revelando ao leitor dados até então ignorados por todos, inclusive pelos
especialistas. Para isso, José Paulo Cavalcanti Filho contratou um historiador
e um jornalista durante quase uma década para fazerem o trabalho de pesquisa.
Mas também contou com a sorte, o destino, «ou apenas um outro nome que eu dou a
Deus, como afirma a minha mulher».
«Por exemplo, um dia fui a Biblarte buscar umas encomendas. O Sr. Martins,
com cerca de 90 anos, perguntou se eu estava com pressa, se poderia ficar ali
um tempo para conversar porque se sentia muito sozinho. Eu perguntei se poderia
fumar um charuto, ele disse que sim, e então afirmei que tinha 1h20 para
falarmos, tempo do meu charuto terminar. Não sabia, mas o Sr. Martins privou
com Fernando Pessoa e acabei por descobrir mais curiosidades para o meu livro.»
Estas «curiosidades» foram «caindo» aqui e ali do Céu (e são elas que davam
outro livro, que poderia ter como título «Como escrevi ´Fernando Pessoa - Uma
quase-autobiografia´»), e não só, transformando «Fernando Pessoa - Uma
quase-autobiografia» numa obra obrigatória para os amantes do poeta, mas também
para os amantes dos romances em geral, já que o lemos com um grande prazer
devido a sua escrita, dinâmica e nada maçadora. O brasileiro garante que tudo o
que está no livro é real e que se alguém duvidar consegue provar tudo. «Ou
então falem com as pessoas. Perguntei ao Sr. Martins como a sua história nunca
tinha sido revelada. Ele disse simplesmente que ninguém tinha perguntado.»
Ponto final e charuto terminado, o do Sr. Martins, pois o da entrevista
(conversa) continua a queimar…
As três revelações
Há pelo menos três revelações retiradas da obra que estão a mexer com o
Mundo Pessoa: a possível natureza homossexual do poeta («As transformações de
Álvaro de Campos ao longo da sua vida retratam isso»), mas também a sua falta
de imaginação («Pessoa só escreveu sobre o que estava ao seu redor») e vaidade
(«Apesar de ser pobre, vestia-se nas melhores casas, muito para esconder o seu
complexo com o corpo disforme»).
José Paulo Cavalcanti Filho defende que Pessoa «cola» o seu quotidiano aos
seus textos. «O que parecia um acto de espírito, os seus textos, na verdade
está datado». E foi a obsessão por descobrir esses passos da vida diária de
Pessoa que fez com que escrevesse o livro. «Tudo se encaixa. Cada nome, lugar
ou situação tem algo a ver com a sua vida privada.» E montar esse enorme
quebra-cabeça durou oito anos, sendo a vida pessoal de Pessoa muito próxima de
Álvaro de Campos, defende o brasileiro. «O que houve de original na vida de
Álvaro de Campos?», questiona o autor, para de imediato responder: «Quase
nada!»
O brasileiro afirma ainda que Pessoa era um amante da beleza e que tinha
consciência da grandeza dos seus textos, apesar de viver na pobreza («Ele sabia
que os génios raramente eram reconhecidos pela sua geração. Pessoa sabia que
estava a deixar uma obra para a humanidade»). Mas vivia ao mesmo tempo com a
angústia de não ser reconhecido pelos seus pares. José Paulo Cavalcanti Filho
considera que Pessoa era um homem feliz, embora não na sua plenitude devido a
falta de dinheiro, mas também ao seu aspecto físico. «A vaidade externa contra
a angústia do seu interior.».
Em termos de heterónimos, o brasileiro encontrou mais 55 do que os
habitualmente mencionados, outras das novidades presentes neste surpreendente
livro. «Mas é de notar que Pessoa não dava grande significado aos heterónimos.
Se tivesse tempo, na sua obra, ele iria matá-los, assinando com o seu nome.». O
seu preferido hoje é Álvaro de Campos, «mas essa opinião muda com o tempo. Há
poucos meses o meu preferido era Caeiro». No entanto, José Paulo Cavalcanti
Filho acredita que o melhor heterónimo de Pessoa foi Bernardo Soares e a sua
obra de sempre o «Livro do Desassossego». «Evidentemente, «Tabacaria» foi o seu
melhor poema.»
«Fernando Pessoa - Uma quase-autobiografia» já gerou sub-produtos no Brasil,
estando já disponível para e-book, menos para o Kindle. Em Julho é lançado o
áudio-book, com o actor Ricardo Pereira a assumir a voz de Pessoa. «Tive de
cortar de 700 para 200 páginas. Apenas ficou as partes divertidas. Se era
importante e divertido, ficou; se era importante e chato, tirei.» As 200
páginas do áudio-book deverão ser transformadas em pocket book dentro de dois
anos para chegar ainda mais ao leitor comum, aumentando o nome de Pessoa num
país que sempre o admirou e venerou.
Como curiosidade, refira-se que a edição portuguesa da Porto Editora «é
muito mais completa» que a brasileira, refere o autor. Tudo devido a sorte, o
destino, «ou apenas um outro nome que eu dou a Deus, como afirma a minha
mulher», como fica revelada nesta última história (que também poderia estar
presente no suposto «Como escrevi ´Fernando Pessoa - Uma quase-autobiografia´»)
antes das despedidas e do término do charuto…
«A edição portuguesa é melhor devido às correcções feitas nos últimos meses.
Por exemplo, a sobrinha de Pessoa, Maria Manuela Nogueira, escreveu a dizer se
poderia alterar a profissão de sapateiro do seu avô, que não era bem vista em
Portugal. Eu disse que, no Brasil, era um orgulho ter um avô sapateiro que deu
possibilidades aos filhos e netos de crescerem na vida. Perguntei se poderia
colocar no texto «profissão modesta». Ela aceitou e, como agradecimento, enviou
mais quatro páginas com «algumas correcções». Por exemplo, na família há duas
pessoas com o mesmo nome. Busquei a exactidão possível, mas nunca imaginaria
que houvesse duas pessoas com o mesmo nome. Portanto, a edição portuguesa está
muito mais completa e já falei no Brasil que a próxima edição tem de ter como
base o livro da Porto Editora, inclusive o seu prefácio.»
Fim da entrevista e do charuto. Mas não das histórias, que prosseguiram por
outro órgão de comunicação social…
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=569067
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